INFÂMIA E DESCRIMIIMAÇAO
OS CONSTRUTORES E OS VENDI LHÕES DA PÁTRIA
Sobre o refugiado caiu a maldição de um povo ingénuo e bom, mas intrumentalizado nas mentiras do "25 de Abril".
Tarde, demasiadamente tarde, os portugueses da Metrópole se aperceberam da burla, em cuja voragem os "heróis" (que não o foram em África) sumiram a Nação, a sua História, a sua Economia. E compreende-se. Andar na mata ou na picada, enfrentar o inimigo, aguentar emboscadas e meses de isolamento em climas insalubres, não é para todos. Permanecer no Maiombe, tenda, sobre si, a ameaça da floresta e dos homens, só o aceitaram os militares com espírito de missão.
Lamentavelmente, eu que fui, oficial, tenho de reconhecê-lo: não foram os soldados, não foram os rapazes das "berças", que iam às "sortes" e festejavam, nas suas aldeias, a honra de terem sido "apurados para todo o serviço", de ingressarem nas fileiras, os que se cansaram, os que se queixaram, os que se arrependeram de a farda que vestiam, atrair perigos e visões cruentas — a face mais feia da Humanidade, que é a guerra. Foram outros — os que enveredaram pela carreira das armas, que frequentaram a Academia Militar, talvez porque os seduzisse passear no Chiado de talabarte e esporas, talvez porque as continências dos subordinados lhes mitigassem frustações e vaidades, talvez porque a "tropa" era emprego antecipadamente garantido, com ordenado certo e nada que fazer — que, a pretexto de ditaduras e baseando-se em sociologismos de alcova, deram o golpe. Não por patriotismo. Não por amor ao próximo. Não conscencializados pelo estudo da posição de Portugal no Mundo, pela justiça ou injustiça da guerra ultramarina. Deram o golpe por cansaço, por cobardia, porque, ao entrarem na Academia Militar, antiga Escola de Guerra, a guerra estava fora das suas cogitações.
Entre combater guerrilheiros perseverantes, treinados e corajosos, do PAIGC, do MPLA, da FRELIMO e assustar os pombos do Rossio com o troar dos carros de assalto (a cair aos bocados), não havia que hesitar, Imperioso, se quisessem salvar a pele, era achar uma bandeira, um slogan a que se aferrassem, a mezinha que lhes soltasse os intestinos e impedisse que fossem exautorados na praça pública. Havia que puxar pela imaginação. A democracia, a anti-ditadura, a fraternidade dos povos — tanto fazia, contanto que ficasse garantida uma aparência de integridade.
A fraternidade dos povos!... Seria de rir, se não escorressem as lágrimas.
Fraternidade em relação a quem? Foram fraternos os revolucionários do "25de Abril" para os brancos do Ultramar, para os negros do Ultramar, para os povos do Ultramar? Protestaram contra o fuzilamento, contra o enforcamento, contra o enforcamento dos que foram condenados, em Angola, na Guiné e em Moçambique, pelo crime de terem combatido a seu lado? Mais correctamente: assassinados porque os tinham defendido? Tiveram um gesto? Rezaram uma oração? Não terão saudades e remorsos, lembrando os leais militares negros que confiaram nas Forças Armadas portuguesas e a elas pertenciam?
Não quero ser injusto. Entre os "capitães" do "25 de Abril", estiveram heróis autênticos. Dos que se bateram sem desfalecimento em África e que alinharam na revolução perturbados, enganados ou imbuídos de um sentimento de impotência, perante a catastrófica política salazarista-caeta-nista, na Metrópole e no Ultramar.
É o povo quem o afirma, na sua filosofia simples: "'com papas e bolos se enganam os tolos". Os oficiais-combatentes comemoram as papas e os bolos dos companheiros de falinhas mansas, de ar circunspecto, de argumentação insistente, que lhes assopravam aos ouvidos segredos e intrigas palacianos. Confundidos, caíram na esparrela. Se tivessem pensado, se lessem, mesmo em "diagonal", as folhas de serviços dos mentores da revolução, certo que outro "cantar" seria o seu.
Souberam das razões porque Spínola recambiou Vasco Gonçalves da Guiné para Portugal? Conheciam as "tropelias" de Vitor Alves, na Academia Militar e no Leste de Angola? Informaram-se da austera vida do capitão Tomé, em Nampula? Interrogaram-se do comportamento de Melo Antunes em São Salvador do Congo? Admiraram a valentia de Fabião e de Rosa Coutinho, o aprumo do abstémio Vitor Crespo, a inteligência de Otelo?
Estourem crer que não. Os oficiais-combatentes, agora pejorativamente chamados operacionais, tinham mais que fazer: tinham que justificar os galões que usavam nos ombros; que andar no mato; que lutar; que dignificar os postos que ocupavam. Foram eles os ingénuos que colaboraram na tragédia — de que se arrependem e que estão a pagar.
Infelizmente, com eles, por eles, pagaram e pagam milhões de portugueses. Os de lá e os de cá, "engolidos" pelos militares de opereta, pêlos comunistas e cripto-comunistas, engodados com a isca da (falsa) democracia.
Duplamente pagaram e pagam os de lá, os africanos, os que vieram e os que ficaram ao cimo ou debaixo da terra. Os refugiados não trouxeram milhões. Ninguém os quis receber. Todos os rejeitaram. Irmãos na desgraça não são da mesma família. Quando muito, são vagos parentes, que chegam inesperadamente, à hora da refeição e, pelo aumento do número de bocas, tem de se fazer o caldo mais aguado. Malditos sejam por isso. Que se quedassem por África e estoirassem — de fome ou com um tiro na cabeça. Que não viessem sobrecarregar as despesas da Metrópole. Que não viessem comer as côdeas e os ossos que podiam dar-se aos cães.
Afirmou
António José Saraiva, destacado anti-fascista, no semanário
"Liberdade", de 5 de Maio de 1976: "Diz-se e
escreve-se que eles (retornados) eram exploradores,
brutais, ávidos de lucros, criminosos de delito comum, culpados de si mesmos (...) Esses que apontam os
crimes dos retornados — que fizeram, durante vidas inteiras senão aproveitarem-se dos ditos crimes?
Como foi possível a vida parasitária
da maior parte da população portuguesa durante séculos, senão às
costas do preto, accionado pelo colonizador? Donde vinha o café
e o açúcar que se consomem ainda hoje abundantemente nas pastelarias
de Lisboa? Donde vinha o algodão barato que permitia a tantos
operários e patrões sustentarem-se de fabriquetas
primitivas? Donde vinham as toneladas de ouro que faziam do escudo uma moeda
forte, permitindo, com uma indústria deficiente e uma agricultura rudimentar, sustentar
legiões de funcionários
improdutivos? Todos somos responsáveis pela política de Portugal,
em África, prosseguindo com tenacidade
desde os fins da monarquia, objectivo prioritário da primeira república,
a que se dedicavam homens como Mariano de Carvalho,
Brito Camacho e Norton de Matos. Os retornados Não são
mais do que boomerang do
império que todos nós fomos. O retorno que nos atinge em
cheio é a arma que o nosso braço
lançou. Os retornados, com que o País foi solidário enquanto foram prósperos, são uma acusação viva lançada à cara da nação inteira. Uma dupla acusação. Em primeiro lugar, porque
Portugal se identificou com os colonos a
que chama agora criminosos. Em segundo lugar, porque o fenómeno dos retornados é o resultado de uma política de descolonização cuja torpe inércia é tão profunda quanto o arranque das descobertas foi deslumbrante. A página
da descolonização não
foi menos sangrenta que a da expansão; só que foi um pântano podre, enquanto a outra
foi fogo que alumiou a Terra (...) O ódio racial aos retornados
a pretexto dos seus crimes é
apenas uma maneira de a
nação portuguesa querer ilibar-se dos
crimes por que toda ela é absolutamente responsável. É um caso típico de bode expiatório. E lança uma viva luz sobre o mecanismo
do racismo. Trata-se de discriminar uma parte da nação, lançando sobre ela o odioso dos males
colectivos. O retornado é o cristão-novo dos nossos dias. Serve
para o resto do povo /macular a sua consciência; convencer-se de que nada
tem que ver com os malefícios e os abusos da colonização.
Serve também para desviar as atenções dos erros cometidos
em nome da nação: se eles retomaram é porque são inteiramente maus e não porque a descolonização foi um fracasso
vergonhoso. E servirá para desculpar outras inépcias
que vão cometer-se... O racismo nasce
fundamentalmente dessa
necessidade de limpeza de uma dada comunidade. Nós portugueses pecamos puros, porque
as culpas foram desse punhado de
"criminosos". E se eles, tiveram de retornar, a culpa não é dos responsáveis dessa sangrenta e lamacenta descolonização: não,
a culpa é dos retornados, culpados de si mesmos, como já foi escrito (...) Os retornados chegam no momento em que precisamos de uma desculpa para o maior fracasso da nossa
História e de um objecto para cevar a nossa frustação irremediável."
António José Saraiva fez, em palavras, o verdadeiro retrato do povo português, ante a original descolonização. A "vanguarda revolucionária" do "25 de Abril" proporcionou ao País e às próprias Forças Armadas, uma tranquilizante lavagem ao cérebro.
Os refugiados são acusados de tudo. Muitos responsáveis pela governação permitem e auxiliam a intoxicação da opinião pública. Arenga-se nos jornais, na Rádio, na Televisão, nas ruas e praças, para desviar as pessoas da trágica realidade. Membros do MFA, alguns depois ministros, bradam, histérica e sistematicamente, que não se poderia chegar à democracia sem passar pela descolonização. Que nenhum povo é livre, quando oprime outros povos. Lava-se o povo no banho da culpa colonial. Forjam-se mitos. Inventam-se cambiantes. Mudam-se as tácticas, de um tipicismo caracterizadamente comunista e comunizante. Assim se vai destruindo o País. E o refugiado transforma-se em mexilhão... empurrado, espoliado, banido, na senda de um calvário de que não se descortina o termo.
A entrega de Angola, da forma como foi realizada, leilão de bens pilhados, tornou Portugal mais pequeno e mais pobre. Sem o aval do Ultramar, o País definhou. Como Povo "fazedor de nações", deitou fora a expansão da indústria, da agricultura, do comércio, da cultura.
Os refugiados "exploradores" ergueram obra que dignifica, engrandece e redime um país.
Segundo os dados fornecidos pelo Gabinete
do Secretário de Estado
dos Retornados, departamento do Ministério dos Assuntos Sociais, os valores
deixados só pelo sector
empresarial são os seguintes:
MINISTÉRIO DOS ASSUNTOS
SOCIAIS
GABINETE DO
SECRETÁRIO DE ESTADO
DOS RETORNADOS
………………………………………….
"RESUMO"
SECTOR EMPRESARIAL: VALOR
EM CONTOS:
Sub-Sector da Agricultura ...................... 109.701.425
" " Pecuária.................... 4.823.909
" " Silvicultura ...................... 12.362.262
" " Pesca ....................... 1.685.660
" " Indústria Transformadora . 4.796.450
" " Construção Civil .......... 431.295.150
" " Actividade Comercial ..... 6.408.350
" " Indústria Extractiva.......... 577.465.320
" " Comunicações ............. 18.967.300
TOTAL ..... 1.167.505.826
NOTA:
O valor deixado pelo sector
empresarial da etnia portuguesa a cada um dos 5.874.000 angolanos, foi de
Esc: 195.353$00
Os colonos "exploradores", pelo seu trabalho, fizeram prosperar Angola. Não os cegou, todavia, a ambição do lucro. Durante anos, porfiaram em campanhas políticas, para que Portugal fosse pioneiro de um novo capítulo da história das relações humanas.
Esqueceram os
"exemplares" descolonizadores as governações de Paiva Couceiro e de Norton de Matos. Esqueceram o que o próprio capitão Henrique Galvão declarou em Estocolmo, no dia 27 de Outubro de
1961: "Defendo o direito à autodeterminação de todos os povos e o dever de o proclamar sem sofismas. Por isso não admito que, antes de assegurado o exercício desse direito, surjam soluções impostas
pela fraude e pela força. O destino dos
povos deve ser escolhido por eles, através de
representantes legítimos e não por aventureiros que aspiram as situações pessoais antes que o
povo se pronuncie."
Esqueceram ou quiseram esquecer-se?
O que se perdeu
em Angola deve-se à fraude do Governo e ao aventureirismo de alguns militares.
Não se cumpriu o Programa do MFA. A independência de Angola consumou-se por traição, contra o direito do povo angolano e à revelia do povo português.
Para meditação dos que hostilizam os refugiados, cito uma
passagem do discurso feito em Luanda, em 7 de Novembro de 1961, pelo dr. Manuel
Dias Barros: "Fora com o egoísmo e falta de senso dos que,
na Metrópole, olham para nós com desprezo
e que julgam fazer grande sacrifício
em ajudarem-nos na luta
de sobrevivência em que estamos empenhados, como se toda a nossa tragédia actual não tivesse
surgido exactamente dos seus erros e da sua traição. Que
erros cometeram os colonos? "
E eu pergunto: quem paga o que nós lá deixámos?