OS JUDAS DE 30 RUBLOS

Na origem deste contexto da desolada vida angolana surgira em Luanda, em Julho de 1974 a "branca flor", o almirante de pacotilha Rosa Coutinho, com o seu braço ar­mado, um triunvirato tenebroso constituído pelos majores Pezarat Correia e Emídio da Silva e pelo capitão Batalha, amparados por satélites do MFA, muito "esquerdistas". Pairando sobre esta camarilha, o comandante Correia Jesuino, mentor da Comunicação Social. Na Junta Governativa, além de Rosa Coutinho, o general Cardoso da Silva e o co­modoro Leonel Cardoso.

Sou testemunha das felonias praticadas por eles. Da sua campanha de raivas desvairadas, inspirada em ideologias estranhas ao povo português e até à idiossincrasia dos au­tóctones angolanos.

Não os travaram escrúpulos para chegarem aos objec­tivos previamente marcados na estratégia leninista e em que os próceres revolucionários portugueses são meros comparsas, títeres puxados por cordelinhos visíveis, mario­netas que se agitam e estouvadamente dançam ao som e ao ritmo das "balalaikas", músicas aberrantes, que não podem ter eco no peito dos portugueses.

Assim se esboçou o bailado macabro de Rosa Cou­tinho, que vagueou pela castigada terra de Angola, Judas sem honra, sem integridade, sem patriotismo. Não vendeu os portugueses ao diabo por trinta dinheiros, mas, vilmente, trespassou-os em leilão de escravos, a quem pagou mais no mercado do Leste.

Rosa Coutinho empurrou-nos, inexoravelmente, para o abismo. Patrulhas do MPLA substituíram, por ordem do "almirante vermelho", os agentes da PSP. Raramente as au­toridades portuguesas intervinham, mantendo-se aparte, no gozo mórbido de escandalosos desmandos. Quantos mais morressem, menos regressariam a Portugal. Isso não obstou a que se expulsassem os primeiros oito portugueses, entre os quais o capitão Mendonça. As vítimas pagaram como se tivessem sido algozes.

A nomeação do almirante Rosa Coutinho para presi­dente da Junta Governativa desfez as nossas últimas dúvi­das, que de esperança já não falávamos. Demasiadamente conhecíamos a sua cor política, o ódio e o desejo de vin­gança que alimentava contra a FNLA que o aprisionara no Zaire, que o mantivera no cárcere, que o sujeitara a seví­cias e indignidades que ele talvez s6 não perdoava, porque tinham sido praticadas em público, que um elemento da PI DE tivesse arriscado a vida para o libertar não contava para ele. Ia para Luanda sem intuitos de equilíbrio ou de justiça. Ia, não para governar, mas para obedecer às ordens dos seus mentores políticos e para se vingar. De antemão o sabíamos.

O capitão Seara procurou-me para me comunicar que ele e o seu grupo iriam ao aeroporto abater Rosa Cou­tinho, mal ele desembarcasse do avião. Tentei dissuadi-lo num primeiro encontro. Insistiu. Veio de novo, acompa­nhado por três "gorilas". Medidos prós e contras, conven­ci-o de que a consumação do atentado acarretaria terríveis represálias para etnia branca e prejudicaria, irremediavel­mente, a F R A.

Rosa Coutinho (a "branca flor"} teve os seus percalços, possivelmente assustou-se com determinados tipos de alteração da ordem pública, decerto provocados, muitos deles, por infiltrações de elementos da LUAR e de agentes do PCP. Daí, impor o recolher obrigatório às 21 horas.

          Na primeira noite, a população foi para a rua em massa. Intermináveis filas de automóveis buzinaram até o raiar do sol. As bandeiras da UNITA flutuaram em ruas e largos, agitadas com frenesi.

Um pandemónio, de absoluto desrespeito por Alva Rosa Coutinho. Desfeiteando-o abertamente, a multidão percorreu a noite, gritando e aclamando Portugal e a UNI-TA, vexou, agravou e insultou o presidente da Junta Governativa. "Democraticamente", Rosa Coutinho quedou-se, mudo, no palácio.

Fosse como fosse, a vida degradava-se, com a multi­plicação de conflitos. Chegou-se à ofensa suprema de arriar a bandeira nacional no muceque do Golfe, de a espezinhar e rasgar, substituindo-a pelo do M P L A, perante a passivida­de de forças portuguesas.

Isso foi razão de um episódio que retrata, fielmente, Rosa Coutinho.

Sentindo o insulto no coração, a etnia branca diri­giu-se ao palácio para manifestar a sua indignação. À fren­te, a senhora E mil ia Ferreira, vendedeira de peixe no mer­cado de Quinaxixe, Maria da Fonte angolana, que, ao vo­lante de um camião se embrenhava na mata, a fim de transportar alimentos para a UNITA, de que era aderente.

Maria Ferreira, com um grupo de companheiros, en­trou no palácio e desafiou Rosa Coutinho. Das palavras se passou aos actos e houve quem deitasse as mãos ao pesco­ço do marinheiro fantoche, que, apavorado, saltou por ci­ma da secretária, para fugir pela janela do gabinete.

Rosa Coutinho, que sempre se mantivera imperturbá­vel, cumprindo ordens "vermelhas", que não atendia quei­xas, nem reclamações, porque, para ele, tudo se resumia a boatos, desta vez convenceu-se, finalmente, de que nem tu­do eram boatos. Estou a imaginá-lo, orelhudo e ridículo, a pular para a mesa, na cobardia da fuga.

Descobriu, no incidente, uma das raras verdades que viria a proferir mais tarde, em Lisboa: Angola não era para timoratos.

 

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