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LIVROS & AUTORES QUE A MOÇAMBIQUE DIZEM RESPEITO
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Pouco depois de Adelino Serras Pires chegar a Moçambique, vindo de Portugal, o pai levou-o a uma caçada
aos leões que aterrorizavam a região. Esse momento decidiu o destino de Adelino: iria passar os seus
dias nas matas africanas, caçando para viver e vivendo para a aventura. Depois de uma juventude repleta
de acontecimentos aventurosos, transformou-se num grande organizador de safaris com uma lista de clientes
que incluía tanto membros da realeza africana, como dignitários europeus e americanos ricos... Ventos
de Destruição é um olhar dramático sobre a violência e o terror das guerras que assolaram o continente
africano e puseram em causa muito do seu futuro. Juntamente com o filho, o sobrinho e um colega caçador,
Adelino chegou a ser raptado na Tanzânia e entregue à polícia secreta de um Moçambique controlado pela
Frelimo. Adelino relata-nos com pormenores arrepiantes os meses de interrogatórios e torturas numa prisão
de Moçambique. Ventos de Destruição é a história das constantes desilusões de um homem à medida que
a agitação política e a corrupção se sobrepõem à beleza de África. Porém, mais do que isso, este livro
é um comovente retrato de uma vida em África que, por sua vez, é um retrato de um continente cheio de
sofrimentos.
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NOTA DA AUTORA
Estão prestes a ler a história extraordinária de Adelino Serras Pires,
uma história que cobre quase 65 anos da África pré e pós--colonial. Esta história, baseada em muitas
horas de gravações, numa volumosa documentação tanto de fontes públicas como confidenciais, e também
nas investigações levadas a cabo em vários países, diz respeito a um dos mais controversos membros dos
safaris internacionais. O texto, tendo como pano de fundo as savanas queimadas pelo sol, de pântanos
e de florestas equatoriais, com espessas copas, é povoado pela aristocracia europeia, por chefes de Estado,
por astronautas e altos dirigentes e proprietários industriais, por heróis da Segunda Guerra Mundial,
por barões vinícolas, pioneiros dos safaris africanos, agentes de serviços de informações e guerrilheiros,
bem como por todos aqueles que suportaram o fardo da selvajaria que varreu África nas últimas décadas,
os africanos do mato e a vida selvagem cujo mundo partilhavam. Este texto é colorido por gargalhadas,
entusiasmo, intriga política, cobardia e traição, tudo misturado com períodos de grandes realizações,
intensa felicidade, medos intestinais e tristezas. É também um texto com uma franqueza não apologética
e nada envergonhada das suas emoções, enquanto traça a notável vida de Adelino desde o momento em que
chegou as margens do rio Zambeze, em Moçambique, na véspera de Natal de 1936, ao som do repicar dos sinos
das igrejas e dos rugidos dos leões devoradores de homens do Benga, até ao alvor do novo milénio. Este
livro vai muito para lá dos confins de uma mera narrativa de aventuras de caça nos matos de África. É
uma história social, é um panegírico de recordações apaixonadas que, por vezes, vos irá deixar chocados
e irados. Ninguém consegue ficar indiferente aos acontecimentos ou ao homem à medida que os acompanhamos.
O paraíso da vida selvagem de Moçambique até ao irromper da revolução, Angola nas vésperas de guerra
civil, a guerra nos matos da Rodésia, o Quénia e o fim das caçadas, a República/Império Centro Africana
e os escândalos do marfim, o Sudão e a sua miséria humana, o Zaire e a cleptocracia de Mo-butu, ajudada
e encorajada pelo Ocidente, a Tanzânia e um dos mais infelizes episódios nos safaris de caça africanos,
os ranchos de caça da África do Sul e a subsequente intromissão na política da resistência em Moçambique...
fazem com que se trate de uma história intensa e quase sem paralelo. Os acontecimentos aqui descritos
são todos autênticos, tal como os nomes que surgem ao longo do texto. Foi utilizada a primeira pessoa
como artifício narrativo, a fim de que não se perdesse o impacte pessoal deste perturbador testemunho.
Fiona Claire Capstick
Waterkloof, Pretória
República da África do Sul
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PREFÁCIO Foi em 1962 que pus os pés pela primeira vez no continente africano. Tratou-se
de um caso de amor à primeira vista. A África estava-me no sangue, e nos sete anos seguintes mantive-me
muito activo no Uganda, na Tanzânia e na República Centro Africana. Ajudei, tanto no Uganda como na Tanzânia,
a pôr em andamento alguns excelentes programas de turismo e conservação da fauna. Para mim, tratava-se
simultaneamente de um prazer e de um negócio. Em 1969, depois de ter conhecido caçadores e viajantes
que haviam estado em Moçambique e que me tinham falado com grande entusiasmo daquele belo e pacífico
país, rico em caça e com um habitat magnífico, concluí que tinha de lhe fazer uma visita, a fim de explorar
as oportunidades para a realização de safaris de caça. Uma das primeiras pessoas que conheci em Moçambique
foi Adelino Serras Pires. Nascera em Portugal e fora para Moçambique ainda uma criança, de oito anos,
para a remota cidade de Tete, no rio Zambeze. Adelino lembra-se claramente de ouvir os sinos das igrejas
e os leões a rugirem na própria noite em que chegou a Tete. Passou quase imediatamente a ser um caçador
de leões devoradores de homens, na companhia do pai. Era um caçador nato, criado entre os animais e a
quem foi ensinado, ainda muito novo, que aquele recurso renovável tinha um grande valor para Moçambique.
Podemos imaginar quais terão sido os seus sentimentos, muitos anos mais tarde, quando acabou por testemunhar
a destruição de tanta da vida selvagem africana através da guerra e da cobiça. Com o seu carisma natural
e com um currículo de caçador profissional, Adelino era a pessoa indicada para ser convidada a dirigir
o que viria a tornar-se na maior empresa de safaris de toda África, a famosa Safrique. Um grande banco
português adquirira enormes áreas de caça que se estendiam desde o Zambeze até ao oceano Indico, cobrindo
quatro habitats diferentes a fervilhar de caça. Foram construídos belos acampamentos e lançado um vigoroso
programa para atrair a Moçambique um número cada vez maior de caçadores desportivos internacionais. Adelino
e eu entendemo-nos imediatamente e estabelecemos uma amizade para toda a vida. Eu e os meus irmãos, Chris
e Gene, operávamos o maior serviço mundial de taxidermia e de organização de caçadas a partir de Seattle,
e tinhamo-nos especializado em operações na África e na Ásia. Adelino nomeou-me director conselheiro
da Safrique, e os anos que se seguiram foram repletos de êxito. Iam a Moçambique caçadores vindos de
todas as partes do mundo, o que constituía uma grande ajuda para a abertura de um programa de gestão
da caça e criava também empregos sustentados para centenas de africanos. O país encontrava-se em paz
e inteiramente integrado. Tudo isto terminou, em 1975, quando o Governo português libertou as suas
colónias. Estados esses que posteriormente juntar-se-iam a tantos outros países africanos lançados no
caminho dos conflitos e da destruição. Depois da queda de Moçambique, Adelino foi desapossado de tudo
o que possuía, e abandonou a terra que tanto amava apenas com a roupa que levava vestida. Caçador pioneiro,
especialista em gestão de caça e organizador de safaris, Adelino dirigiu-se para Angola, para a Rodésia
e para o Quénia. A Europa não era para ele. Entretanto eu seguira para a República Centro Africana,
a fim de assinar um contrato com o presidente Jean-Bédel Bokassa. Muito em breve já dispunha de uma das
melhores concessões de caça em África, onde construí uma grande e florescente empresa de safaris. Quando
partimos, lamentavelmente, a companhia foi reduzida a nada em menos de um ano. Os americanos pediram-me
para os ajudar a encontrar uma pessoa apropriada para a dirigir e ressuscitar. Disse-lhes que se o Adelino
Serras Pires aceitasse a proposta, então teriam o melhor homem do continente, alguém que falava as línguas
locais e que possuía tanto a experiência como a integridade. Adelino voltou a aceitar o desafio. Em
1973 encontrava-mee no último safari no Zaire com os astronautas capitão James Lowell, da famosa Apollo
13, Stuart Roosa, da Apollo 14, e ainda Charles E. Wilson, filho do antigo presidente da General Motors.
Por sugestão do príncipe Abdor-reza, o famoso caçador e irmão do último xá do Irão, o presidente Mobutu,
do Zaire, mandara suspender a caça para que pudesse ser nomeada uma nova empresa concessionária, que
começasse tudo de novo. Adelino e eu continuámos a trabalhar com o presidente Mobutu para a reabertura
da caça naquele gigantesco coração de África, o que acabou por se concretizar em 1983, quando foi assinado
um contrato com o Governo do Zaire, sendo Stan Studer o nosso maior accionista. Depois de enormes despesas
e de um grande investimento em tempo e esforços, a empresa ficou completamente equipada e pronta para
iniciar a actividade. Da noite para o dia, o Governo do Zaire rescindiu o contrato o que me levou a concordar
com o Adelino: não há nada de novo em África. Muito do que lerão a seguir irá perturbar-vos, mas trata-se
da verdade, contada por um homem com uma franqueza sem compromissos. A história é a história e pode por
vezes ser muito desagradável, tal como as guerras, a fome e outros desastres naturais. Este livro cobre
mais de seis décadas de experiências pessoais em nove países africanos, e engloba épocas de triunfo,
de turbulência e de tragédia. Fiona Capstick é viúva do famoso escritor americano, Peter Hathaway
Capstick, cujos 13 livros sobre a caça e a aventura em África continuam a desempenhar um papel central
na promoção deste continente como um destino para safaris de caça. Como irão descobrir, ela está perfeitamente
equipada para partilhar esta história de África, que é singular e excitante.
Bert Klineburger
San António, Texas
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PRELÚDIO
Não conseguia andar. Os meus pés eram balões que enegreciam rapidamente num inchaço
de agonia, isto porque tinha os tornozelos bem amarrados com câmaras-de-ar de pneus de bicicleta. As
mãos eram dois bulbosos montes de fogo, com os pulsos também apertados com tiras de borracha. Estava
vendado e descalço quando fui empurrado e arrastado para fora de um veículo. O som dos motores a jacto
disse-me que estávamos a ser conduzidos para um aeroporto. Fui obrigado a subir alguns degraus com um
membro da polícia secreta tanzaniana de cada lado, metido num avião e atirado para um assento onde me
removeram a venda. Sentado à minha frente encontrava-se o meu filho, Adelino Jr., mais conhecido por
Tim-Tim, o meu sobrinho Carlos Artur, conhecido por Caju, e um colega caçador português, também meu parente,
Rui Monteiro. O horror que vi nos seus rostos é algo que gostaria de apagar das minhas recordações daquele
dia terrível, 29 de Agosto de 1984, na Tanzânia. Levantámos do aeroporto de Quilimanjaro. Encontrava-me
numa tal agonia, a gritar de dor por causa das borrachas que me apertavam cada vez mais as mãos e os
pés, que pensei que iria acabar por morrer. O meu filho e os outros conseguiram convencer os patifes,
que seguiam a bordo do avião especial, fornecido por Julius Nyerere, o presidente da Tanzânia, a cortarem-me
as ataduras de borracha. O sangue começou novamente a fluir para as minhas extremidades, as dores aumentaram
e senti-me à beira da perda de consciência. O meu filho esfregou-me as mãos numa desesperada tentativa
de impedir aquilo que mais temíamos, a gangrena. O aparelho ganhou altitude, e todos nós pensámos
que nos dirigíamos para o porto marítimo tanzaniano de Dar-es-Salaam. É irónico recordar, quando escrevo
estas linhas, que esse nome significa "abrigo de paz"... numa altura em que todos nós nos encontrávamos
às portas do inferno. Encontrava-me virado para a traseira do avião quando reparei que o Sol passara
a estar numa posição errada. Via-o à minha direita, o que significava que se encontrava à esquerda do
jacto, íamos para sul, para Moçambique. Isso só podia significar uma coisa: estávamos prestes a ser postos
nas mãos da Polícia Secreta Moçambicana. O meu filho Caju e o Rui haviam sido cercados e presos no
meio de um safari com um casal americano do Texas. Eu fora detido subitamente no hotel, em Arusha, onde
fazia um breve intervalo depois de ter acabado de completar um safari de duas semanas, na concessão de
Ugalla, com Valéry Giscard d'Estaing, o antigo presidente da França. Nenhuma experiência, anterior
ou posterior, se aproximou daquilo que tivemos de suportar. Não podia ter previsto o selvagem safari
de depravação e de enganos que jazia à nossa frente. Entontecida pela dor e pelo choque, a minha mente
retrocedeu no tempo, mergulhada em algo semelhante a um coma, até àquele dia de 1936 em que desembarquei
na Beira, Moçambique, e que agora se encontrava por baixo do jacto, mas a toda uma vida de distância.
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CAPITULO I - A Infância no Zambeze
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CAPITULO II - Vida na Selva
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CAPITULO X - Consequências
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Edição em Português de Abril de 2002
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