A BIBLIOTECA DO MACUA

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LIVROS & AUTORES QUE A MOÇAMBIQUE DIZEM RESPEITO



POMPILIO DA CRUZ



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NOTA DO EDITOR
  Não se torna necessário apresentar o Autor de ANGOLA — OS VIVOS E OS MORTOS: Pompílio da Cruz foi, recentemente, candidato às eleições para a Presidência da República. Todo o país ficou assim a conhecê-lo.
  Candidato dos "retornados", como muitos pensaram? Candidato — como qualquer outro cidadão — resultante da liberdade democrática? Ou candidato impulsionado por forças políticas? Em alguns capítulos desta obra o povo português vai encontrar a resposta.
  O livro, porém, não é a história da candidatura de Pompílio da Cruz, em concorrência com Otelo, Pato, almirante Pinheiro de Azevedo e general Ramalho Eanes. O livro é a história dos vivos e dos mortos de Angola. É o texto do simbolismo expresso na própria capa: as crianças de todo o mundo, brancas e negras, foram traídas. As crianças vivas foram treinadas para crianças mortas.
  Ë um livro duro. Quando o Autor diz que o mar morava na rua onde nasceu, não está apenas a fazer uma frase de literatura romântica: está a expressar toda a tristeza que esse mar representa. O convite — no falar das ondas — que o levou a Angola, não se manteve. Esse mesmo mar — hoje intransponível — tem uma linguagem diferente e estranha. Mas terá sido o mar que mudou?
  O livro é duro porque é simples. Chama as coisas pelos seus nomes próprios. Existe todo um dicionário concreto na língua portuguesa que há exactamente meio século não era aplicado correctamente: desde 1926 a 1976. Durante 48 anos a linguagem política foi lida — com precaução. Durante mais dois anos foi invertida. — com despreocupação.
  Chamar traidor a um homem que traiu ou chamar honesto a um homem que demonstrou sê-lo é, afinal, muito simples. Tão simples como ter coragem. Porque é extremamente simples ter coragem: basta tê-la.
 
  É frequente ouvir-se dizer, nos círculos acomodatícios da capital, que em França ainda existem — hoje — campos para os retornados da Argélia. Porquê, assim, tanta celeuma e tanta desgraça com os "retornados" de Angola? Trata-se de uma atitude, como qualquer outra, para evitar o incómodo de pegar o toiro pêlos cornos.
  A França, na Argélia, perdeu a guerra. A guerrilha urbana era tão intensa, dramática e quotidiana, que tornava impossível qualquer administração. O facto de o exército francês ser obviamente superior não significava — na política e na psicologia dos cidadãos — praticamente nada . A guerra tinha chegado ao quarto de dormir de cada um. Ao terrorismo respondia-se com terrorismo, à bomba respondia-se com outra bomba... no café, no cinema, na rua, na casa de banho. As populações urbanas passaram a odiar-se de morte. E viviam aterradas. Não havia nada a fazer senão negociar e "retornar". Mas, mesmo assim, os portos argelinos não ficaram transformados em bases de guerra soviéticas em frente da França. Houve previsão e bom senso.
  Em Angola — esta é a tese de Pompilio da Cruz — Portugal não perdeu a guerra. Não existia qualquer terrorismo urbano, as populações não se odiavam e, militarmente, é o próprio M P LA que reconhece não ter qualquer força em 1974. Este livro inclui dois documentos muito importantes que provam esse facto: ' "Documento dos 19", subscrito pêlos homens da Revolta Activa, e o relatório de Chipenda.
  Ao contrário da situação França-Argélia, o "25 de Abril" trouxe a possibilidade de realizar o desejo da maioria do povo português: a independência de Angola. A independência pacífica e negociada, dentro do contexto do Mundo Livre. Dentro do contexto do Mundo Livre que não é o mundo do PCP. Toda a gente sabe qual é o mundo do PCP. Por isso, o PCP não enganou ninguém. Foi coerente, tenaz e inteligente. Ganhou.
  Os que apoiaram o PCP, os que gritaram histericamente nas ruas e comícios de Lisboa pela "unidade" com o PCP serão secretamente comunistas ou apenas estúpidos?
                                                                    Paradela de Abreu


PREFÁCIO
       
    Não! Este livro não será um repositório de recordações...
    Não será, tão-pouco, um livro de memórias! Nem sequer se pretende retratar, em cores vivas e gritantes, o que veio depois do 25 de Abril de 1974, de sofrimento, de injúria é de injustiça. É um livro ditado, sem burilações nem orquestrações de fantasia. Antes se deseja encaminhar o leitor no Túnel da história dos nossos dias; tendo na bocarra hiante um "Cravo Vermelho", como símbolo sangrento duma revolta sem sangue e que, depois, pretendeu ser "Reforma" ou "Revolução"! Vestiram-na com indumentária de variados matizes. Vomitaram, clamorosamente, ditérios — slogans — pré-fabricados, tendo como cerne, capciosamente, Democracia, Liberdade e Direitos Humanos! Não se ambiciona, também, fazer um retraio de excepção. Não é fácil esta caminhada, nem fascinante. Contudo, foi planejada, com firmeza, em todos os seus capítulos, uma maratona de memória... A questão maior é o "Processo de Descolonizacão" utilizado. O que está em jogo nesta narrativa, afinal de contas, são as formas de "desculpa", as causas que se apresentam ao "Povo Português", para este desarrumar da Feira que, se desse certo, não exigia explicação. "Um povo só é livre quando não oprime outros povos", dizia-se aos berros. Mas ninguém se preocupava em olhar à sua volta... nem pela nesga do olho, para os comunistas que se dizem democratas... Desvirtuava-se o sentido das palavras a que os líricos e os ingénuos fanatizados dão interpretações tão diversas... "Democracia Popular", gritam, pretendendo ignorar como e até onde é respeitada a soberania popular! Democracia, a única — e não falemos em "plena" —está definida no famoso discurso de Lincoln, em Qettysburg: "Democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo". Perfeito equilíbrio entre os direitos da colectividade e os do indivíduo, este o princípio Aristotélico da comunhão de interesses. E a que se assistiu depois de 26 de Abril de 74? Outro chavão: o da Liberdade. E- tudo se baralhou, se esfrangalhou e, criminosamente, se substituiu Liberdade com Licenciosidade.
     "Patriotismo", para Otelo, era sentimento obsoleto e traduzia-se por Democracia e DescoIonização! Este, o princípio e fim, da Revolta militar, numa homenagem hipócrita ao Vício à Virtude. Eufemisticamente, apelidaram a repressão à violência do terrorismo de "Guerra Colonial". Esta a maior hipocrisia! O Governo do antigo-regime, apodado de fascista, não encontrou meios de impedir o empolamento do militarismo, vício dum exército que se virava para político e que se mostrava sem espírito militar.
Na verdade as Forças Armadas Portuguesas não foram vencidas! Foram traídas, por uma minoria de palhaços fardados e políticos partidários, alcunhados de progressistas, tão insignificante que poderíamos em linguagem matemática, compará-lo ao DX — o menor factor de uma equação. Todavia, esta minoria conduziu Portugal à anarquia, à desordem, à ruína. Ao povo vendeu-se uma imagem que depois, dolorosamente a realidade desmentiu. Mas, o povo, na doce embriagues da "Democracia", deixou-se alienar pela "Suave Mentira" e manifestou-se, vivamente, em alarido, num tipo de reacção delirante. Delírio que levou ao suicídio, porque a Verdade foi profundamente prejudicada. Os "capitães de Abril" apareceram, catapultados por duas razões: "reivindicações de classe" e por "fuga de medrosos das comissões no Ultramar", imbuídos já da adesão a ideologias fanatizadores e exóticas. Culpas cabem à "situação anterior", cujos "donos" não aceitavam o conceito de Sto. Agostinho: "Prefiro os que me criticam, porque me corrigem, aos que me bajulam, porque me corrompem". Assim, um exército cindido foi a pior coisa que podia ter acontecido a Portugal e à Reforma da Política, visando uma restauração democrática. A sobrevivência de Portugal encontrava-se na união dos militares e a INDEPENDÊNCIA das Províncias Ultramarinas seria assegurada de acordo com os princípios estabelecidos pelas vias democráticas. O Tronco nunca abandona a Flor? A ideia revolucionária que surgiu após o 25 de Abril desmentiu esta verdade. Foi este o mito da Revolução! Os que em Angola estavam dispostos a correr todos os riscos para concretizar uma Comunidade Luso-Afro-Brasileira ou Lusíada — sabiam que acima das "ideologias" e dos interesses dos "im-perialismos" e dos blocos, estava a Nação!
O que se seguiu ao 25 de Abril de 1974, foi um grande equívoco! Mas, não foi um enigma! Lamentável é que a maioria dos Portugueses dos tais 70% que não são analfabetos, a começar pêlos políticos, não tenham lido Lenine. Não teriam, leviana e ingenuamente, sido ludibriados pela "Revolução" nem permitido um 27 de Julho, um 28 de Setembro, um 11 de Março. Não aceitariam um Costa Gomes nem um Vasco Gonçalves! Não aturariam as loucas e cruéis atitudes dum Otelo, nem os crimes dum Crespo e dum Rosa Coutinho. Doloroso que os trabalhadores — com acentuada expressão nos "papadores" —, numa cega e obstinada visão ideológica, não tivessem percorrido os textos mais importantes daquele revolucionário bolchevique. Não bajulariam um Cunhal nem rodopiariam na órbita do socialismo de miséria de Mário Soares. Na verdade, a apelidada "Revolução" foi um grande equívoco, não só para os seus obreiros, mas, acentuadamente, por parte dos homens da oposição — os democratas que conheci e estimei, mesmo nos do Movimento da Renovação Democrática e dos outros que não eram oposição mas "opositores" ao regime antes vigente. Mas, se leram não digeriram. Muitos terão sido da classe dos ruminantes. O próprio Lenine punha em dúvida a ditadura do proletariado! Para este filósofo social e revolucionário, a centralização da economia nas mãos do Estado é que iria gerara burocracia! Depois de 1922, Lenine atacava violentamente os comunistas que ele acusava: "Nosso pior inimigo interno é o burocrata, o comunista que ocupa uma posição responsável (ou irresponsável) e que desfruta do respeito universal como homem consciencioso (...) Os comunistas não sabem como dirigir a economia e, nesse aspecto, são inferiores a um empregado capitalista qualquer, que tenha sido treinado em grandes fábricas e grandes firmas (...) Lenine estava perfeitamente consciente, na época, que o burocrata comunista era incompetente e não saberia conduzir o processo que queria construir o socialismo a partir do Capitalismo do Estado".
     Cá como lá os mesmos erros, como se tudo tivesse sido copiado a papel químico! Mas, os militares elitistas, os políticos de geração expontânea, não leram e se o fizeram não souberam ou quiseram deduzir das verdades! Macaqueadores de ideias estranhas, ortodoxos (materialistas, impondo princípios estranhos à índole dos genuínos portugueses. Daqui, o caos, a anarquia, a miséria.
Quando, raivosa e estupidamente, sanearam, perseguiram e maltrataram os para eles "burgueses" e "capitalistas"; quando assaltaram as gestões de empresas e deixaram — ante o aplauso de inconscientes — proceder às "nacionalizações" sem base, esqueceram os conselhos de Lenine, que já em 1920, aconselhava: "Assim, tratem da questão da administração como homens práticos. Aprendam da sua existência prática, aprendam também da burguesia (...) o poder somente poderá ser mantido adoptando toda a experiência do capitalismo culto, tecnicamente avançado e progressista e pela utilização dos serviços dessa gente (...) a experiência nos ensina que qualquer uma que tenha uma cultura burguesa, uma ciência burguesa e uma tecnologia burguesa deve ser valorizado. Sem eles não seremos capazes de construir o comunismo". Mas, os nossos "homens" primam pela obstinação, teimam no absurdo. Como inconscientes divertem-se com brinquedos perigosos.
     Num maquiavelismo primário quiseram — nem tentaram — realizar a passagem directa do capitalismo para o comunismo. E então, eufemisticamente, deram nomes aos burros e vieram chamar o "socialismo em liberdade", a "democracia pluralista" e esconderam-se, sem astúcia nem nobreza, em a capa de "progressistas". Na sua miopia social e económica, para além das aberrações políticas, expulsaram os técnicos, que abandonaram, para cúmulo das nossas dificuldades e desgraças, o seu próprio País. E Lenine afirmava: "devemos, a todo o custo, chegar a uma situação na qual os técnicos — como um extracto social particular que continuará a existir até que atinjamos o mais alto estágio do desenvolvimento da sociedade comunista — possam gozar de melhores condições de vida sob o socialismo do que sob o capitalismo". E o que criou a "Revolução"? Para além de agravar os problemas sociais e económicos, forjou, sim, a mediocridade, a indisciplina, o absentismo, a incompetência. Mas, fez neste pobre e pequeno País, uma larga sementeira de ódios! Preocupados com a socialização dos meios de produção e a eliminação da burguesia e dos grandes proprietários esqueceram-se da Nação! Com a fúria de acelerar a estatização dos meios de produção e a apropriação pelo Estado dos métodos capitalistas, as ocupações selvagens, a desordem agrária, o esbanjamento rápido das reservas de ouro, conclamam-se, histericamente, senhores das conquistas da Revolução, das amplas liberdades! Para mim, que não sou nem nunca fui "fascista"— até hoje os democratas-progressistas não definiram o que é um fascista — das "amplas liberdades" recebi umas "cacetadas amplas", que me provocaram inconsciência durante seis horas, no Hospital de S. José!
     Mas este livro, define-se como "Angola — os vivos e os mortos". Neste prefácio pretende-se fazer uma rápida propedêutica dos assuntos nele versados.
E os efeitos do "Processo Descolonização", com uma solução absurda, levam-nos a fazer, humildemente, uma confissão, a de um erro, que na altura devida será retratado. Sofro, penosa e angustiamente, de dois grandes arrependimentos. À sociedade confesso que, mesmo expulsando os meus ressentimentos mudos, venho pagando bem caro — eu e os milhares de Refugiados de Angola — bem caros, sim, esses arrependimentos. O primeiro, o de não ter permitido o rapto do general Sivino Silvério Marques! Tudo estava planejado com determinação e firmeza, para realizar no Aeroporto, na noite do seu inopinado regresso a Lisboa!
     O segundo, não ter consentido no assassínio de Rosa Coutinho, à sua chegada a Luanda! Esta confissão deve encher de raivas o almirante Leonel Cardoso, que tanto sonhava com a tal lista (de que fazia parte) dos assassínios a cometer pêlos homens da FRA... A pretensa matança dos confessos traidores e carrascos.
     A sua importância na época era bem passível de desprezo e até de escárneo. Mais tarde, sim, quando Alto-Comissário, quando como "vira-latas" meteu o rabo entre as pernas e deixou a população de Angola à mercê duma minoria radical, o M.P.L.A.! O erro de uns foi o êxito dos outros. Aqui reproduzo as afirmações proferidas pelo general Silva Cardoso, Alto-Comissário Português em Angola, e dirigida aos "Refugiados". Essa figura carismática diria: "Trago ainda nos ouvidos os discursos demagógicos em que sistematicamente se afirma que tudo se faz pelo povo e para o povo, quando no fim, é o povo que sofre, é o povo que morre. Isto tudo devido a ambições desmedidas, a ambições que não conhecem meios e que sacrificam tudo para atingir os fins (...) Missão (como Alto-Comissário) na qual empenhei todos os esforços, todas as minhas capacidades, missão que me causou grandes desilusões. Já não acredito nos homens, principalmente, nos políticos e estou cansado da mentira, das falsas promessas e das atitudes de fachada. Venho cansado da miséria, de ver a miséria, de ver o ódio, de ver o desespero. Venho cansado do egoísmo, da crueldade e da ambição desmedida (...) Quero dirigir as últimas palavras àqueles milhares, milhares de portugueses europeus brancos escorraçados daquela terra que já consideravam como a sua nova pátria e que têm perdido tudo e deixado tudo se vieram refugiar em Portugal. Muitos já vieram, muitos outros infelizmente ainda hão-de vir, ou terão mesmo que vir. Para eles o meu carinho e o desejo de um voto sincero de melhores dias e mais sorte. Nunca é tarde para se recomeçar. Tenham fé nos destinos do nosso País".
     O general Silva Cardoso foi vítima do Governo Português, então enfeudado à minoria, e que permitiu, alarvemente, que fosse criado um clima de terror, quando se proclamava e pedia, na praça pública, proselitismo democrático para ajudar o nascimento dum novo País. Então já circulavam por Angola a dúvida e a angústia, o pânico gerado pêlos antagonismos no campo político e propagandeava-se um receituário de astúcias que ofuscou uma camada social, uma classe dominante que passou de entusiasta a temerosa, de acomodatícia e incrédula a confiante. Mas, como S. João Baptista, os que amavam Angola e a queriam defender de situações danosas, continuavam a clamar no deserto.
        Silva Cardoso, para além de ter feito parte da Junta Governativa de Angola, como Rosa Coutinho, período em que o terramoto político tudo subverteu e levou à vitória da demagogia sobre a colectividade e lançou Angola e a sua população no vórtice da mistificação, da mentira, da violência, da indisciplina, da miséria, da anarquia, da dor e da desesperança, prometeu agir contra os males que proliferavam, mas não concretizou as suas vãs e piedosas ameaças. Homens que aparecem e a quem Deus entregou o testemunho para redimir a Pátria em todas as ocasiões marcantes da sua História e se demitem na hora própria. Nesta altura dependia muito dos próprios "brancos" o saber dosear a paciência e a prudência, as suas virtudes, as suas palavras e acções e até as suas esperanças! Nem sequer para o "Refugiado", Portugal foi o seu oásis! Em vez de Amor receberam ódios. Em vez de compreensão, desprezo! Em vez de auxílio, criaram-lhe dificuldades. Em vez de palavras amigas, apodos ignominiosos. Marcaram-no com os ferretes mais odiosos e aviltantes. Tornaram-no réu de todos os crimes. Marginalizaram-no. Tornaram-no pária! Como vinha pobre, insultaram--no.
     Irracionalmente, confundiram, a seu gosto, o "colono" com o "colonialista". Trataram-no como mandrião e explorador. Numa visão política mesquinha não aproveitaram as suas virtudes. Trataram-no como "manada" que tivesse entrado na sua quinta. Tornaram-no no sinistro "bode expiatório" de todas as culpas dos seus erros, da sua inconsciência e da sua ruína. O Refugiado ficou em Portugal, "como a grama dos jardins: tem direito a viver (? ), mas sem direito de crescer". E continua como "intocável" esperando que Deus lhe cure as chagas!
Aqui chegaram de mãos abertas e vazias. Eles que nasceram com elas fechadas e bem fechadas agarravam aquelas terras selvagens e escravizadoras. Angola era um país de jovens. Cerca de 50% dos seus refugiados são jovens. Era um país de meninos. Nisso também se assemelha ao Brasil. "Este país que vai para a frente", um país de "meninos", poderia, no futuro, desempenhar o grande papel de "cataiizador" dos povos de expressão Portuguesa. O que o velho Portugal não conseguiu edificar — por incapacidade dos seus políticos que nunca tiveram ideias lúcidas e a noção das responsabilidades em face das gerações futuras — acredito que o "Menino" Brasil possa vir a concretizar no Futuro: A Comunidade Luso-Afro-Brasileira! Aqui se encontra o ponto de fuga da perspectiva do Futuro. Que esta batalha no campo do espírito, amadurecido o fruto do pensamento, possa concretizar-se são os nossos veementes votos! E que os "Refugiados", cônscios da sua dignidade, diluindo as suas amargas recordações, levantem a voz do seu acendrado patriotismo, da sua democracia e da sua liberdade, e encetem a grande batalha, na defesa dos sentimentos permanentes, da sua devoção a Angola e se coloquem na situação de a Reconstruírem, para glória do verdadeiro Portugal!
     Possam esquecer as injustiças e os sofrimentos. Relevar a intolerância, a maldade e o Egoísmo, daqueles que sempre radicados na "Metrópole", que não só não lhes abriram os braços como, teimosamente, os abocanham e aviltam, e possam, um dia, sem degenerescência das suas reais qualidades, sem demagogia, sem intolerância, sem rancor conquistar o Futuro!
      Esqueçamos as Ofensas, os insultos e os agravos. Não aceitemos mais humilhações! Auxiliemos na batalha que se trava entre as ideologias, a reconstruir o mundo que está para nascer. Entre o Capitalismo e o Socialismo há um mundo novo a construir. As ideias não são irreversíveis e dependem do comportamento do Homem! E façamos por aplicar um dos mais marcantes princípios da Trilogia da Revolução Francesa: FRATERNIDADE.
     E a todas as Nações e a todos os Povos do Mundo, que nos estenderam a mão, não num gesto de caridade, mas, de solidariedade no infortúnio e na dor, o nosso BEM-HAJA!
     Na verdade, "Só quem atravessa o deserto sabe o quanto vale uma pétala de água!"
     Não se pode nem será mais fácil para a maioria dos portugueses dizer adeus a oito séculos de História. A crónica política da "Descolonização" é uma galeria de génios da destruição, de virtuosos da dissimulação, de despudorados mistificadores e de mágicos da ubiquidade!
Não tanjo fados de saudade nem procuro a balbúrdia do exagero das palavras. Não desço às espertezas políticas que puderam alterar o fluxo dos problemas sociais e detonar os instintos primitivos, tal como aconteceu com os feiticeiros do "Processo Original", criando condições à mais feroz barbaria e originando um clima de terror, logo transformado em pânico, em sacrificadas populações indefesas. Nem pretendo já argumentar "se um Presidente da República provisório e um Governo provisório, desacompanhados de órgãos representativos eleitos, podiam, com legitimidade amputar, diabolicamente, uma Nação". Afirmo, sim, convictamente, que para o Crespo, o Costa Gomes, o Rosa Coutinho, o Melo Antunes, o Almeida Santos e outros da prateleira do etc., aumenta, sem surpreendente verificação, o valor da conta que a História sempre resgata aos traidores! Estes homens, aos olhos dos ultramarinos, qualquer que seja a sua etnia, responderão perante esta geração e perante a História! Já chorei de sofrimento, de desespero e de vergonha! Senti todos os transes da Humilhação. A única vitória dos chamados "colonos" foi a sua sobrevivência! Se é difícil criticar um "processo" qualquer, enquanto ele ainda está a decorrer, neste "original" caso, tudo se previu! Angola, tinha caído no vulcão danoso da traição!
     Este "livro" aparece como atitude duma geração que está para morrer, contra a maré ora vazia ora cheia dos que têm medo da Verdade, contra o bloqueio dos "senhores" duma classe minoritária e privilegiada, que gerou um desafio monstruoso à nossa Razão, mas representará uma Vitória contra tal bloqueio à verdade e a que tem estado sujeito sobre a "Descolonização" e as suas sequelas este iludido e vilipendiado Povo Português!
     Deus poupou-me do sentimento do medo. Ditamos este "livro", não como mensagem de ódio, quiçá, disposto a enfrentar os manipuladores da desagregação, do esfacelamento e da mentira.
           Este "livro" é o meu depoimento de "acusação"! Com a memória mergulhada nas razões da minha infância atravessei a vida. Ao mar devo a minha formação. Ele encheu a minha imaginação, deu-me o dom da perseverança e o sentimento da Liberdade! Se há flores de todas as estações, assim também há loucuras de todas as idades. Sempre pus na vida um pouco de loucura e de romance. Um homem árido ninguém aguenta. Um homem monótono nem uma mulher suporta. Daí, as minhas "deambulações" na vida como na política, o meu Amor à Mulher e à Poesia, a minha luta pela realização do homem! Nunca traí o povo donde provim. Lutei sempre, destemidamente, pêlos princípios da Justiça Social. Os meus detractores, mesmo no campo político, me apodavam de sonhador, de poeta! Só que, os medíocres se esquecem, que o poeta é sempre jovem. "Poesia é a expressão de uma visão virgem do Mundo". O poeta inglês Colerid-ge, de certa forma, sugeriu isto quando escreveu que "génio é aquele que tem a capacidade de permanecer criança pêlos anos fora". Na minha idade, seis décadas e mais algumas migalhas de anos, continuo a teimar heroicamente e em perene luta para manter a infância dos meus sentidos. Outros, os orgulhosos das suas mesquinhas invejas,, os indiferentes aos ideais, os que riem dos "políticos", os tardos e beócios, com a sua visão míope e egoísta do Homem, me flagelavam com a asserção de que não merecia a pena remar contra a maré, que não endireitava o Mundo! Tão-somente, que, passados tantos anos, não estou cansado de remar contra a maré. O Mar, a Vida e até os peixes me ensinaram a não me conformar com essa injustiça.
     Recordo, aqui, quanto tempo dediquei, na Barragem do Cambambe, a admirar a tenacidade e a perseverança, a luta hercúlea dos peixes a procurar o montante da barragem. Fustigados pela violência das águas, arrastando-se pêlos rochedos esburacados e sobre o beijo escaldante do sol, procuravam num desafio à injustiça do homem, numa luta arbitrária e cruel a sua sobrevivência e da espécie. E, assim, neste exemplo dos peixes, tenho percorrido o meu destino, certo de que aos homens se pode aplicar a sentença: "Só os peixes que nadam contra a corrente alcançam as cabeceiras dos rios"!
            Em toda a minha vida no Ultramar Português sempre verifiquei, fora de qualquer dúvida, que podia haver compreensão e amor entre as raças. O pensar negro — o fanatismo pró-negro e anti-branco — de alguns extremistas antes do 25 de Abril de 1974, tornou-se muito diferente nos demagogos do pensamento negro, dos coléricos extremistas, dos nacionalistas do "pé descalço", das massas ululantes e cruéis do "poder popular", açuladas pelos slogans importados, bombásticos, mas vazios de conteúdo e calor humano. Relembro os dizeres dum negro americano: "Se há uma dívida com o negro que vem do passado, ele também tem uma dívida. Essa dívida é para com os homens que viveram antes dele, para com aqueles que o ajudaram pessoalmente e para com os muitos que o ajudaram tomando posições quando era preciso e não se negando a comprometer-se. Deve-se-lhes não ceder à violência e à cólera, deve-se isso a uma porção de homens que ainda não nasceram. Deve-se a si mesmo ser um homem, um ser humano, em primeiro e último lugar, senão sempre". E tudo isto derruiu ante a invasão dos interesses "imperialistas". Foram eles — e não o esqueçamos — os responsáveis pela violência e pela guerra psicológica de desmoralização dos "brancos". E tudo serviu para que tantos fossem acusados de tudo, amesquinhados, ridicularizados, para coiocá-los em condições de não poderem defender os supremos bens da vida, a começar pelo maior de todos eles, que é o da Uberdade.
     Angola era para nós uma catedral de Devoção e Amor. Era uma floração de Portugal. Era a nave sagrada onde reboavam os cânticos do Trabalho e do Progresso. E os partidários dessa teoria que massacrava e escravizava o homem tudo destruíram. Só deixaram ruínas e o fervilhar do ódio.
Não queria que este "livro" fosse um lamento. Antes se convertesse em hino! O herói ou o pusilânime, o réprobo ou o santo, o missionário ou o agitador, a virgem até ao sacrifício ou a mulher que se vende ao que lhe paga, o homem sem ideias ou o pensador, o patriota ou o cidadão do mundo, ninguém é grande e pequeno neste "novo e mísero mundo" que nos criaram. Rasgaram a História, o passado, o presente e o futuro, com o gesto de Lutero quando rasga a Bula pontifícia na Catedral de Mittenberg! Não, a "revolução" não será julgada, mas sim, os homens que a adulteraram. E o traído Povo Português?
     Creio que bem podemos parafrasear um filósofo de Paraíba:"Português não bate palmas no meio do Governo. Português só bate palmas no começo e no fim. No começo, de esperança. No fim, de pena".
     Por mi m, com este "livro", bato palmas, não só de pena, mas de nojo! E os portugueses do verdadeiro Portugal de sempre? Todavia, os portugueses renegados, os que se riem das desgraças que criaram, continuam por aí impantes de vaidade, orgulhosos da sua obra e, certamente, agarrados à ideia de que "Deus estava com a mania das grandezas quando os criou". Não Deus, mas o Diabo!
                                                                                                  Sintra, Julho de 1976


INDICE


NOTA DO EDITOR..................................            7

DEDICATÓRIAS ....................................             9

PREFÁCIO .........................................               13

OS APELOS DO MAR E DAS ÁFRICAS

Vocação ...........................................                 27
Primeiros Passos ....................................       29
Conspirações Revolucionárias ...........         35
Angola Namorada ...................................         41

ANGOLA, TERRA PROMETIDA

A Semente do Separatismo ..................         45
Campanha Eleitoral da Oposição ........         51  
Tempo de Infortúnio ................................         57
Na Antecâmara de 4 de Fevereiro........         61
Governo Cego e Surdo ............................         65

A GUERRA

Terrorismo, Prelúdio de Guerra .............        69
Dias de Epopeia ..........................................        75
A Gravação Crucial ....................................        79
A Comenda-Droga......................................         83
Em Economia Estável.................................        91
A Traição........................................................        95
1973: MPLA Estagnado...............................      101
O Documento dos "Dezanove" ..................     121
O "25 DE ABRIL" NO ULTRAMAR...............      137
Os Réus de Alta-Traição ..............................     143
Almeida Santos Vaiado...............................       153
Silvério Marques Traído...............................      157
O General Sem-Honra ................................        161

O NASCIMENTO DA FRA PARA SALVAR OS ANGOLANOS

Esperança de Salvação ...............................       173
MPLA: Fome, Violentações, Assassínios .       179
Início da Colonização Cubana.......................      185
Os Judas de 30 Rublos..................................       189
Mais Um para o Bando ..................................       193
O Almirante Abjecto ......................................        197
Desencontro, ou Fraude? .............................        205
O Estertor da FRA ........................................           211
Um "Esquadrão da Morte" ............................       217
Uma Mortalha por Berço..............................          225
O Êxodo...............................................................       233

INFÂMIA E DESCRIMINACÃO

Os Construtores e os Vendilhões da Pátria
.    241
IARN: Coio de Banditismo ............................          255
Luta por uma Situação de Justiça .............         273
Os Lesa-Pátria..................................................        285
Silenciados a Tiro.............................................        291
Candidatura Ardilosamente Proibida ..........        305



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Edição de 1976

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