MPLA: FOME, VIOLENTAÇOES, ASSASSÍNIOS

Dia a dia se cavava mais fundo o fosso que dividia os movimentos e a população. Aumentavam os roubos, os assaltos, os saques, a selvajaria, cujos autores nem sempre eram marginais, mas pessoas que, até ao 25 de Abril, se comportavam como cidadãos decentes e zelosos no cumpri­mento do dever e no respeito pelas relações entre as etnias.

Havia constantes incidentes que punham frente a frente o MPLA e a FNLA. Desordens quase sempre originadas pelo MPLA, que as tropas portuguesas aplaudiam, quando não favoreciam em participação activa.

Era vulgar militantes do MPLA e militares portugue­ses saudarem-se amistosamente, com as mãos levantadas e os em "V", acamaradando e insultando-nos com uma iden­tidade ideológica, que, simultaneamente, nos ameaçava. As Forças Armadas portuguesas ajudavam o MPLA a apossar--se de Luanda, mantendo-se passivas ante os ataques à et­nia branca.

Ninguém se enganava sobre o que o destino lhe re­servava, em meio ao confusionismo e à incoerência absolu­ta.

Chegou a fome. A anarquia reinou nas regiões que a FNLA ocupara, escorraçando não só as FAPLA, como também as populações aderentes ao MPLA. Forças daquele movimento desceram para o Ambriz, para Carmona, para a zona da etnia Quicongo. O MPLA garantia que, contra ventos e marés, prosseguiria a guerra até à "libertação" de An­gola.

Saltava aos olhos, perante o fracasso do Governo de transição, que os movimentos nunca se reconciliariam num território quase independente. Usavam, qualquer deles, a mesma linguagem: ocupar, desmantelar, esmagar, vencer e pior vingarem-se.

Em Maio, numa reunião convocada pela OU A para Kampala, Idi Amin Dada e Mobutu concordaram que a solução do conflito seria internacionalizá-lo, com a participação da ONU e da própria OUA. Amin propôs que um exército de dez mil homens, armados pela OUA, interviesse.

Em Junho, na capital angolana, a ferocidade não conheceu limites. O MPLA, com a colaboração de militares portugueses, reduziu a escombros as delegações da FNLA. Móveis e documentos juncaram as ruas de destroços, aos quais foi largado fogo.

Seguiu-se uma campanha desenfreada para explorar o obscurantismo de brancos e negros. Dizia-se que a FNLA assava crianças, arrancava corações, bebia o sangue dos ini­migos; que, na delegação da Avenida do Brasil e no quartel do Casenga tinham sido descobertas salas de tortura onde se escondiam, dentro de frigoríficos, frascos com sangue e corações humanos; que havia corpos de pessoas queimadas e mutiladas.

A médica encarregada do laboratório da Faculdade de Medicina desmentiu esse tipo de propaganda, divulgan­do que o sangue e os corações pertenciam ao Museu Ana­tómico. Foi presa, ante o pavor dos filhos. A ameaça de greve geral dos médicos salvou-a. Libertaram-na, expulsan­do-a para Lisboa.

           Todavia, mesmo das mais absurdas afirmações, que os factos contradizem, alguma coisa fica. E, assim, a posi­ção da FNLA tornou-se insustentável em Luanda. O MPLA, com forças portuguesas, iniciou um perseguição tenaz. Presenciei, na Rua D. João II, à entrada da Rua coronel Artur de Paiva, "chaimites" dispararem sobre solda­dos da FNLA, que fugiam desarmados e cujo medo era tão grande, que, enquanto corriam, despiam a farda, para ma­nifestar que estavam indefesos e que apenas queriam sal­var-se. Pretendiam alcançar o Bairro do Saneamento onde viviam os ministros da FNLA e o largo do Palácio, na espe­rança de, ali, conseguirem protecção. Na Calçada de Santo António, defronte da Rádio Iglesia, repetiu-se igual caça ao homem. A tropa portuguesa sorria perante o espectáculo e as balas não paravam de chover. Os mortos não sei quantos lá ficaram, tombados nos passeios ou no pavi­mento das ruas. Os que viveram foram retirados pela UNI-TA e levados para as terras donde eram oriundos.

Restou, à FNLA, em Luanda, a Fortaleza de São Pedro da Barra cuja guarnição resistiu, durante muito tem­po, aos assaltos do MPLA. Recebendo reabastecimento à custa de subterfúgios que ultrapassavam as mentes mais imaginosas, os militares cercados não se rendiam. Uma am­bulância foi destruída e nela morreram enfermeiras e enfer­meiros. Granadas explodiram nos depósitos da Petrangol, da Refinaria de Luanda. A cidade inteira esteve prestes a sumir-se num mar de Labaredas que nada poderia apagar, se o combustível derramado se inflamasse.

Para desespero da FNLA, um dos seus representantes no Governo, o ministro da Agricultura, Neto, assinou a rendição dos sitiados e fugiu para a Suíça onde se reuniu à mulher e aos filhos. Os defensores da Fortaleza baixaram os braços e sairam da cidade sem serem molestados pela MPLA. Constou, na altura, que a FNLA minara o porto de Luanda e que, portanto, o MPLA não poderia receber ar­mamento desembarcado de navios da Cortina de Ferro.

Não foram necessários muitos dias para que a UNITA seguisse as pisadas da FNLA, abandonando Luanda. O Governo, naturalmente, desapareceu. O MPLA dominava a cidade e os subúrbios.

O "poder popular" inaugurou a era dos grandes assaltos, dos raptos, das buscas domiciliárias sob nenhum motivo, das violações de mulheres e raparigas, até de crian­ças, em plena via pública, e diante dos maridos e pais, das torturas, das mutilações, dos assassínios a sangue frio e só pelo prazer de matar, das casas incendiadas por desfastio, e das prisões.

O MPLA possuía diferentes tipos de cadeias e felizes eram aqueles que escapavam às sevícias mais abjectas ou à detenção nos curros da praça de touros.

Um funcionário do Matadouro foi preso com um fi­lho de vinte anos, bateram-lhe durante horas e abriram-lhe a cabeça à catanada, inutilizando-o para o resto da vida.

Ao marido de uma escriturária da DGS, depois de quase o matarem à pancada, enrolaram-lhe, nos testículos e no pénis, um rastilho de pólvora. Quando se preparavam para atear fogo, um soldado das FAPLA "condoeu-se" e convenceu os camaradas a colocarem o rastilho num dos antebraços da vítima, onde o fizeram arder.

Homens e mulheres enlouqueceram ou morreram nas masmorras secretas dos muceques.

O engenheiro Bandeira, administrador da Petrangol, ficou com braços e pernas deformados por uma sessão de tortura, finda a qual o amarraram com tal força que o san­gue não circulava.

Um pasteleiro, morador no bairro da Cuca, foi es­pancado e obrigado a assistir à violação da mulher e das filhas. No dia seguinte, a família foi a Palácio, relatando a sua odisseia ao general Silva Cardoso. O governador desceu ao pátio e, perante o que ouviu, chorou. Não podia fazer mais nada.

Não chegariam as páginas de um volumoso livro para registar, caso a caso, o que sofreram os luandenses nessa época.

É então, em Junho-Julho, que se prenunciou o gran­de êxodo, avalancha indescritível da miséria de seres huma­nos acossados por feras.

Agosto, Setembro, Outubro de 1975 são três meses que os angolanos de várias etnias jamais esquecerão, a dor, o luto, a fuga sem esperança e sem destino, fabricando-lhes uma cruz insuportável. Se não foste tu, foi o teu pai o aforismo ressuscitou na inversão dos valores mais caros ao Homem.

O MPLA não escolhia, na bestialidade dos meios pa­ra atingir o fim: ser o único detentor do Poder. A compla­cência e a cobardia das tropas portuguesas eram encoraja­mento suplementar para os carrascos.

Dentro da boa técnica comunista, o MPLA sempre aproveitou a propaganda para mobilizar as massas e atraí-las emocionalmente a si. Foi o que fez, em Dezembro de 1974, com a morte de um negro, o enfermeiro Benge Catarina Eufemia angolana e de calças. Assassinado a tiro, em discussão de taberna num muceque, não se curou das causas, nem da identidade do criminoso. Para o MPLA, o incidente calhava às mil maravilhas para montar um espec­táculo de envergadura e de resultados de antemão assegura­dos. Por mor de convocações profusamente distribuídas, por apelos na Rádio, por notícias nos jornais, multidões acompanharam o funeral do enfermeiro, que foi promovi­do a mártir. Pobre do Benge, um indivíduo sem qualidades ignorado habitante de Luanda, que, cortada a sua vida nu­ma infeliz altercação de taberna, serviu ao MPLA de ban­deira para atrair adeptos, principalmente nos muceques.

A criminalidade correu em Angola, como rio cauda­loso de amargo e farto primitivismo.

 

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