A BIBLIOTECA DO MACUA

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LIVROS & AUTORES QUE A MOÇAMBIQUE DIZEM RESPEITO



JOÃO SILVA MAIA



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BIOGRAFIA


- nascido em Lisboa, 1941;
- economista pelo ISCEF-Lisboa, 1964;
- casado com Maria Helena, 1966; três filhos;
- funções de Direcção Bancária em Angola, Moçambique, Portugal e Luxemburgo, 1967 a 1986;
- desde a adesão de Portugal à União Europeia, Administrador Principal de grupos políticos no Parlamento Europeu (actualmente do Partido Popular Europeu);
- membro do Cercle Littéraire dês Communautés Européennes;
- membro do Club International dês Grands Voyageurs.


BIBLIOGRAFIA



- Publicado: " Pura Interrogação ", poesia, Ed. Pax, Braga, 1966.
- Inédito: " Ilha do Êxtase ", poesia, 1968 - menção honrosa do concurso literário da Câmara Municipal de Sá da Bandeira;
-60 Dias que não mudaram a face do Mundo ", •      crónicas, 1984;
- Se houver porto e houver chegada ", poesia, 1996.


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O jogo das almofadas, Tóquio, 1991. À esquerda do autor, com um joelho em terra, o Sr. Tsutomu Hata, mais tarde Primeiro-Ministro do Japão.


Luísinha e as bonecas da montra

Luisinha diz adeus às bonecas da montra
Está na hora das meninas pequeninas irem para a cama
E os papás amanhã têm de trabalhar logo às oito
Domingo que vem havemos de voltar
Se as bonecas ainda cá estiverem podes sonhar outra vez
Que são todas tuas e ainda sobram para dares às amigas
Estás autorizada a sonhar aos domingos e dias feriados
Quando as lojas estão fechadas e os papás não trabalham
Nos outros dias o sonho é perigoso porque o dinheiro está contado
Tem de durar para um mês o ciclo inevitável das finanças familiares

Luisinha diz adeus às bonecas da montra
Elas também precisam de ir dormir
Amanhã é dia de trabalho para elas têm de estar bonitas
Quando vierem as meninas dos pais que não têm problemas
As meninas cujos problemas são escolher as bonecas

Mas escolher as bonecas que hão-de deixar não as que hão-de levar
O domingo é um dia maçador para essas meninas
Pois não podem nas lojas cumprir o seu destino de escolher
O domingo não devia de existir em certos casos
Como este de não ser possível escolher mais bonecas nas lojas

Luisinha diz adeus às bonecas da montra
Quando adormeceres terás muitas bonecas para brincar
Pois o sonho também faz parte da vida
Mas quando cresceres nem sempre pautes a vida pelo sonho
O sonho é um refúgio quando a vida é um enigma

Luisinha diz adeus às bonecas da montra
Hás-de perceber mais tarde porque só passeias ao domingo
Quando isso acontecer saberás que a vida é complexa
Tal como a descrevem os manuais dos sociólogos

E todos nós esforçadamente o provamos uns por cima outros por baixo

Luisinha diz adeus às bonecas da montra
E vamos à vida com o orgulho de sermos gente
Vamos dizer à vida que a ela não a aceitamos nas montras
Com preço marcado e tudo embora haja por aí cavalheiros
Com muita vocação para a negociar ponto final


Luanda, Dezembro de 1969



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Amor 3 - Ilha de Moçambique


Nem todos nós já vimos um nascer do sol sobre o mar. A geografia conta e portanto a maior parte dos gregos e dos argentinos já, mas não dos portugueses. Ver um nascer do sol sobre o mar era para mim uma vontade pueril, não realizada ainda mas querida, eu que me habituara a ver tantos pôr do sol sobre o mar, centenas senão mais. Ainda antes de germinar em mim o poeta cuja semente eu era, já descobrira que o mar rima com amar, embora o amor não rime com sol; mas entre o mar e o sol há - como entre amar e o amor - uma história transparente. Ela repele-se duas vezes por dia, quando ele nasce e quando finda. Ele, sol. Ele, mar, é mais possessivo e assegura a sua presença mesmo quando a noite faz do sol o esquecimento. Eu ambicionava desde há tanto ver um nascer do sol sobre o mar. Cada um tem a sua ambição particular, na realidade várias, mas uma mais ambicionável que as outras, não é segredo para ninguém, salvo os que não têm (já? ) ambições. Cada vez que via um pôr do sol sobre o mar, ou seja muitos, à alegria estética do acto juntava-se sempre, inexoravelmente, o desconforto ( a angústia, sim ) de que o sonho ainda por viver de ver um nascer do sol sobre o mar não era mais que sonho, invenção de sonho, isso sim. Invenção do apetecível, qualquer coisa no interior da fronteira do desejo. Ah! o desejo, esse dragão que desconfio, tenho a certeza, nunca quererei matar - decerto quando o matar, matar-me-ei a mim mesmo. Tu achaste curiosa a comparação com o dragão; mal sabias - se é que sabias, mas decerto não sabias - que nesse instante estavas a criar um dragão entre nós, só para nós, um dragão que ia precisar de algum tempo de gestação, mas não muito, um dragão de desejo que ia crescer, crescer, crescer e nós nunca haveríamos de querer, muito menos de crer, que deixasse de crescer. Não deixou. O dragão do nosso desejo alimenta-se de tudo o que aparece, um olhar, seja ele cúmplice ou ingénuo, um sorriso, seja ele breve ou prolongado, um mão na mão natural mas intenso, um pôr-te a mão no ombro, ou algures, um beijo intemporal ( sim, os nossos beijos são sempre intemporais, porque não há medida de tempo que os meça ). O dragão do nosso desejo alimenta-se de nós próprios e nunca haverá um São Jorge que o abata, a lenda não é possível, viável, na nossa história, que é a história do amor que existe uma vez única na História. O dragão do nosso desejo é selvagem e determinado e implacável - e assim é que está certo, porque os dragões não foram inventados para serem convencionais. Um nascer do sol sobre o mar seria, será, a realidade do sonho, disse-te igualmente - e tu sorriste, mas não compreendi se pelo sonho, se pela realidade. Que importa, sorriste e isso era tudo. Havia como que um nascer do sol sobre o mar no teu sorriso, certeza, não hipótese, e isso era garantia que um dia havíamos de ver juntos um nascer do sol sobre o mar, juntos e cúmplices, juntos e serenos, com a serenidade da primeira madrugada do primeiro dia do mundo. Havíamos de ver e, como se fora um dever, fartamos amor com a cumplicidade serena da primeira vez, mesmo que, muito provavelmente, ela não fosse nem serena nem a primeira vez. É que o dragão do nosso desejo está cada vez mais selvagem e imprevisto e indomável - e assim é que está certo, porque isso nos faz felizes. A felicidade é a única palavra que conta, ou seja, não é a palavra mas o que ela quer dizer, a felicidade é aquilo que chega por acréscimo quando já se tem tudo o que parece natural ter, é como o mais leve que a água que vem sempre, inexoravelmente, à superfície, mesmo contra a vontade dos ímpios. O nascer do sol sobre o mar estava nos teus lábios e, assim, eu beijei-o pela primeira vez antes de o ver, estava no teu seio e, assim, eu acariciei-o pela primeira vez antes de o ver. De facto, havia um nascer do sol sobre o mar no teu corpo, ou seria talvez que eu seja o sol e tu o mar? Ah!, como tem imaginação fecunda o desmedido dragão do nosso desejo - e assim é que está certo, porque a imaginação é o verdadeiro oxigénio do amor e só o amor que respira consegue gerar mais amor ( ainda ). O amor que respira - eis uma ideia viva, ou seja, não é a ideia mas o que ela quer dizer, o amor que respira é aquele que floresce, que porfia e confia que o amanhã se deve de ser, por vocação, melhor que o hoje. Tudo em ti me sabia a um nascer do sol sobre o mar, por isso, chegou enfim o dia da minha vontade pueril. Foi de mãos dadas que as primeiras claridades do dia nos apanharam, na calma ancestral e silente da ilha de Moçambique. O dragão tinha-se saciado, o nosso, de noite. Só os pássaros, atarefados, faziam barulho, eles que não têm dia de descanso. A claridade foi aumentando, ao ritmo do trópico africano e nós ali estávamos à espera. Também para ti aquele seria o primeiro nascer do sol sobre o mar da tua vida. Enfim, um ponto vermelho saiu da linha marinha do horizonte e foi-se expandindo. Em breve o disco vermelho estava completo e triunfante, contraponto ao azul do espaço. Estava ganho para nós o primeiro nascer do sol sobre o mar das nossas vidas. Mas qual é, afinal, o valor disso, quando ao mesmo tempo o dragão, o nosso, acorda de novo e reclama a sua pitança? Não nos resta senão servi-lo!

(continua)


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Edição de 1999

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