A BIBLIOTECA DO MACUA

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LIVROS & AUTORES QUE A MOÇAMBIQUE DIZEM RESPEITO



MANUEL GAMA AMARAL



3 - DIVERSÕES

3.1 -Jogos

Para entretimento têm os Wayao vários jogos. Dou a seguir a descrição de alguns, de entre muitos:

  N'doto (pequeno fruto, rijo). - O jogo do ndoto é essencialmente feminino e desenvolve-se pela seguinte forma:
  Quatro ou mais mulheres sentam-se no chão em volta de um pequeno buraco, aberto para o efeito, de cerca de 10 cm de diâmetro por 5 ou 6 cm de profundidade, com o fundo côncavo. No buraco são juntas pedrinhas arredondadas ou pequenos frutos rijos (daí o seu nome), em número variável, mas, geralmente, vinte ou trinta, sempre dezenas completas (por hábito, certamente, pois outra razão não parece haver). Uma das mulheres pega em uma das pedrinhas, com a mão direita, e lança-a ao ar, na vertical. Antes de recuperar a pedrinha, com um gesto rápido, tem de esvasiar o buraco de todas as restantes. Se teve êxito ganhou a pedrinha que tinha lançado ao ar, pondo-a de parte.
  Do montinho formado pelas pedrinhas retiradas do buraco, escolhe uma, que, do modo descrito, lança ao ar. Do mesmo modo, antes de recuperar a pedrinha, com um gesto rápido, tem de encher o buraco com as pedrinhas que anteriormente havia retirado, à excepção das que haja ganho. Se executou com êxito a manobra, ganhou outra pedrinha que junta à anteriormente ganha.
  Ganha o jogo se conseguir obter, pela forma indicada, todas as pedrinhas; qualquer falha faz com que tenha de passar a mão, perdendo as pedras que já tenha ganho, passando a antagonista a proceder de forma idêntica.
Este jogo pode ser singular ou por grupos, geralmente de quatro mulheres cada grupo; se uma mulher de um grupo falha, todo o grupo perdeu o jogo. A mulher ou o grupo que ganha é aplaudida pelas restantes.

  Coo (lugar sem árvore, especialmente uma colina - pl. yao). - O jogo Cao é praticado por rapazes e raparigas, num ribeiro ou lagoa. Um dos intervenientes no jogo segura uma espiga de milho e grita: "Cao'co! cao'co cao'co!" a chamar a atenção dos restantes que lhe respondem: "E-e-h". Então ele atira a espiga tão longe quanto possa, para dentro de água e todos se precipitam para ela em tropel. Quem se apoderar da espiga ganha o jogo.

  Ciputa. - É jogo praticado por rapazes e por raparigas, especialmente, sendo-o, também, por homens e por mulheres.
  No chão é desenhado um trajecto em espiral e, ao longo dele, cavados pequenos buracos, a espaços irregulares.
  O buraco do meio é chamado "a povoação" (musi) ou "a povoação capital do chefe" (msindo) e o último, Quelimane (Cwabo), em alusão ao centro comercial da Zambézia, muito visitado pelos wayao.
  Cada jogador tem uma semente. Um coloca a palma da mão esquerda no chão e atira terra sobre a mão com a direita, onde tem a semente, conservando-a fechada.
  O outro jogador tem de adivinhar se o primeiro atirou a semente com a terra ou a reteve na mão.
  Se o adivinhador se engana, o que atira a terra desloca uma "pedra" para o buraco seguinte e continua a atirar; se o adivinhador acerta, é ele quem avança uma "pedra" de um buraco, passando a atirar a terra e o outro a adivinhar.
  Quando um jogador alcança o "Cwabo" exclama: "Tu, tu, tu, tu!", apanha as pedras do opositor, cospe-lhes e deita-as fora.

  Cyukuta (soprar). - Este jogo é praticado por homens e por mulheres.
Acocoram-se ou sentam-se no chão, formando roda, um número par de mulheres ou de mulheres e de homens. Uma outra mulher ou homem, fica de fora da roda com um lenço na mão, iniciando uma dança à volta da roda e cantando: "Cyukutance moto!" - "soprem o fogo!". Os que estão sentados, batendo com as palmas das mãos no chão, respondem: "Cisyana majela!" - "para fabricar enxadas!". Depois de algumas voltas a dançar e a cantar, o jogador de fora, toca com o lenço em um dos que estão sentados que se levanta e, dançando, aproxima-se do primeiro de quem recebe o lenço, depois de se tocarem os joelhos, em sinal de despedida. Trocam de lugares e o jogo continua. O último jogador que recebeu o lenço, depois de todos os outros o terem já recebido, perde o jogo, pois não tem a quem o entregar.

  Libao (109). - O libao, ubao ou mvombwa é jogado, em várias modalidades, por toda a África. Descrevo duas das variantes mais comummente adoptada pelos wayao:

  Tabuleiro do jogo - o tabuleiro para o jogo do libao é uma peça de madeira, rectangular, de tamanho variável, com trinta e duas cavidades semiesféricas (nyumba - casas) dispostas em quatro linhas de oito cavidades cada uma, paralelas aos lados maiores do rectângulo. Nas duas linhas do meio, isto é, na segunda e na terceira linha a contar de qualquer dos lados maiores do tabuleiro, duas das cavidades são maiores do que as restantes e podem não ser semi-esféricas mas sim de secção horizontal rectangular ou quadrada. Estas duas cavidades são designadas por "ngokwe = celeiro" ou por "misi = povoações" e a sua localização nas linhas é tal que, na linha em que cada uma se encontra, o jogador a que pertença, deve ter quatro cavidades normais à sua direita.
  Disposição dos jogadores - os jogadores tomam a mesma posição que perante um tabuleiro de xadrez. Pertencem a cada jogador, as duas linhas de cavidades que tem à sua frente: a que está mais próxima de si com oito cavidades normais, e a seguinte, com quatro cavidades normais à sua direita, o ngokwe, e três à esquerda, o que prefaz as oito.
  Significado do jogo - o tabuleiro representa um campo de batalha em que as duas linhas do meio que se defrontam, e que pretencem uma a cada jogador, são as primeiras linhas de combate, e as duas restantes linhas, as segundas linhas ou de reserva.
  Meios de realizar o jogo - cada jogador conta com trinta e dois guerreiros representados por trinta e duas pedrinhas (ou pequenas sementes rijas) que distribui, inicialmente, pelos seus dezasseis postos, isto é, dois por cada cavidade, incluindo o seu ngokwe.
  Início do jogo - o jogo é iniciado por um dos jogadores, por acordo mútuo, não havendo qualquer razão de preferência.
  Nomenclatura simbólica usada na descrição - primeira linha: cada uma das linhas do meio do tabuleiro, que contêm o ngokwe; segunda linha: cada uma das restantes; celeiro: ngokwe; primeiro jogador: aquele que inicia a partida; segundo jogador: o parceiro do primeiro; jogada: movimentação ininterrupta das pedras, por um jogador, até o momento em que tenha de passar a mão ao outro jogador; casa: cada uma das cavidades à excepção do celeiro; comer as pedras: apoderar-se dos dados do antagonista.
  Primeira jogada - a primeira jogada é, obrigatoriamente, iniciada a partir de qualquer casa da primeira linha à excepção do celeiro; no sentido da direita para a esquerda quando joga na primeira linha; invertendo o sentido quando passa para a segunda linha; voltando ao sentido direita-esquerda quando volta à primeira linha e assim por diante.
  O primeiro jogador apodera-se de duas das suas pedras existentes na casa que escolheu para iniciar o jogo e distribui-as pelas duas casas imediatamente à esquerda que, por isso, ficam com três pedras cada. Retira as três pedras da segunda casa e distribui-as pelas três casas seguintes, incluindo o celeiro se tal calhar. Continua a distribuição, passando para a segunda linha quando for caso disso. Continua da mesma forma, passando para a primeira linha e, então, dois casos se podem dar: 1.° a distribuição acaba numa casa que esteja sem pedras; o primeiro jogador perde a mão, passando-a ao segundo jogador; 2.° a distribuição termina em casa que tenha outras pedras e, se assim for, dois casos, ainda, se podem dar:

a) Apoderar-se das pedras existentes nas duas casas, em frente, do segundo
  jogador (casas da primeira e da segunda linha) e retirando-as do jogo
 (o que só faz por ser a primeira jogada);
b) Ou, então, por ser a primeira jogada (que é considerada de aviso, e só
  por ser a primeira jogada), continuar o seu jogo, isto é, retirar a
  última pedra que depositou, juntamente com as que já estavam na casa e
  continuar a distribuição unitária pelas casas seguintes.

  Nesta primeira jogada o primeiro jogador é obrigado a passar a mão: 1.° quando termine a distribuição unitária das suas pedras em casa desocupada da primeira ou da segunda linha; 2.° quando, terminando a distribuição unitária de pedras em casa ocupada da primeira linha resolva apoderar-se das pedras do segundo jogador que estejam nas duas casas em frente (da primeira e da segunda linha do segundo jogador). Essas pedras são retiradas de jogo. É obrigado a continuar a jogada: quando termine a distribuição de pedras em casa ocupada da segunda linha. Tem a faculdade de continuar a jogada: quando terminando a distribuição unitária de pedras em casa ocupada da primeira linha resolva não comer as pedras do segundo jogador.
  Segunda jogada - o segundo jogador inicia a jogada a partir de qualquer cavidade da primeira linha, à excepção do celeiro e da direita para a esquerda, por ser a sua primeira jogada. Procede como o primeiro jogador tendo liberdade de, nesta sua primeira jogada, comer ou não comer as pedras do primeiro jogador quando termine a distribuição unitária em casa ocupada da primeira linha, de acordo com o seu interesse na distribuição das pedras. O uso desta faculdade só é permitido nesta primeira jogada do segundo jogador enquanto não percorrer todas as dezasseis casas uma vez, pois que à segunda vez, se tiver posição que o permita, é obrigado a apoderar-se das pedras do primeiro jogador que estejam nas duas cavidades em frente. Apoderando-se delas, adiciona-as às suas próprias, existentes na casa que lhe deu direito a comer, e continua a distribuição pelas casas seguintes.
  Se a distribuição acaba em casa desocupada da primeira ou da segunda linha, passa a mão;
  Se a distribuição acaba em casa ocupada mas não tem possibilidade de comer pedras do primeiro jogador pelo facto de a casa em frente, da primeira linha, estar vazia, ainda que a da segunda linha tenha pedras, passa a mão; Se apenas a cavidade em frente, da primeira linha, tem pedras, apodera-se delas e continua a jogada;
  Se é apenas a da segunda linha que as tem, não as pode comer;
  Se ambas as têm, come-as todas e continua a jogada.
  Da segunda jogada em diante - pode-se iniciar a jogada partindo de qualquer casa incluindo o ngokwe; da primeira ou da segunda linha, e em qualquer sentido - direita-esquerda ou esquerda-direita -, com a condição de manter o mesmo sentido, em cada linha, até o fim da jogada. O jogo prossegue da forma já indicada.
  O jogo tem de ter carácter agressivo, isto é, não são permitidos movimentos de pedras que, obviamente, não conduzam ao ataque.
  O jogo termina logo que um dos jogadores deixe de ter pedras em todas as casas da primeira linha, embora as tenha na segunda, ou quando, pelo reduzido número de pedras de que dispõe já não possa operar convenientemente.

  Segunda variante - cada jogador faz uma distribuição inicial das pedras pelas dezasseis casas que lhe pertencem (quinze casas mais o celeiro). Esta distribuição destina-se, apenas, a conferir o número de pedras de cada jogador - trinta e duas.
  Depois de conferidas por este processo, cada jogador retira as suas pedras das respectivas casas, à excepção das que estão na primeira linha, nas quatro casas do lado direito e no celeiro (dez pedras por cada jogador). Com as vinte e duas pedras que retirou, cada jogador faz um monte fora do tabuleiro do libao.
  Inicia o jogo um dos jogadores, não havendo razão de preferência tal como na primeira modalidade descrita.
  Do seu monte de vinte e duas pedras, o jogador que abre o jogo, retira uma pedra que junta às duas de qualquer das suas casas, à excepção do celeiro. Com as três pedras efectua o seu jogo pela forma descrita na primeira modalidade. Se termina a distribuição em casa vazia, passa a mão; se termina em casa ocupada, por ser a primeira jogada, considerada de aviso, pode ou não comer, conforme ache que lhe convém, prosseguindo a jogada.
  Se passou a mão, o segundo jogador retira uma pedra do seu monte e procede da mesma forma: junta-a às duas existentes em qualquer das suas casas ocupadas, à excepção do celeiro e faz o jogo: se termina a distribuição em casa desocupada, passa a mão; se em casa ocupada, pode ou não, comer, visto ser a sua primeira jogada, prosseguindo-a.
Passada a mão ao primeiro jogador, este retira nova pedra do seu monte e adiciona-a às existentes em qualquer casa à excepção do celeiro e faz o jogo, distribuindo as pedras pelas casas seguintes (seguindo em qualquer direcção - para a direita ou para a esquerda - mas mantendo o mesmo sentido em cada jogada: se inicia da direita para a esquerda na primeira linha, ao passar para a segunda linha terá de caminhar da esquerda para a direita e vice-versa). Esta opção mantém-se até ao fim do jogo, a partir da segunda jogada de cada jogador, tal como na primeira modalidade descrita.
  Se termina a distribuição em casa desocupada da primeira ou da segunda linha, passa a mão; se em casa ocupada, dois casos se podem dar: 1.° tem de comer as pedras do adversário se tiver acabado em casa sua ocupada, da primeira linha, e na casa em frente do adversário houver pedras, com as quais, e só com essas, continua a jogada; 2.° continua a jogada sempre que termine a distribuição em casa sua ocupada, da segunda linha ou da primeira linha cuja casa em frente esteja vazia ou seja o celeiro (neste caso pode comer as pedras do celeiro ou deixar de as comer, consoante lhe convenha).
  Se acabar em casa sua ocupada da primeira linha pode não comer as pedras do adversário se a casa em que tiver terminado a distribuição for a que está em frente ao celeiro do adversário; é obrigado a comer se for outra a casa em frente. Comendo, apodera-se das pedras existentes na casa em frente -primeira linha do adversário - e só com essas prossegue a jogada, ao contrário da primeira modalidade, em que junta às suas próprias pedras, da casa em que termina a distribuição, as das casas correspondentes da primeira e segunda linha do adversário, para prosseguir.
  Para início de cada jogada, o jogador retira, sempre, uma pedra do seu monte, enquanto tiver, deixando de o fazer quando as tiver esgotado, efectuando, no entanto, as jogadas, diminuídas dessa pedra inicial.
  O objectivo do jogo é destruir o inimigo ou inibi-lo de poder oferecer resistência, sendo essencial manter em xeque o celeiro do inimigo por ocupação, sempre, com algumas pedras, da casa que se lhe opõe de modo a poder contra-
-atacar, se o adversário atacar o seu celeiro, por cálculo de distribuição de pedras que nessa casa venha a terminar e que lhe faculte comer as do celeiro do adversário.
  Da mesma forma que na primeira modalidade, o jogo tem de ser agressivo, não sendo de admitir manobras dilatórias sob pena de perda das pedras que deviam ter sido mudadas para que a agressividade do jogo se mantivesse.
  Visto só se poder comer a partir da casa ocupada da primeira linha, o jogador terá o jogo perdido quando tiver a totalidade ou a maior parte das casas da primeira linha, desocupadas, pois fica sem oportunidade imediata de comer as pedras do adversário, com o qual fica toda a vantagem.

(
109) Libao ou ubao, ou mcombwa (Swah. Baú = tábua grossa).

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ALGUNS TEXTOS E FOTOS

CAPITULO I - ESBOÇO GEOGRÁFICO E RESUMO HISTÓRICO
9 - A origem do Povo Yao, segundo a tradição
10 - A dispersão do Povo Yao
11 - Migrações
12 - Distribuição geográfica dos wayao na Provincia de Moçambique
13 - O Sultanato mataka
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FOTOS
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Edição de 1990

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