O DOCUMENTO DOS "DEZANOVE"
Quanto ao derradeiro apelo dos dezanove intelectuais da Revolta
Activa, ei-lo, na íntegra:
APELO
A TODOS OS MILITANTES E
QUADROS DO MPLA
Camaradas!
A hora é grave!
O MPLA corre o perigo de completa desagregaçãol
Esse perigo é o resultado duma crise
que, desde há uma dezena de anos, abala todos os sectores
da actividade do nosso Movimento, entrava e por vezes faz recuar, em diversos domínios, a nossa luta de libertação nacional.
Não podemos, de modo nenhum, afirmar hoje que se trata duma crise de crescimento. Trata-se, efectivamente, da decomposição do sistema absolutista
de direcção que ameaça gangrenar, irremediavelmente, todo o sopro social da nossa Organização.
Agora, a situação é clara para todos. A situação actual do
nosso Movimento caracteriza-se pêlos factos
seguintes:
— Falta de estímulo do
entusiasmo patriótico dos militantes, quadros
e massas;
— Falta de concentração apropriada dos recursos em homens e
material para os fins justos, no lugar justo e
no momento justo;
— Insuficiência de golpes desferidos
sobre inimigo dum modo planificado, duro e repetido, ali onde tais golpes podiam e deviam ser desferidos;
— Insuficiência na realização dos
objectivos possíveis
da nossa luta.
Nós conhecemos as causas de tais
factos e revelamo-las repetidas vezes sob as formas mais diversas: conselhos, propostas, protestos, recusas, silêncios, demissões,
afastamento, Movimento de Reajustamento,
rebeliões, tudo isso se verificou vão, frente à teimosia da Direcção,
Assim, só a revolta activa dos
militantes e quadros poderá deter a gangrena que nos ameaça, restaurar a
nossa Organização nacional.
Essa foi a conclusão a que chegaram
os signatários deste Apelo, os quais decidiram assumir as suas responsabilidades
de militantes e de quadros do MPLA, ante a
falsificação deliberada do Movimento de Reajustamento, que culminou com a
Assembleia dos Militantes Activos da Frente Norte, em Fevereiro de 1974.
Camaradas!
A revolta que então se impôs com força tornou-se hoje ainda
mais necessária em virtude da mudança política ocorrida em Portugal, devida à acção do Movimento das Forças
Armadas.
Face à chantagem económica e moral e
face à repressão física que caracterizam o sistema de direcção, só a denúncia pública
ante o conjunto dos militantes pode fazer
triunfar os objectivos desta revolta.
1 - A NOSSA LUTA E O GOLPE DE ESTADO EM PORTUGAL
A ambição sem medida das classes
dominantes portuguesas colocou Portugal numa situação de dependência acentuada em relação às suas colónias. Portugal habitou-se a viver das suas colónias. Essa dependência
tornou-se absoluta com o fascismo que, pelo seu carácter totalitário,
impediu Portugal de pôr em jogo todos os seus recursos em homens e material.
Portugal deixou, assim, de poder viver sem
as colónias.
A guerra, a deteriorizacão da economia portuguesa, os
interesses do lado ocidental, que impuseram a necessidade de ultrapassar o
colonialismo clássico, a luta desenfreada pela conquista de mercados, as tensões e os antagonismos entre
os grupos de interesses portugueses, a obsessão segundo a qual a independência das colónias bloquearia o desenvolvimento sócio-económico normal de Portugal,
o sentimento de pânico provocado pela ideia duma vitória a longo termo, das guerras populares da Guiné, Moçambique
e Angola, conduzidas pelo PAIGC, FRELIMO, e
MPLA, o aprofundamento em círculo vicioso
de todas estas contradições — tudo isso esteve na base da crise política que culminou no golpe de estado de 25 de
Abril de 1974.
Não há dúvida que a agressão
colonial-fascista e a correspondente derrota
infligida pela luta justa dos povos das colónias portuguesas constituíram o
factor determinante da nova situação criada em Portugal. A luta do povo português
é, igualmente, um dos elementos
determinantes da situação em Angola. E assim será, enquanto as lutas dos
nossos povos não tiverem rompido, definitivamente, os laços de sujeição impostos pelas forças da reacção imperial-colonial.
II - A SIGNIFICAÇÃO DA TOMADA DO PODER EM PORTUGAL PELO
MOVIMENTO DAS FORÇAS ARMADAS
É um facto que existe uma inter-relação dos factores que
agem sobre Portugal e Angola, uma vez que esta foi colocada na situação de colónia portuguesa.
É o que nos mostra a História, ao longo destes cinco séculos
marcados pela penetração, implantação e
dominação coloniais.
A passagem, em 1910,
da ditadura monárquica para a República liberal em Portugal, permitiu a
criação de novas condições para a acção dos percursores do nacionalismo
angolano moderno.
O ascenso do fascismo, em 1926, que destruiu as liberdades
conquistadas pela primeira República Portuguesa, impôs em Angola um quadro rígido
de opressão a tal ponto que os nacionalistas se viram obrigados a sofrer os rigores da clandestinidade e a desenvolver a guerra de libertação nacional.
Hoje, o golpe
de estado verificado em Portugal em 25 de Abril de 1974 cria, efectivamente, em
Angola, condições objectivas para combinar a guerra libertadora com a luta
clandestina e outras formas apropriadas de
luta.
A orientação que prevalece no seio da Junta de Salvação Nacional é amplamente democrática para
Portugal e colonizadora para Angola. Para Portugal, liberdade real; para
Angola, controlo da liberdade. O aparelho
repressivo colonial-fascista foi liquidado em Portugal mas mantido, tal qual,
em Angola.
Uma grande liberdade de associação
e de expressão existe em Portugal, enquanto que em Angola essas mesmas
liberdades se vêem abusivamente limitadas.
Ao passo que o povo português é livre de escolher o seu próprio destino, o jugo
colonial é mantido em Angola sob uma forma mais subtil e pérfida.
E evidente que um grave perigo pesa, actualmente, sobre Angola: a confiscação pela Junta
Portuguesa de Salvação Nacional, dos frutos
adquiridos graças ao sacrifício patriótico da nação angolana.
Camaradasl
Ninguém se deve deixar ofuscar pelas
manobras enganadoras do novo colonialismo
português. Importa ver claro, desde agora, a correlação de forças entre o nacionalismo angolano e colonialismo português.
O novo colonialismo português
tenta, com certo sucesso, conquistar entusiasmo do valente povo português,
criar as condições favoráveis ao
oportunismo individual e de grupo em Angola e, o que é mais grave, conquistar o entusiasmo de certos
meios sociais e círculos governamentais que no mundo, combatem o colonialismo.
Pelo que respeita o campo do
nacionalismo angolano, a unidade ainda não é
concreta. Reina, em certa medida, um clima de concorrência e de divisão. O
inimigo retomou efectivamente a iniciativa. Está a realizar uma concentração de
forças em todos os domínios e começa já uma
ofensiva insidiosa em todas as frentes da sua luta de agressão colonial.
Ill - A INDEPENDÊNCIA
IMEDIATA PARA ANGOLA
Nenhuma manobra, nenhuma ameaça,
nenhum ataque pérfido poderá modificar,
frontalmente, o curso normal do nosso processo de libertação nacional. A solução das contradições profundas em que se debate, actualmente, o poder imperial-colonial
reside única e exclusivamente na
independência nacional imediata para Angola.
Todas as condições objectivas e
subjectivas estão reunidas para concretizar esse ideal nobre e justo do povo angolano.
E
implacável a concorrência entre os associados de Portugal na exploração
colonial. Os interesses representados pela corrente predominante actualmente no seio da Junta portuguesa não são,
de modo nenhum, idênticos aos de todas as
classes e camadas que compõem o povo
português. É evidente que todos os indivíduos, organizações e partidos servis angolanos carecem de experiência
e enraizamento no
seio do povo.
O poder imperial-colonial
encontra-se praticamente na impossibilidade de
montar, a curto prazo, uma estrutura política angolana -que lhe permita ultrapassar
o essencial das suas contradições. Os partidos e as organizações de vanguarda
em Portugal defendem,
conscientemente, o direito dos povos da Guiné e Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Moçambique e Angola de
ascenderem à sua independência, de decidirem livremente dos seus
destinos, reclamam do poder político actual
que inicie negociações, nesta base, são PAIGC
, MLSTP, FRELIMO e MPLA.
As tensões sociais e os actos de
coragem incentivaram-se entre os diversos
sectores do povo angolano, em virtude da perfídia com que se pretende impôr-lhe
a ridícula liberdade de votar sim à portugalização.
Existe no seio do povo angolano, uma profunda consciência patriótica,
adquirida ao longo dos séculos de resistência à dominação colonial e ao
fim de treze anos de luta armada de libertação nacional. Os patriotas
consequentes e activos, que militam no seio dos
movimentos nacionalistas, mantêm-se firmes e vigilantes. Os destacamentos de patriotas armados, treinados e
equipados que constituem as forcas gloriosas de guerrilha dos diversos
movimentos de libertação nacional mantêm-se nos seus postos sobre o terreno,
estão resolutamente dispostos a servir a causa sagrada da independência imediata da nossa Pátria.
A luta exemplar do PAIGC culminada com a proclamação do
Estado da Guiné-Bissau e a dinâmica da guerra popular da FRELIMO são vitórias irreversíveis a inscrever entre
as formas mais concretas de solidariedade e entre as maiores contribuições
à luta do povo angolano pela sua independência. O apoio da maioria dos povos do
mundo é seguro, assim como a ajuda e a
cooperação sincera dos partidos e governos cujos interesses fundamentais
exigem a independência imediata e
efectiva de Angola.
Camaradas!
O colonialismo é de facto uma bandeira apodrecida que já
não pode resistir aos ventos fortes da história.
É preciso combatê-lo com golpes duros e repetidos a fim de varrê-lo,
definitivamente, do solo da
nossa Pátria. Enquanto o colonialismo não cede, a guerra
popular continua a ser a forma principal
de luta do nosso processo de libertação nacional.
IV - AS CONTRADIÇÕES REAIS ENTRE OS ELEMENTOS DA NAÇÃO, ENTRE AS ORGANIZAÇÕES
PATRIÓTICAS ANGOLANAS DEVEM SER RELEGADAS PARA SEGUNDO PLANO DE MODO A
PERMITIR QUE TUDO SEJA EFECTIVAMENTE CONCENTRADO E DIRIGIDO CONTRA O NOSSO
INIMIGO TRADICIONAL E DIRECTO - O
COLONIALISMO PORTUGUÊS
Os chefes só são chefes quando as massas querem que o sejam; e as massas querem-no quando os
chefes sabem dirigi-las!
Nenhum chefe, sozinho, nenhuma organização ou partido político
angolano lutando separadamente poderá neste momento desempenhar o papel
exclusivo de direcção da luta, de único porta-voz das aspirações patrióticas do
conjunto dos elementos da nação e atingir portanto o objectivo visado de uma
Angola Livre, Unida, Democrática, Próspera
e Africana.
O regime colonial actual põe as suas esperanças na criação
duma infinidade de chefes, partidos e organizações intolerantes que se disputem ferozmente o poder. Espera assim conseguir a divisão da Nação, para asfixiar-nos
por meio de alianças oportunistas com uns e com outros, como nos primeiros tempos da ocupação colonial. Espera reduzir a nossa luta a um simples e inútil debate político,
entravando assim a constituição duma
poderosa aliança entre as forças armadas patrióticas, arma efectiva para fazer
recuar uma vez mais, a obstinação opressiva e exploradora do
colonialismo. Espera reduzir a zero a ajuda
material e moral que os povos, governos e partidos amigos ou aliados oferecem à
nossa luta de libertação nacional.
Ninguém tem o direito de impedir seja que patriota,
organização ou partido político for, de participar em pé de igualdade neste
combate decisivo da Nação contra o inimigo colonial, uma vez que lute
efectivamente por uma independência imediata e
completa da Pátria.
A exploração e a opressão
coloniais constituem o maior flagelo para grande maioria dos sectores sociais da nossa população, e isso, independentemente da sua origem racial, étnica ou
nacional. A Nação angolana está em formação e todos os que lutam realmente contra o inimigo colonialista são objectivamente
nacionais angolanos.
O facto de resistir à colonização
cimenta a Nação em construção. Constitui um dever sagrado de todos os
nacionais, independentemente da sua ideologia
política, local de nascimento, sexo, origem racial ou étnica, da sua religião
ou da nacionalidade dos seus antepassados,
lutar pela construção
de uma Angola
definitivamente liberta do flagelo colonial.
E cumprido inteiramente
esse dever primordial para com a Pátria, o nosso continente e o mundo, que nos tornamos realmente,
cidadãos nacionais angolanos, um povo digno
do respeito dos demais povos do
mundo.
A arma mais preciosa para combater a dominação colonial que persiste
em prevalecer sob outra forma no nosso país, reside na constituição
vigente de mais
vasta Frente
Unida para a Independência
de Angola, integrada por todos os que em Angola
lutam, efectivamente, pela independência e na qual, cada membro, indivíduo ou organização seja realmente livre de bater-se por uma Angola Livre, Unida, Democrática, Próspera e Africana.
V - A PROCLAMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO
VITORIOSO DE UMA VASTA FRENTE UNIDA PARA A INDEPENDÊNCIA DE ANGOLA DEPENDEM,
FUNDAMENTALMENTE, DA ACÇÃO DO MPLA
Nenhuma Frente pode formar-se e
desenvolver-se sem um motor. Sem democracia
política, sem democracia militar e sem democracia
económica que estabeleçam a necessária igualdade entre todos os seus membros, —
Frente não poderá desenvolver-se nem consolidar-se: correrá sempre o
risco de ruptura seja por dificuldades criadas
no seu seio, seja por pressões exteriores.
E por consequência desejável que a
unidade dos seus membros seja dinamizada por
uma crítica fraterna e patriótica.
Camaradas!
O MPLA está bem colocado
para fazer arrancar e impulsionar a nova grande frente unida de independência.
E nos devemos, no interesse
de Angola e de África,
assumir com coragem essa
pesada e nobre responsabilidade.
Coube-nos no passado, em 1956, o papel de primeiros
organizadores duma vasta
unidade patriótica para a libertação nacional. No fundo, o MPLA não é senão o resultado
da fusão das diversas organizações
patrióticas então existentes. Sempre nos pronunciamos e consequentemente agimos em favor da
cooperação entre as diversas forcas armadas que fazem a guerrilha, bem como da unidade entre as diferentes organizações nacionalistas
angolanas. Isto é um facto histórico.
Não somos movidos por nenhuma ambição
egoísta no respeitante à liderança das eventuais instâncias da unidade
nacional, como se pode facilmente deduzir do
acordo assinado pelo MPLA com a FNLA, em
Kinshasa, a 13 de Dezembro de 1972.
A direcção real duma frente é a que se
obtém pela justeza de concepção
e pelo -exemplo de firmeza e entusiasmo
na execução. Nós dispomos dum efectivo
numeroso de quadros possuidores de conhecimentos
bastantes, fundados todos na experiência da vida do povo, de política,
da economia e da cultura do nosso próprio país, bem como na experiência da luta contra o inimigo colonialista, enfim, o conhecimento do povo e dos partidos
portugueses. Duma maneira ou de
outra, ao longo destes anos de luta, nós aprendemos a manter o equilíbrio justo entre a unidade de
pensamento e de acção e a necessidade de estimular entre todos uma crítica fraternal e patriótica. Isso está bem evidente no
nosso comportamento no processo de unidade com a UPA e, ulteriormente, com a FNLA.
Nós podemos e devemos desempenhar inteiramente o
nosso papel patriótico na
arrancada e impulsão da nova e ampla frente unida. O MPLA possui um efectivo suficiente de quadros com
conhecimento e experiência
prática da guerrilha popular.
Os nossos quadros, pela sua formação
política e amplidão de vistas,
compreendem bem e hão-de saber defender, na prática, a cooperação harmónica entre a iniciativa
privada e a do Estado, de maneira a
assegurar, em benefício de todos, o desenvolvimento de tudo que represente um progresso no que for erguido
tanto por nacionais como por
estrangeiros.
Desde sempre temos beneficiado da
simpatia e da solidariedade
do povo e dos partidos de vanguarda em Portugal, pela linha justa que defendemos, linha que
assegura, na Angola independente, o desenvolvimento
dos laços positivos que, mau grado o colonialismo, se mantêm entre os nossos dois povos.
E somos, do mesmo modo, o objecto da simpatia e apoio geral
de todos os povos do mundo, bem como da ajuda e cooperação dos partidos e governos cujos interesses se
identificam aos da nossa luta e da nossa
libertação. Ninguém
melhor do que nós poderá assegurar
a cooperação sincera com os países amigos, a aliança honesta com os aliados e o combate consequente contra a opressão
e a exploração.
Camaradas!
O MPLA desempenha um papel primordial no processo nacional angolano. Ocupou sempre um lugar privilegiado na luta
pela independência da Pátria, e congrega militantes e quadros que, na sua grande maioria, têm um alto nível de consciência
e de determinação. Por todas essas
razões, o povo angolano, os povos do mundo inteiro, os governos e partidos dos países amigos e mesmo
os governos que desejam, no seu próprio interesse, ver uma Angola
politicamente independente, esperam todos
que o MPLA assuma, com decisão e realismo, as suas responsabilidades
históricas. E isso particularmente neste
momento em que a viragem operada em Portugal põe em perigo a própria existência
de Angola como Nação livre e independente.
VI - A FALTA
DE APLICAÇÃO CONSEQUENTE DA LINHA POLÍTICA DO MPLA E A CAUSA DO RECUO DA NOSSA
GUERRA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL
Apesar das potencialidades e trunfos de que dispomos,
todos os militantes e quadros do MPLA podem facilmente constatar, hoje, os refluxos e
reveses da nossa luta armada de libertação nacional: nítida regressão do espaço da guerrilha, concentração das populações nas regiões fronteiriças, perda da iniciativa operacional,
desencorajamento dos combatentes.
É certo que desde o início da guerra o MPLA teve de
enfrentar problemas logísticos duma
complexidade extrema, e isso envolvido
numa atmosfera de hostilidade exterior. Mas, desde a abertura da frente Leste, direcção do nosso Movimento não teve
mais capacidade para dominar esses problemas e, por não ter definido uma
linha política justa, não soube aplicar uma linha militar justa.
Num Movimento em que há carência de instituições, ausência
de qualquer consulta à base militante, não pode haver verdadeira concepção e aplicação de princípios
políticos.
Apesar dos esforços louváveis de alguns grupos de activistas ou de comissários políticos imbuídos do espírito do MPLA o corpo social da nossa Organização foi profundamente minado pelo
cirus do racismo, do tribalismo e do regionalismo, o que pisoteou o princípio segundo
o qual, só o povo de todos os distritos é o verdadeiro autor e beneficiário
da luta de libertação nacional. Adoptando, erradamente, o método da dosagem ética na formação de quadros e na escolha e composição das equipas
dirigentes à escala nacional e regional, a "Direcção" do MPLA abriu,
amplamente, o campo das recessões ao oportunismo político. Habituada a impor directivas a partir do
topo, sem participação da "Direcção"
viu-se na incapacidade de responder e, menos ainda, de obstar às manifestações de militarismo e a indisciplina que apareceram, várias
vezes, no interior do nosso país e nas regiões fronteiriças.
Por outro
lado, ao pretender impor essa psicose de comandismo as
nossas relações com os dirigentes dos países amigos e aliados e, particularmente, com os das nossas próximas rectaguardas africanas. CAMARADASI
Ainda estamos
a tempo de corrigir o timão. Só a aplicação duma linha política sempre confrontada com a prática
da luta
de libertação nacional pode estabelecer a
coesão de pensamento
no seio do Movimento.
É necessário regressar aos métodos democráticos de direcção e à reactivação das instituições.
VII - O
RESTABELECIMENTO DO ESTATUTO E DAS INSTITUIÇÕES DO MPLA E A CONSEQUENTE
INTENSIFICAÇÃO DA SUA ACÇÃO EM TODOS OS DOMÍNIOS CONSTITUEM A CONDIÇÃO
DECISIVA PARA A EFECTIVAÇÃO DA ALTA MISSÃO PATRIÓTICA
Todas as
instituições do MPLA reduzem-se, actualmente,
ao presidencialismo
absoluto. Tal poder paralisa
nos quadros e
os militantes, destroi as estruturas, desorganiza a planificação das tarefas e a correspondente execução.
Entre toda a massa de militantes e quadros, só uma pessoa,
o Presidente, conhece a proveniência e o montante dos fundos da Organização e dispõe deles sem qualquer
controlo legal.
O presidencialismo fez
do Movimento um instrumento de cobiça do poder, e instalou uma obediência incondicional e uma disciplina cega. Conduziu à concentração de todos os poderes nas mãos do Presidente, encorajou o desenvolvimento de teses populistas, fez do
Comité Director uma simples instância de registo, submissa à aprovação passiva
das suas decisões.
Suscitou no interior do Movimento a criação duma
atmosfera de medo, suspeita, cinismo e hipocrisia e encorajou a difamação de
nacionalistas e patriotas autênticos, a tal ponto que os militantes acabaram por perder a confiança nos dirigentes,
nos camaradas e em si próprios.
Essa deformação dos princípios da
democracia interna
paralisou o
pensamento dos
militantes, os quais especeram com frequência o seu direito à reflexão e contestação,
à crítica e à auto-crítica, e não foram já capazes, ante certos problemas, de reagir de maneira revolucionária.
As relações externas do Movimento
dependem do arbítrio presidencial. A escolha dos amigos, aliados e adversários do Movimento não segue qualquer linha lógica de diferenciação, estando reduzidas a uma simples questão de capricho individual e oportunista.
As instâncias da Organização encontram-se praticamente inutilizáveis pelo que o decreto presidencial — a Ordem de Serviço — rege tudo. Os membros do Comité
Director, os do
Grupo Activo do Movimento de Reajustamento, os postos superiores políticos
e militares, são objecto de designações
presidenciais exclusivas e arbitrárias. Mesmo as mais pequenas questões
de intendência são objecto de decreto presidencial. A segurança interna do
Movimento, inteiramente montada e orientada pelo livre arbítrio presidencial,
foi reduzida a instrumento de
intriga e de vingança de carácter regional, tribal racial. O carisma
presidencial é tal que a respectiva crítica é assimilada aos crimes de alta
traição.
A
teimosia em manter o presidencialismo nem recua sequer diante da divisão que reina no seio da
Organização.
Camaradas!
A revolta das massas e dos quadros
para quebrar as
correntes do regime presidencial e fazer progredir a luta
no seio da Organização é justa,
gritante e patriótica.
Todos os conselhos, todos os protestos
formais das massas militantes
do Povo não puderam, ao longo de todos estes anos, impedir o presidencialismo absoluto de
espezinhar o nosso Estatuto, esvaziar de todo o seu conteúdo a nossa linha estratégica e de
acumular graves erros tácticos.
O próprio Movimento de Reajustamento
(1972-1974), aclamado
pelas massas como a política de salvação nacional, e que colocou alguns dos melhores quadros em postos de Direcção do MPLA,
não conseguiu normalisar a vida política e
estatuária da Organização. Tudo isso foi ostensiva e arrogantemente
falseado pelo presidencialismo.
Que via nos resta pois, em tais
circunstâncias, senão a revolta activa dos quadros e das massas militantes? Que resta aos quadros, como
meio revolucionário, senão sacudir energicamente as fileiras da Organização, para que as mordaças caiam e todos se unam realmente na base dum Congresso que não se
traduza por uma partilha do poder mas sim por uma análise e solução patriótica
dos problemas fundamentais
do Movimento e da Nação. E não será essa a única e justa atitude que esperam de nós o Povo e as forças sãs do nosso
Continente e do Mundo? Camaradas!
A dita rebelião das massas na Frente
Leste tem as suas justificações. A revolta
actual e activa dos quadros e dos militantes é oportuna.
Só um Congresso democrático aberto à participação destes
patriotas, de todos os que, ao longo dos anos, tiveram a audácia de dizer não ao presidencialismo, pode dar novas energias e
novo fôlego à Organização.
VIII - AS
TAREFAS DO CONGRESSO
O Congresso deve ter por finalidade
restaurar os princípios políticos do MPLA,
eliminar o presidencialismo no seio da Organização, em favor duma direcção colegial como condição fundamental da nossa acção politico-militar.
O Congresso visa unir e não excluir todos os militantes,
ex-militantes, quadros e ex-quadros do MPLA
que, não tendo traído a Pátria, queiram
continuar a lutar pelo triunfo dos ideais patrióticos do nosso Movimento.
O Congresso propõe-se levar a cabo a
reestruturação democrática
do MPLA, de acordo com as tarefas fundamentais impostas pelo desenrolar da luta.
O Congresso definirá os princípios e
medidas justas que permitirão, nesta etapa, resolver correctamente os
problemas fundamentais para a independência da
Nação - problemas sobre a eficácia da guerra,
problemas ligados ao destino político, económico, social e cultural da Nação, problemas sobre a proclamação,
organização e desenvolvimento da
larga frente unida de independência nacional, frente integrada por
todos os partidos e organizações que existam realmente no País, assim como por todas as personalidades e indivíduos que sejam sinceramente animados pelo desejo de
fazer vingar a independência
completa, problemas ligados à importância da valente população do Distrito de Cabinda; problemas ligados à
eliminação enérgica de toda a espécie de discriminação regional, tribal
e racial; problemas ligados ao
fortalecimento da nossa cooperação e fraternidade face ao glorioso
PAIGC, ao glorioso MLSTP e à gloriosa FRELIMO; problemas ligados à consolidação das nossas próximas retaguardas africanas
e ao reforço dos laços fundamentais e respeito dos nossos interesses comuns;
problemas ligados ao reforço dos laços que nos unem a todos os povos e partidos autenticamente amigos, assim como ao estabelecimento de laços de cooperação e
respeito mútuos face a todos os governos e partidos que combatem a política
tendente à manutenção da dominação colonial
e reconhecem, em consequência, o
direito de Angola à independência nacional imediata.
O Congresso deve assegurar a vitória da nossa luta de
libertação nacional. Camaradas!
A Direcção do Movimento, amarrada pelo
presidencialismo absoluto
e surpreendida pela nova conjuntura, está presentemente incapaz de analisar os problemas da Organização e da Pátria e
de dar--Ihes solução justa. As presentes
declarações anti-estatuárias e contrárias
a interesse nacional, feitas recentemente na Tanzânia pelo presidencialismo,
relativamente ao problema petrolífero e à nossa situação em Portugal (no Canadá)
e à unidade (na Bélgica), provam a irresponsabilidade,
a ambição e o pânico do presidencialismo.
Tenhamos a coragem patriótica de
dizer: NÃO! E para evitar uma cisão
e cheques devastadores face ao inimigo, exijamos a criação imediata duma comissão preparatória do Primeiro Congresso Nacional do MPLA, na base das propostas contidas no presente Apelo. Camaradas! A hora é grave!
A luta do povo angolano
toma, nesta nova situação, múltiplas formas e
torna-se extremamente complexa. Ela exige a participação de todos
os patriotas um largo debate, a congregação de todas as inteligências e vontades, a união
de todas as forcas e o reforço da vanguarda.
A eficácia da guerra de libertação nacional não será assegurada se não eliminarmos os graves erros
constatados na Organização e se não conseguirmos
realizar a unidade dinâmica de todas forcas patrióticas. O presidencialismo
absoluto está na base das crises consecutivas
de carácter ideológico, político, militar, organizacional e financeiro em que tem estado mergulhado
o Movimento;
ela é fonte de
divisão interna no campo nacionalista. Um
patriota, um revolucionário, um militante honesto do MPLA tem o dever sagrado
de se sublevar contra o presidencialismo.
No momento presente, a tarefa fundamental consiste,
primeiramente, em lutar pelo restabelecimento
dos princípios políticos do Movimento e pela democracia no seio da Organização,
exigindo a realização do Primeiro Congresso Nacional do MPLA para correcção dos erros, e reajustamento da linha política, o regresso à direcção colectiva e, em segundo lugar, em lutar com determinação pela materialização da mais ampla Frente Unida para a Independência
Nacional.
Que ninguém tema a repressão política,
económica e física do presidencialismo!
As
ameaças que o presidencialismo profere por toda a parte, assim como os seus últimos apelos oportunistas à
unidade à volta do seu diktat são uma prova suplementar do seu
desespero face ao seu isolamento, no
interior da nossa Organização como face a todos os governos, organizações e partidos ou amigos do MPLA.
Os nossos irmãos africanos e os nossos amigos, no Mundo, compreenderão essa revolta patriótica e militante.
Os amigos tradicionais do MPLA, os estados independentes
do nosso continente, em particular os que nas nossas fronteiras pagam o preço da sua solidariedade face aos ataques criminosos
dos nossos inimigos, estarão mais do que nunca do lado da nossa Organização democrática, pelo bem-estar de
Angola, da África e do
Mundo.
Viva a revolta activa pela unidade e
democracia no seio do MPLA!
Viva a unidade democrática de todas
as forcas patrióticas angolanas!
Viva
Angola livre, unida, independente, próspera e africana!
A VITÓRIA É CERTA!
Feito em Brazzaville
aos 11 de Maio de 1974
Camarada
Manifesta a tua opinião, por telegrama ou por carta dirigida a:
Dr. Vieira Lopes
B.I. 2380 - BRAZZAVILLE - Republique Populair du Congo. Assinaram o presente APELO os seguintes militantes:
ADOLFA MARIA — Antigo Responsável dos Programas de Rádio "Angola Combatente"; antigo responsável do Departamento de Informação e Propaganda (DIP); responsável do Centro de Estudos Angolanos (CEA).
AMÉLIA MINGAS - Membro do Instituto Angolano de Educação (IAEÍ; Responsável da Secção de Internado do Instituto Angolano de Educação.
DRa. ANA WILSON - Antiga Directora dos Serviços de Assistência Médica da Zona C da Terceira Região Político-Militar do MPLA.
ANTÓNIO MENESES — Membro do Centro de Instrução Revolucionário na Frente Leste (ClR); Instrutor de Artilharia na Frente Norte.
FERNANDO ANTÓNIO KANGA - Secretário da Representação de Brazzaville.
Revo. DOMINGOS DA SI L VA - Vice-Presidente do MPLA; antigo membro do Bureau, Político; membro do Comité Director.
Dr.
EDUARDO SANTOS - Membro fundador do MPLA; antigo membro do Comité Director; antigo membro do Bureau Político; antigo Director
dos Serviços de Assistência Médica (SAM).
FLORIBERT MONIMAMBO - Antigo Comandante da Frente Leste; antigo membro da Presidência e da C CP M; membro do Comité Director, Chefe das Operações do Estado Maior da Frente Norte.
ENTIL VIANA - Antigo membro do Conselho Nacional do MPLA; antigo Conselheiro Jurídico do MPLA; Conselheiro do Presidente do MPLA.
Dr. HUGO MENESES - Membro fundador do MPLA; amigo membro do Comité Director; antigo Director dos Serviços de Assistência Médica da Segunda Região Político-Militar Frente Norte.
INÁCIO MULAMBO - Membro do Centro de Instrução Revolucionária (ClR) da Frente Norte.
Dr. JOÃO VIEIRA LOPES - Antigo membro do comité Director e do Conselho Nacional do MPLA; antigo Director dos Serviços de Assistência Médica da Segunda Região Político-Militar (Frente Norte).
LUÍS CARMELINO (JOTA) - Membro do Instituto Angolano de Educação (IAE); Responsável da Secção Pedagógica do l E A.
Dr. MANUEL VIDEIRA - Antigo Presidente do Corpo Voluntário de Assistência aos Refugiados (CVAAR). Antigo Director dos Serviços de Assistência Médica da Quarta Região Político-Militar.
MARIA DO CÉU CARMO REIS - Antigo membro do Conselho Escolar do Internato de Fevereiro; antigo responsável do Departamento de Informação e Propaganda (DIP); membro do Departamento de Educação e Cultura (DEC), Frente Norte.
Dr. FILIPE — Membro dos SAM; Membro dos Serviços de Rádio e Telecomunicações (SRT).
MÁRIO DE ANDRADE - Membro fundador do MPLA; antigo Presidente do MPLA; antigo responsável das Relações Exteriores.
PEDRO KANGA - Membro Responsável da União Nacional dos Trabalhadores Angolanos (UNTA).
VIRGÍLIO NATÓNIO ZULUMONGO (KIVUVU) - Membro do Grupo Activo do Movimento de Reajustamento da Frente Norte.