O GENERAL SEM-HONRA
Enquanto Silvino Silvério Marques, não desejou "aviltar" com mera despromoção um camarada general; enquanto, lhe deu a mão para não passar à Reserva, requisitando-o até para Comissão; enquanto o considerava e o tratava com lealdade, o
Amigo protegido, general Joaquim António Franco
Pinheiro, Comandante-Chefe das Forças Armadas de Angola, na sombra e de acordo com o M.F.A. de Angola, ia traindo o governador-geral.
Todos sabíamos que difícil seria o acentuar da transição e com ela viria a violência. O
problema de Angola pairava acima da "Revolução dos
Cravos" e, como seria lógico, muito acima dos seus
eventuais acertos e desastres. Mas, a praga política saída do 25.Abril. 1974, conseguiu denegrir e mutilar o espírito revolucionário de 25, e o M. F.A. logo se sentiu com a capacidade de ver conspiração e maquinações diabólicas nos que, sentindo a necessidade de redemocratizar o
País, pretendiam, sem sair fora da rota traçada pelo Programa do M.F.A., levar Portugal a entrar no
estrito cumprimento do chamado "processo de descolonização" que, a partir da segunda metade do século XX se vinha acelerando na África e na Ásia, com o apoio da O.N.U. que,
desde a sua primeira sessão, realizada em Janeiro e
Fevereiro de 1946, em Londres, tinha proclamado o direito de os povos se
autogovernarem. Um parêntisis para afirmarmos que não foi necessário a "Carta do Atlântico", em 1941, nem a O.N.U., para fazer nascer a
ideia da autodeterminação aos
"brancos" do Ultramar...
Na sequência do seu
procedimento o gen. Francisco Pinheiro, enviou a Costa Gomes, em 17.Julho.74,
um Relatório — "Secreto — Pessoal", acompanhado de um
"cartão de visita", que define não só, a tibieza e
a subserviência deste oficial, como uma traição vergonhosa ao então governador-geral.
Nesse Relatório e apenso estava um documento, elaborado em
reunião do gabinete das Forças Armadas em Angola, e que no seu ITEM 1, propunha:
"que seja demitido o actual Governo Geral de Angola e todos
os governadores do distrito". No nº. 5, era dado um prazo de 72 horas, contadas
desde a sua recepção e conhecimento e no nº. 6 dizia-se: "Ora não cumprido o prazo referido em 5., desta proposta, o M. F.A. de Angola
assume implicitamente a
obrigação da tomada das medidas adequadas, ou julgado como tal, face à gravidade do actual momento em
Angola e à sua previsível evolução que veio a inaugurar um novo e triste,
período na História de Angola!
Em 19.Julho.74., Costa Gomes, tão sinistro como pérfido, respondeu ao gen.
Pinheiro. Original assinado e enviado ao seu destinatário em MP
pelo comandante de Bordo da Missão FAM — Lx — LD, de 17/7/74. Conspirava-se, abertamente, nas
costas do Governo Geral! Sem respeito por um alto
dignitário da Nação e sem vergonha por parte dos comparsas desta nojenta conspiração.
Mas Costa Gomes e Almeida Santos dão as mãos e, no "fritar dos ovos",
pretendem, tão-somente e em síntese, alcançar os seus
desígnios, saltando por cima de todos os princípios e humilhando quem honesta e
patrioticamente queria servir Angola. Assinam ambos um telegrama que fere a
dignidade do Governo Geral e cilindram as suas prorrogativas, cerceando os seus
direitos de governante(1). Telegrama
"Secreto-Pessoal", próprio de quem chafurda nas vielas esconsas da traição. Silvino
resolve mandar a Lisboa, o seu Secretário de Estado da Comunicação Social e
Turismo, major Mariz Fernandes. Este contacta com Costa Gomes e Almeida
Santos. Pretende saber o alcance do conteúdo do telegrama. Costa Gomes
denega o seu envio. Almeida Santos, seráfico e melífluo, silencia.
Mariz Fernandes em face da posição assumida por Costa Gomes, saca do telegrama e
mostra-o ostensivamente! Apanhado em flagrante na mentira e na traição Costa
Gomes, perturbado replica: "Como é que anda na algibeira com um documento secreto? (2)
E,
assim, foi Silvino, o grande injustiçado, traído pelo tremor de terra político que os
sinistros Costa Gomes e Almeida Santos, provocaram em
Angola (3). Estes maquiavélicos
comparsas do maior drama da nossa História, esqueceram que eles não
representavam em Angola a ideia revolucionária que tinha sido assegurada ao
povo angolano e que mais não eram que xenófobos duma mini-plateia manobrada por interesses que,
certamente não eram os de Portugal e, muito
menos, de Angola.
Em boa verdade Costa Gomes, enganou, vigarizou e traiu o
Povo!
Como político-militar, bem poderemos
parafrasear Cavalcanti: "Ê indivíduo que pensa
uma coisa, diz outra e faz o contrário". Foi assim, que levou os ingénuos moçambicanos e angolanos... nas suas andanças, prédicas e actos... Até este general — só não enganou Salazar — não resistiu ao apetite
pantagruélico do comunismo internacional.
Com homens desta estatura foi possível vencer o obstáculo português e, até para a"balada", se
estender ao domínio do Atlântico Sul...
Mas, já em 11 de Julho, outro facto
concorrera para o agravamento da situação em Angola.
Após o assassinato do taxista e no explodir de
raivas e retaliações nos muceques, com a expulsão violenta dos comerciantes brancos, dos roubos, saques e
incêndios dos seus estabelecimentos e casas, realizou-se uma
reunião de "alto nível", não só com o Governo
Geral, mas também com os altos comandos militares,
"os estrelados" e que assistiu o governador da Província de Luanda, Vilanova. Este, que tinha já sido saneado do Comando da Defesa Civil, teve a coragem
de propor o estabelecimento do "Estado de Emergência", que recebeu a pronta adesão do Governo Geral.
Todavia,
o general Pinheiro e outro, perguntaram porque
razão se havia de proceder assim, quando no momento crucial de
1961, a tal se não tinha recorrido. Vilanova replicou,
que o caso da situação vertente situava-se nas antípodas do de 1961, pois, nessa altura, todos os
"brancos" sabiam o que queria o Governo de Portugal e, mais, tinham
recebido uma "palavra de ordem": Para Angola em força! No momento dos acontecimentos sangrentos dos muceques,
ninguém ainda sabia, em boa verdade, o que queria o Governo de
Lisboa. Uma certeza se tinha: da demissão dos Comandos
das Forças Armadas e da sua cedência ante as provocações e violências das "massas ululantes"!
Se o "terrorismo" nasceu pelo egoísmo do Governo de Portugal antes de 25 de Abril de 1974,
tudo o que depois subverteu Angola deve-se, única e exclusivamente,
às Forças Armadas de Portugal, em
Angola. A falta da "palavra de ordem" contribuiu para a passividade
dos civis, ante as arremetidas furiosas dos apelidados "nacionalistas negros",
nessa altura sem "poder ofensivo" perante o poderio do exército português em Angola.
SECRETO-PESSOAL
Luanda, 17 Jul 74 Exmo. Senhor General Chefe EMGFA
1. Quando assumi
as funções de
Comandante-Chefe, rodeei-me de 8 oficiais do MFA, para me auxiliarem, em
acumulação de serviço, na integração dos problemas deste Comando no espírito do Movimento.
Igual procedimento se seguiu em todos os escalões dos três ramos, sendo notáveis os serviços que tais elementos têm prestado, dentro da maior lealdade e com
integração completa na
hierarquia militar.
2. A nomeação do actual Governador-Geral (de quem sou
amigo pessoal) veio, contra a minha expectativa, perturbar o esquema
montado, visto que, por razões
várias que não tenho tempo para detalhar, o MFA em
Angola não crê que o Governador-Geral esteja in-
tegrado no espírito do
Movimento, atribuindo às
suas atitudes muita responsabilidade no deplorável panorama político-militar de Angola.
3. A situação tem-se agravado progressivamente, a tensão MFA-GGA tem crescido e eu tenho tentado
por todas as formas possíveis e leais dissuadir os elementos do MFA de
tomarem atitudes graves. Esgotei a minha capacidade de argumentação e vejo-me na situação de, ou passar o problema a Vá. Exa., ou
arriscar-me a atirar oficiais que estimo sinceramente, para atitudes tomadas
clandestinamente, ficando eu como inimigo, quando afinal tento apaziguar e
salvar uma situação crítica.
4. Hoje, foi-me presente o documento
que junto e representa a vontade inabalável, segundo me
dizem, dos oficiais do MFA. Não vejo outra
solução que não seja fazê-lo chegar às mãos de Vá. Exa., visto estar esgotada a minha capacidade de
argumentação.
Sinto e foi-me transmitido que os
oficiais não recuarão na atitude anunciada e, por isso mesmo, peço esclarecida e urgente intervenção de Vá. Exa. num
assunto que reputo extremamente grave.
5. Se Vá. Exa. não intervier, a minha posição será a de tentar controlar,
muito lealmente, os acontecimentos. E isto (seja qual for o desenrolar do
processo) só até que possa
subsituir-me por quem tenha talento político para
resolver problemas para os quais não es-
tou preparado. Sinto-me extremamente fatigado, física e moralmente, e Vá. Exa. desculpará não me ter sido
possível fazer melhor.
6. Finalmente, devo acrescentar que não transmiti o problema ao Governador-Geral, pela
simples razão de que receio que ao fazê-lo se antecipe uma crise que — em minha opinião —só Vª.. Exa. pode evitar.
Com os meus
melhores cumprimentos
O CCFAA
(assinatura)
17.Jul.74
( l ) Neste telegrama. Costa Gomes
e Almeida Santos mandavam extinguir a SCCIA (Serviços de Centralizações e Coordenação de Informações de Angola) e a PI M (Polícia de Informações Militares) o que deixava as Forças Armadas Portuguesas na situação de cegas e surdas. Extintos todos os
serviços de informação então existentes, tanto o governo geral como o Comando Chefe das Forças Armadas ficavam impedidos de fazer face à gravíssima situação que se atravessava nessa altura da
eclosão dos motins. O general Silvino Silvério Marques rejeitou essas medidas de
extinção
dos serviços,
por considerá-las contra o espírito e a letra do Programa do M.F.A.
(2) O Major Mariz Fernandes contacta com
o Presidente da República, General Spínola, e este convoca à sua presença Costa Gomes e Almeida Santos. Depois
de ter exposto a situação gravíssima dos tumultos
de Luanda que os jornais de
Lisboa procuravam atenuar, minorizando os factos, o Major Mariz
Fernandes afirmou considerar a extinção dos serviços de informação impeditiva de fazer face à guerrilha urbana que então alastrava em Luanda. O General Costa
Gomes desmentiu-o e negou a existência e conteúdo do telegrama. Tendo o Major Mariz
Fernandes apresentado o telegrama, como prova da mentira e traição do general, este titubeou embaraçado: "Como é que anda, na algibeira, com um telegrama
secreto". Mariz
Fernandes retorquiu-lhe: "Como membro do Governo que sou, o telegrama, para mim, não é secreto. Além disso, como o próprio texto manda dar conhecimento das
medidas nele preconizadas, entendo que, a partir deste momento, deixou de ser
secreto, não é verdade? "
(3) O próprio Conselho do
Governo não queria e se opôs, unanimemente, a
que Silvino Silvério Marques, viesse a Lisboa !
SECRETO
Documento elaborado em reunião do Gabinete do Movimento das Forças Armadas de Angola, assistido por
delegados do mesmo na R M A até ao nível sector.
Atendendo a
que:
1. O Programa do Movimento das Forças Armadas preconiza "o lançamento dos fundamentos de uma política ultramarina que conduza à paz", a par do saneamento das
anteriores estruturas;
2. Não
se verificou até à data em Angola, qualquer atitude ou medida
a nível de Governo
Geral, que dê cumprimento ao
exposto em 1.;
3. Pelo contrário,
as estruturas governamentais continuam a ser servidas por indivíduos que se distinguiram no anterior
regime;
4. O descontentamento anteriormente expresso é comungado não só pêlos signatários, mas também pela maioria da população, que o tem deixado bem claro em várias manifestações escritas que têm chegado ao conhecimento deste Gabinete;
5. Dentro do espírito do Programa do Movimento das Forças Armadas, o processo de descolonização só pode ser levado a cabo com a participação directa dos elementos locais;
6. O Movimento das Forças Armadas se comprometeu a garantir a adopção das medidas preconizadas no seu Programa,
compromisso que não pode ser
assumido sem a sua comparticipação directa no processo Governamental, à semelhança do CE da Metrópole;
Propõe-se:
1.
Que seja demitido o actual Governo Geral de Angola e todos os
Governadores de Distrito;
2 Que seja
nomeado um Governador Geral para Angola por S. Exa. o Ministro da Coordenação Inter-Territorial, com a aprovação do GMFA
deste
Estado;
3. Que o Governador Geral nomeado, designe o elenco
Governamental entre elementos locais e/ou militares, com prévio sancionamento do referido Ministro e dó citado GMFA;
4. Que o Governo de Angola seja assistido por um órgão consultivo, tipo Conselho de Estado,
composto em maioria por elementos do MFA em Angola;
5. Que a proposta enunciada em 1., tenha execução no prazo de 72 (setenta e duas) horas,
contadas desde a sua recepção e conhecimento;
6. Que não
cumprido o prazo referido em 5., desta proposta, o MFA em Angola assume
implicitamente a obrigação da tomada das medidas adequadas, ou julgadas como tal, face à gravidade do actual momento em Angola e à sua previsível evolução.
SECRETO
EMGFA, 19 de
Julho de 1974
Acuso recepção da sua carta de 19 de Julho e em relação ao problema que expõe informo o seguinte:
1.
A
Comissão designada por
mim e pelo Ministério da Coordenação Inter-Territorial para se deslocar a
Angola a fim de apreciar "in loco" a situação e colaborar com o Governo Geral e com o
Co-mando-Chefe nas medidas a tomar para a solução da crise é portadora de instruções especiais que atendem ao assunto versado
na sua carta.
2. É minha intenção satisfazer o seu pedido pessoal,
porém, não considero que seja, nesta data,
conveniente fazê-lo, pelo que
tal terá de ser adiado
para melhor oportunidade.
3. Está a ser objecto de estudo a solução que mais convém para o problema, solução essa que terá de ser adoptada nos Estados de Angola e Moçambique, a fim de evitar que se repitam
incidentes como os que ocorreram em Luanda.
O original foi assinado e enviado ao seu
destinatário em MP
pelo Cndt. de Bordo da missão FAM Lx-Ld de 19-7-74.