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LIVROS & AUTORES QUE A MOÇAMBIQUE DIZEM RESPEITO
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Lourenço Joaquim da Costa Rosário nasceu em 1949, em Marromeu, Moçambique. É licenciado em Línguas
e Literaturas Modernas, variante Português/Francês, pela Universidade de Coimbra, em Portugal, e Doutorado
em Letras, especialidade de Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, pela mesma Universidade, desde
Janeiro de 1987. Tem leccionado em várias instituições de ensino superior de renome internacional
como, entre outras, a Universidade de Hamburgo, na Alemanha, Universidade de Milão, em Itália, Universidade
Federal de Minas Gerais, no Brasil, sendo actualmente professor da Universidade Nova de Lisboa e Reitor
do Instituto Superior Politécnico e Universitário - ISPU - em Maputo, Moçambique. Tem também a seu
cargo a orientação de trabalhos de licenciatura, mestrado, doutoramento e pós-doutoramento. Com várias
obras publicadas, é inúmeras vezes solicitado para participar como orador em congressos e conferências.
Para além de outras funções ligadas à defesa e preservação da língua portuguesa, faz também parte do
seu vastíssimo currículo a Presidência do Projecto Fundo Bibliográfico da Língua Portuguesa.
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O Coelho e a Hiena
O coelho e a hiena eram amigos. Um dia, a hiena que estava a passear
sozinha, passou por uma povoação e viu algumas raparigas a pilar. Entre elas havia uma muito bonita e
que se chamava Chipha Dzuwa. A hiena disse: "Es muito bonita, casa comigo". A rapariga respondeu:
"Primeiro tens de falar com os meus pais, traz o teu padrinho. E caso contigo". Entretanto, o coelho,
que pouco depois passou pela mesma povoação, apaixonou-se pela mesma rapariga. "Casa comigo", disse-lhe
o coelho. "Não posso, já dei a minha palavra à hiena. Ele vem apresentar-se aos meus pais", respondeu
a rapariga. O coelho começou a soltar grandes gritos e a rebolar-se no chão. Riu e zombou da rapariga:
"Não compreendo nada. Então tu, tão bonita que és, casas com um qualquer? Não sabes que a hiena é meu
serviçal e serve-me de cavalo quando entendo?" "Não acredito, apresenta-me provas", pediu a rapariga,
humilhada e espantada. Quando o coelho se encontrou com a hiena, nada disse. Esta, porém, estava feliz
e pediu ao amigo para ser seu padrinho no dia da apresentação aos pais. O coelho fingiu: "Não sei, amigo,
é que não ando lá muito bem. Além disso, piquei-me num pé e não consigo caminhar longas distâncias".
A hiena ofereceu-se logo cheia de boa vontade: "Não faz mal, eu carrego-te às costas. O que eu quero
é que vás apresentar-te aos pais da Chipha Dzuwa". Mas o coelho insistiu: "Tu andas muito depressa, tenho
receio que me deixes cair. Só se permitires que eu ate uma corda ao teu pescoço". A hiena estava por
tudo naquele momento. Aceitou. No dia combinado, lá foram os dois, o coelho no dorso do amigo e com
as mãos na corda. Quando chegaram à povoação, o coelho começou a fazer manobras como se estivesse montado
num cavalo e logo que viu a rapariga, começou a gritar: "Corre depressa, aí está a nossa amiga". A hiena,
que não tinha percebido ainda o que o coelho estava a fazer, correu mesmo. Ao chegarem ao pé da rapariga,
o coelho saltou para o chão e disse-lhe: "Estás a ver como eu tinha razão? A hiena é ou não o meu servidor
fiel?" Esta apercebeu-se então do que estava a passar-se e ficou de tal maneira envergonhada que fugiu
para bem longe. E o coelho casou com Chipha Dzuwa.
O Coelho e o Cágado
O coelho
e o cágado eram amigos. Certo dia, combinaram semear, juntos, feijão jugo. Quando o feijão ficou
maduro, colheram-no e foram cozê-lo. Enquanto preparavam a refeição, o coelho disse: "Amigo, lembrei-me
agora que tinha de ir dar um recado a uma pessoa. Não me demoro, volto já". O cágado prometeu que esperaria
por ele. Tendo-se afastado uns metros, o coelho começou a atirar pedras contra o companheiro. Este,
vendo-se numa situação inesperada em que corria o perigo de apanhar uma pedrada, fugiu e deixou abandonada
a panela do feijão. Então, o coelho aproximou-se e comeu tudo sozinho. Depois espalhou as cascas à volta.
Quando o cágado regressou, passado o medo, o coelho mostrou-se aborrecido. O cágado pediu desculpas e
disse: "Se calhar foram os macacos". "Se calhar", respondeu o coelho. Nos dias seguintes, o coelho
repetiu a cena e foi comendo sozinho o feijão. Um dia, o cágado que já havia muito que andava desconfiado
daquelas saídas do coelho à mesma hora, fingiu que fugia quando o coelho começou a atirar-lhe pedras.
Escondeu-se por detrás de uns arbustos e observou atónito quem era afinal o autor das pedradas. E resolveu
por sua vez pregar-lhe uma partida. Disse o cágado: "Olha amigo, desde que colhemos o feijão, não nos
lembrámos dos espíritos dos nossos antepassados. Eles habitam este riacho. Se calhar até são eles quem
nos anda a atirar pedradas. Atiremos, pois, algum feijão para o rio". O coelho, que respeitava as crenças
e ficava cheio de medo quando se falava em espíritos, concordou com o cágado e atiraram todo o feijão
à água. O cágado, que tem possibilidades de viver na água e fora dela, entrou para dentro do rio e comeu
o feijão todo. A cena repetiu-se nos dias seguintes. O coelho não estava a gostar da situação. Desconfiado,
enfiou um dos feijões num anzol. Quando o cágado mergulhou para comer o feijão, comeu o que tinha o anzol
e o coelho pescou-o. A partir daí, a amizade entre ambos terminou. Outra versão do quarto parágrafo:
"Tendo-se afastado uns metros, o coelho despiu a pele e ficou comple-tamente pelado. Voltou para junto
do cágado e disse: "Compadre, olha o animal pelado". O cágado ficou apavorado e fugiu, deixando a panela
do feijão. O animal pelado, que era o coelho, aproximou-se e comeu o feijão todo. Depois espalhou as
cascas. Quando o cágado regressou, o coelho mostou-se indignado, pois já tinha vestido a sua pele. O
cágado disse: "Se tu estivesses, fugias como eu". O coelho respondeu: "Talvez".
O Coelho e o
Leão
O coelho e o leão eram amigos. O coelho indicava onde estavam os animais e o leão
ia caçá-los. Um dia disse o coelho: "Sabes amigo, arranjei uma maneira de caçar animais sem precisares
de ter de caminhar". "Como assim?" perguntou o leão admirado. "Olha, na base da montanha é o lugar
mais indicado. Tu ficas cá em baixo num lugar que te vou indicar e eu vou lá acima espantá-los. Verás
que até os apanhas com os olhos fechados". O leão concordou satisfeito e até achou graça a essa de poder
apanhar os animais de olhos fechados. No dia conbinado, lá foram. O coelho colocou o leão num lugar
por ele escolhido e foi lá acima onde deslocou uma grande pedra. Esta começou a rolar com estrondo. Quando
o pedregulho se aproximou do lugar onde estava o leão, o coelho gritou: "Fecha os olhos para os animais
não verem o seu brilho. Apanha-os todos". O leão assim fez e apanhou com o pedregulho na cabeça, tendo
ficado esmagado. O coelho foi-se embora. Desde esse dia, os leões não gostam do coelho.
O
Coelho e o Leão
O coelho e o leão eram amigos. Um dia, o leão foi a casa do coelho para
o convidar a acompanhá-lo a casa dos futuros sogros como seu ajudante. No fundo, o que o leão queria
era humilhar o coelho e acabar de uma vez para sempre com as suas malandrices. O coelho aceitou ir com
ele. No dia combinado, partiram os dois. A meio do caminho, disse o leão apontando para as folhas
de um arbusto: "Olha, coelho, se, por acaso, durante a refeição, eu me queimar com a comida e gritar
por remédio, já sabes, vens a correr e colhes o que te pedir deste arbusto". O coelho, sem se perturbar,
disse que sim. No entanto, tratou de se prevenir porque lhe cheirou logo a uma armadilha. Deixou cair
uma faca e continuou viagem com o amigo. Já as casas estavam à vista quando o coelho exclamou: "Oh! mas
eu não trago aqui a minha faca. Voltemos para procurá-la". Ele sabia que o leão não aceitaria a ideia
de ter de voltar só para procurar pela faca. "Vai sozinho. Não estou para perder tempo indo procurar
por uma faca que não se sabe onde a perdeste", respondeu-lhe o leão. O coelho queria exactamente aquilo.
Correu logo e foi para junto do arbusto. Cortou folhas, raízes, partes de tronco. Secou algumas folhas,
fumou outras e o mesmo fez com o caule e as raízes. Quando chegou a casa, encontrou o leão a conferenciar
com os futuros sogros mais a rapariga pretendida. O coelho chegou a tempo de ouvir o pai da rapariga
dizer: "Não pense senhor leão que é o único. Por isso eu darei a minha filha ao pretendente que demonstrar
maior esperteza. O tempo que ficar cá há-de estar em constante prova". Durante o almoço, o leão começou
a gritar: "Salva-me amigo". O coelho percebeu logo o que o leão queria, correu e foi buscar tudo quanto
tinha trazido do arbusto. Apresentou primeiro as folhas. O leão pediu: "Quero-as fumadas, trouxeste verdes
não prestam". O coelho apresentou de imediato as folhas fumadas. O leão percebeu que o coelho não tinha
caído na armadilha, mas experimentou pedir cinzas do caule do arbusto. O coelho trazia-as. O leão pediu
as raízes cortadas às rodelas. O coelho trazia-as. Ao fim e ao cabo, o coelho trazia tudo quanto o leão
quis pedir. Não teve outro remédio senão fazer um chá com tudo aquilo e toma-lo. Enquanto isso, o coelho
saboreava a comida dos dois. À noite, a mãe da rapariga apresentou uma boa esteira e uma casca de
árvore. O coelho, que sabia que aquilo fazia parte das provas para casar com a rapariga, aceitou logo
a casca de árvore, pensando o leão que aquele gesto era de respeito para com ele. O leão disse para consigo:
"Ainda bem que o miúdo aceitou a casca de árvore, assim não se discute quem vai dormir na esteira..."
Durante a noite, enquanto dormiam, a esteira onde se encontrava o leão foi-se transformando em cordas
que se enrolavam no leão, manie-tando-o totalmente. O coelho, esse, dormia profundamente na sua casa
de árvore. No dia seguinte, o leão acordou ridiculamente amarrado e envergonhado com a figura que
estava a fazer perante a sogra e fugiu para não voltar. O coelho foi recebido como genro e casou com
a rapariga. O Coelho e o Sapo O coelho e o sapo eram amigos. Um dia resolveram os dois ir roubar
marfim à Administração. Depois do roubo, resolveram passar pela povoação do régulo para comemorar
o feito e começaram a beber até não poderem mais. Como toda a gente sabe, o sapo está sempre de boca
aberta e a garganta a abanar. Quando o coelho viu aquilo, pensou logo numa forma de se livrar dele e
ficar com o produto do roubo e começou a dizer em voz alta: "Então sapo, decides-te ou não a contar o
que te sufoca a garganta?" O régulo e os seus conselheiros disseram entre eles: "Nós sabemos que desapareceu
o marfim da Administração. Vamos ficar atentos, o ladrão pode estar perto". O coelho continuava: "Anda
sapo, tens vergonha ou medo? Não disseste que não aguentavas mais? Não disseste que te bastava beber
dois copos para te decidires? Então, sapo?" O sapo estava atordoado, não sabia onde é que o coelho
queria chegar. O régulo mandou um auxiliar para perguntar: "Ei vocês, o que é que o sapo tem para
contar?" "Nada, nada, senhor chefe", apressou-se a responder o sapo. Mas estava atrapalhado porque tinha
bebido demais e trocava as palavras. Além disso, a presença do auxiliar do régulo metia-lhe medo por
causa do roubo do marfim. O sapo olhou para o coelho como a pedir para ser ele a explicar o que se passava:
"Anda coelho, tu és esperto, responde aqui ao senhor chefe". O coelho disse: "Eu não posso dizer, o meu
amigo pediu segredo... é melhor perguntar a ele próprio". E virando-se para o sapo: "Então, sapo, vais
continuar com o problema entalado na garganta? Resolves ou não falar no roubo...". O régulo, que já
estava à espera disso, disse: "Eu já sabia que era o sapo quem tinha roubado o marfim do senhor Administrador.
Vamos prendê-lo e levá-lo ao rei para ser julgado". Só então é que o sapo percebeu que o coelho fizera
tudo aquilo para se livrar dele e ficar com o marfim só para si. O Coelho e o Macaco O coelho e
o macaco eram muito amigos. Um dia, o coelho disse: "Amigo, vamos abrir uma machamba de amendoim".
"Está bem", respondeu o macaco. Havia muita fome na povoação. Quando começaram a abrir o campo,
o macaco ria, saltava, brincava e trabalhava pouco. O coelho tirou o capim, cavou, semeou quase toda
a machamba praticamente sozinho. Chegou a altura da colheita. O coelho tirava o amendoim e punha no
saco. O macaco tirava-o e comia imediatamente. O coelho ficou furioso e resolveu castigar o companheiro
porque se continuassem daquela forma, estava a ver que não tiraria qualquer proveito do seu trabalho.
Aproveitou então uma altura em que o macaco estava a saborear uma grande quantidade de amendoim e enterrou-lhe
a cauda de forma a que não pudesse tirá-la. Na altura de largar o trabalho, disse o coelho: "Ó amigo
macaco, hoje tenho para o jantar amendoim com carne. Aparece". O coelho fingiu que tinha muita pressa
e foi-se embora logo daí. O macaco tentou também ir-se embora e viu que estava preso pela cauda. O
macaco gritou chamando por ajuda. Passado algum tempo, apareceu o coelho todo ofegante. "O que foi, amigo
macaco?" "Tira-me daqui", pediu o macaco. O coelho fingiu que o ajudava, fez algum esforço. De repente,
desistiu: "Paciência, amigo macaco, não há nada a fazer, eu tenho pressa, o jantar está à espera. A cauda
está muito enterrada, só cortando-a, senão ficas aí toda a noite e nunca se sabe quando é que passa por
aqui o leopardo..." Quando o macaco ouviu o nome do leopardo, pôs-se aos gritos e suplicou ao coelho
que lhe cortasse a cauda. "Prefiro viver sem a cauda do que ser comido..." Era o que o coelho queria.
Cortou-lhe a cauda e levou-a consigo. Quando chegou a casa, cozeu-a juntamente com o amendoim que
ia oferecer ao macaco. Este, apesar das dores, como era comilão, apresentou-se em casa do coelho para
o jantar. Começou a comer com sofreguidão até verificar que aquela carne não passava da sua própria
cauda. Ficou furioso, quis agredir o coelho; este fugiu. A lamentar-se com as dores, foi-se embora. Desde
esse dia que o macaco e o coelho não cultivam juntos.
"Nkázi Wa Ré" (A Mulher do Rei)
Numa povoação, havia uma lei que obrigava os pais a matar todas as meninas que nasciam. Um dia, um
casal teve uma filha, e como não queriam cumprir com a lei existente que mandava matar as raparigas,
foram à loja, compraram calções de rapaz, deram à rapariga e puseram-lhe o nome de Manico. Manico
cresceu. Quando cresceu foi procurar emprego. Procurou, procurou. Depois, foi a casa do senhor Administrador.
Aí, deram-lhe o serviço de criado. Passado algum tempo, o senhor Administrador casou. Quando o senhor
Administrador casou, os grandes da terra ficaram muito contentes e nomearam-no rei. E assim, como rei,
já não podia viver naquela terra. E foi viver numa terra distante que se chama Lisboa. O Administrador
que agora já era Rei, gostava muito de Manico. Por isso ele resolveu levar Manico para Lisboa. Mas
lá para onde o Rei foi viver, o serviço era muito. O Rei trabalhava tanto que até nem tinha tempo de
ir ver a sua mulher e brincar com ela, como fazem todos os maridos. Também havia muitas guerras e ele
que era o rei, tinha de acompanhar os seus homens. A mulher do Rei ficava sempre em casa, como todas
as mulheres do mundo. As mulheres devem ficar em casa à espera que os maridos regressem da guerra. E
a mulher do Rei ficava em casa. E Manico ficava com ela. Manico era muito jovem ainda, e não podia acompanhar
os adultos que iam para a guerra com o Rei. E a mulher do Rei começou então a olhar para Manico com
outros olhos. Ela queria fazer coisas com Manico. E como queria fazer coisas, Manico percebeu logo tudo
o que estava na cabeça da mulher do Rei. Como percebeu tudo, Manico começou a ficar preocupado com tudo
aquilo. Manico pensava assim: "O que vou fazer? Como vou actuar para não descobrirem que afinal não sou
rapaz, mas sim rapariga?" E tinha medo. Manico receava que os seus pais fossem castigados se se viesse
a descobrir a verdade. Manico andava assim preocupado, quando lhe apareceu uma velha. Aquela velha vinha
para ajudar Manico, e disse: "Nada receies, tudo há-de acabar bem, mas tens de passar por alguns sofrimentos.
Toma e traz contigo sempre esta boceta. A tua sorte mudará só quando o rei regressar da guerra. Até lá,
procura sofrer sem reclamar". Nessa noite, a mulher do rei chamou Manico e disse: "Manico, vem esfregar-me
as costas". Manico foi e começou a esfregar as costas da mulher do rei. A mulher do rei disse: "Manico,
chega-te mais perto de mim". Manico fez o que ela mandou. A mulher do rei disse: "Manico, vem tomar banho
comigo, tira a tua roupa". E então Manico, cheio de medo, fugiu. A mulher do rei começou a gritar pelos
guardas e a chorar dizendo: "Venham, venham, depressa, vejam só o que o Manico me quis fazer", e mostrava
as suas vestes rasgadas. "Ele quis brincar comigo à força". Todos ficaram muito indignados com o Manico.
Apanharam-no e foi encerrado na prisão. Manico chorou muito, mas ninguém teve pena dele. Passado muito
tempo, o rei regressou. A guerra tinha abrandado e o rei pôde ir visitar a sua mulher e descansar um
pouco. O rei chegou e perguntou: "Novidades" e a mulher a chorar contou tudo como ela tinha contado aos
outros. E chamou os grandes da terra que confirmaram tudo perante o rei. O rei ficou triste. Ele ficou
triste porque gostava muito de Manico. O rei resolveu ir à prisão ver o rapaz e perguntar por que razão
tinha feito aquilo. Mas antes de o rei chegar, a velha foi ter com Manico e disse: "Hoje vai acabar a
tua desgraça. Quando o rei chegar, procura meter no bolso dele a boceta, depois espera pêlos acontecimentos".
O rei chegou e Manico fez o que a velha tinha mandado. O rei foi ter com a mulher e começou a querer
brincar com ela. O rei tinha ficado muito tempo fora, na guerra, e estava com vontade de brincar. A mulher
do rei ficou muito contente. Ela gostava muito de brincar com os homens. E quando começaram a brincar,
ela tocou na boceta. Aí, quando tocou na boceta, começou a transformar-se. Os seios desapareceram
e começou a sentir que lhe apareciam coisas que só os homens podem ter. E o rei estava a querer continuar
a brincar quando descobriu que a sua mulher se tinha transformado em homem. O rei sabia que essas coisas
só acontecem quando alguém faz uma grande maldade. E mandou chamar todos os feiticeiros do mundo. Eles
vieram, alguns de muito longe. E um que era o mais famoso e conhecedor dessas coisas, disse: "Esta mulher
tem um coração de cobra, por isso ela é venenosa. Tudo o que ela contou sobre o Manico não passa do resultado
desse veneno". O rei mandou libertar Manico. Manico confessou que não era rapaz. O rei ficou muito contente
e resolveu casar com ela. E o rei perguntou-lhe: "Manico, agora que vais ser a mulher do rei de Lisboa,
que nome vais tomar?" E Manico respondeu: "Eu vou escolher o nome de Maria para mim". Todos aprovaram
aquela escolha e vieram os pais dela que se sentaram à mesa do rei e comeram de tudo. Depois da festa,
o rei mandou matar a sua anterior mulher. Depois de tudo isso, o rei ainda ganhou muitas guerras,
e então como ele ganhava todas as guerras em que ele entrava, os grandes estavam muito contentes com
ele. Assim, o rei foi nomeado Comandante. E como foi nomeado Comandante, já não podia viver naquela terra.
Foi assim que o Comandante saiu de Lisboa com Maria, sua mulher, e vieram viver para os lados de Sena.
Desde então, só os Comandantes é que mandam em Sena.
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Edição de Setembro de 2001
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