A BIBLIOTECA DO MACUA

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LIVROS & AUTORES QUE A MOÇAMBIQUE DIZEM RESPEITO



GENERAIS LUZ CUNHA, KAULZA DE ARRIAGA,BETTENCOURT RODRIGUES e SILVÉRIO MARQUES



RAZÃO DESTE LIVRO


A situação militar enfrentada pelas Forças Armadas Nacionais, nos princípios de 1974, nos Teatros de Operações da Guiné, de Angola, de Moçambique, constitui a mais importante e generalizada justificação do processo designado por "descolonizacão", da forma desastrosa como foi conduzido e dos resultados trágicos que provocou.
À guerra estaria militarmente perdida, segundo uns. E também política e diplomaticamente, segundo outros. Haveria que evitar, de qualquer maneira, um desonroso desenlace para a sorte das nossas armas.
Esta justificação parte de políticos civis surgidos com o 25 de Abril, e com ele tornados importantes. Políticos que, na sua grande maioria, vieram do estrangeiro, onde se encontravam refugiados apenas por oposição aos regimes do Dr. Salazar e do Dr. Marcello Caetano, ou também por fuga aos seus deveres militares. Quase todos haviam colaborado com o inimigo (praticamente sempre com as facções de ideologia marxista: PAIGC, MPLA, FRELIMO), enquanto concidadãos seus combatiam pela defesa do Ultramar e das suas populações. E tinham-se envolvido na preparação do 25 de Abril que, depois, ajudaram a executar e a orientar.
A mesma justificação é também invocada por alguns dos jovens militares implicados na Revolução.
    Dos políticos civis se pode dizer que, em geral, na realidade, não conheciam o Ultramar, nem, concretamente, a situação militar que ali se vivia, pois muitos, repete-se, haviam fugido à guerra: eram compelidos, refractários ou desertores.
Dos militares, alguns tinham sido esforçados combatentes. Outros haviam desfrutado posições de relativa comodidade na retaguarda dos Teatros de Operações. De qualquer forma, muitos pertenciam a escalão demasiado baixo para poderem ter da situação da guerra uma visão global correcta. E a quase todos, como se veio a verificar, faltava formação que consentisse analisar e meditar os problemas da sua Pátria, espalhada pelo mundo, por forma a compreendê-la e a interpretar, e perdoar, como lhes competia, pelos muitos acertos, os erros eventualmente cometidos em séculos de História.
Os raros responsáveis militares de alta hierarquia, que também estiveram comprometidos na preparação e execução do 25 de Abril, nunca foram tão peremptórios naquela justificação. Pelo contrário, e embora o envolvimento, quanto a alguns, na Revolução, seus primórdios e desastre ultramarino subsequente, já não ofereça quaisquer dúvidas, depreende-se de afirmações anteriores ao 25 de Abril, e das que logo a seguir produziram, que era numa posição de força, e não de fraqueza, que se propunham oferecer ao inimigo a possibilidade de paz. Houve mesmo quem, sentindo-se ludibriado, considerasse dever libertar-se dos tortuosos caminhos do "processo" e entendesse ser sua grave obrigação acusar de traidores companheiros de véspera. É que, na verdade, a fracassada "descolonização" foi consistindo em submeter populações genuinamente portuguesas a real e poderoso imperialismo e a real e cruel colonialismo, ambos de origem totalmente estranha ao meio. E isto aconteceu (e está sucedendo) à custa de pavorosos e bárbaros morticínios (nalguns casos verdadeiros genocídios), desencadeando um surto de racismo generalizado, destruindo material e psicologicamente, milhões de portugueses de todas as etnias e manchando a honra das Forças Armadas que, salvo raras excepções, foram compelidas a comportamentos indecorosos e sujeitas aos maiores vexames da sua História. Quer dizer, o processo da chamada "descolonização" constituiu (e está constintuindo nas suas consequências) repugnante crime contra a Pátria e contra a Humanidade.
Derrubar o regime político instituído, que durava há cerca de cinquenta anos (metade dos quais consumidos com importantes preocupações impostas, como as da Guerra de Espanha, da II Grande Guerra, dos acontecimentos de Goa e da Guerra do Ultramar), foi o objectivo essencial do 25 de Abril. Tratava-se de um regime que considerava do interesse português defender com armas o Ultramar 1 e que os revolucionários apodaram de colonialista, obscurantista, opresssivo e corrupto. Pretendia-se com a conquista do poder, implantar uma democracia que salvasse e redimisse o país e pusesse fim, por meios políticos, à guerra do Ultramar.
O que então se anunciou não foi a entrega ou abandono das províncias em guerra, como veio, triste e indignamente, a fazer-se, mas a prévia audição das populações e a execução de vontade que fosse expressa, fazendo funcionar o jogo da chamada auto-determinação. Este propósito, rapidamente baptizado de "descolonização" 2, exigia que as populações interessadas se pudessem conscientemente preparar, e portanto exigia tempo. Tempo de preparação com que o Programa tinha de contar, o que implicava admitir que se partia de uma situação de força, como se referiu.
Tudo, porém, foi efectivamente conduzido e executado para que a consulta às populações não pudesse ser feita, nem nas províncias onde havia guerra, nem com honestidade nas outras, que foram sendo artificiosamente enredadas no processo (para esse efeito logo denominado "descolonização") por acção de agentes civis e militares, mal se sabe ainda como, e, na medida em que vai surgindo informação, repugna compreender porquê 3. Aconteceu assim por pressão dos Movimentos em armas, onde os havia (Guiné, Angola e Moçambique)? Ou por pressão das populações onde a paz total era um facto (Cabo Verde, S. Tomé, Timor)? De forma alguma! Isso aconteceu por acção de revolucionários civis e militares que, apoiados e orientados por altos responsáveis, prosseguiram, por vezes na clandestinidade e em acções divergentes de outras oficiais, contactos mantidos com o inimigo desde o tempo de guerra, e assim foram criando o clima de desmoronamento geral que acabou por impor soluções, as quais, segundo agora tudo indica, haviam sido pré-planeadas. O que teria movimentado tal gente? É cedo para o saber. Mas certamente, ou apenas, ideologia (e fanatismo)   ou   também   racismo,   ambição   e   corrupção 4.
As   graves   decisões   que   impulsionaram   e sancionaram as mais  profundas alterações na estrutura do nosso país e no destino da nossa população foram sendo provocadas e tomadas, ditatorial e revolucionariamente, por "muito poucos", que em geral se conhecem, sem a devida audição de todo o povo português.
Em face dos trágicos resultados surgidos sentiram esses "muito poucos" a imperiosa necessidade de lançar uma razão suficientemente convincente e motivadora que pudesse justificar o inglório, e esse sim histórico, procedimento e as suas correspondentes responsabilidades. Que militares jovens, e civis ignorantes das coisas do Ultramar e da guerra, tivessem acordado na mesma justificação de índole essencialmente militar - "a guerra estava perdida" -, que não sendo honrosa para os primeiros constitui um alibi para os segundos, só pode significar, se não for indubitavelmente verdadeira, a ingenuidade política dos militares, o atrevimento dos civis e a cumplicidade de todos nas mesmas culpas.
Justificar o processo, que os historiadores um dia classificarão devidamente, afirmando que a "guerra estava perdida" parece tentador. Ensaiou-se consolidar tal jusificação (como que em demonstração indirecta a posteriori) atribuindo a um "complexo de derrota" 5 o comportamento político-militar da acção., para-comunista do chamado gonçalvismo. No entanto, não querendo atribuir simplesmente a conhecidos métodos revolucionários marxistas o que então aconteceu, parece que, embora com âmbito e consequências diferentes, deverá designar-se o real complexo de culpa existente, por "complexo de traição".
A justificação - a guerra estava perdida - pode, porém, não só não corresponder à realidade como, mesmo, encobrir situação diversa e importante no juízo a fazer dos factos, das atitudes, das pessoas.
Trata-se de grave possibilidade cujo esclarecimento tem de começar a ser procurado. É o que se vai tentar fazer.
Começaremos por dar uns tópicos da ideologia nacional de que emanou a doutrina que conduziu a guerra, da situação sócio-económica e da posição diplomática do país. Seguir-se-ão apreciações dos peritos militares mais actualizados, e dos mais qualificados, quanto à situação nos Teatros de Operações da Guiné, de Angola e de Moçambique. Tudo se referirá aos primeiros meses de 1974. Finalizaremos com uma síntese e uma ilação.

Gen. Silvino Silvério Marques

          1 Numa linha tradicional, referenciada na última centúria pelas campanhas de África de fins do século XIX e princípios do século XX e pela intervenção na I Grande Guerra.
2 "Descolonização" foi uma fórmula que, não aparecendo no  Programa do Movimento  das  Forças Armadas, se difundiu premeditadamente. Fórmula imprópria quando aplicada por portugueses ao caso português, pois pressupunha a existência de uma situação colonial que estava legal e, para a generalidade dos portugueses, sentimentalmente ultrapassada.
3 News letter de Boston, Mass., publicação mensal destinada a servir as comunidades cabo-verdeanas dos Estados Unidos, no seu n.° 2, de Agosto de 1976, numa "reportagem" de John C. Wahnon, refere com certo pormenor, a celebração em Paris, perto da Ópera, em Maio de 1973 *, de um acordo entre elementos do PCP e do PS para estruturarem um movimento militar capaz de derrubar o Governo Português. O acordo teria duas cláusulas: a Rússia financiaria a organização do golpe; o PCP e o PS comprometiam-se a dar a independência imediata às Províncias
Portuguesas que estariam representadas no acordo pelo PAIGC, MPLA e FRELIMO.
[O itálico é nosso.]
       Embora se trate apenas de uma noticia, ela ganha verosimilhança quando cotejada com a informaçãoque nos dá o Secretário-Geral do Partido Comunista Português, a p. 50 do Relatório para o VII Congresso, Ed. Avante!, aparecido no final de 1976: "Durante anos, a questão colonial criou dificuldades à unidade das forças antifascistas; porque, ao contrário do PCP, as correntes republicanas, liberais e socialistas defendiam posições colonialistas e neocolonialistas. O PCP teve por isso sérios confrontos com outros sectores da Oposição. (...) Estas divergências mantiveram-se sempre vivas no tempo do fascismo, embora nos últimos tempos alguns sectores tenham evoluído. Assim o Partido Socialista (PS) formado em Maio de 1973 na base da Acção Socialista Portuguesa (ASP) declarou-se "radicalmente anticolonialista" e pelo "direito à autodeterminação". Em Setembro de 1973 num encontro de
delegações do PCP e do PS, este último acabou por subscrever o comunicado em que se afirma o objectivo do "fim da guerra colonial e negociações com vista à independência dos povos de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique".
Anote-se que as Províncias de Cabo Verde, S. Tomé e Timor não são citadas, parece, no comunicado referido. Estavam em completa paz.
Que teria levado o PS a modificar o seu ponto de vista? Acordos deste tipo têm preço.
Na Cronologia Sumária apresentada nas últimas páginas de ".Portugal Amordaçado", de Mário Soares, Arcádia, l.a ed. em Português. Lisboa, Out. 74, são representadas as seguintes efemérides, preenchendo o ano político de 1973 (ano do colapso do MPLA em Angola):
    - Assassinato, em Conakry, de Amílcar Cabral.

    - Compasso de transformação da ASP em Partido Socialista (Abril}.
    - Denúncia dos massacres de Wiriamo.
    - Grande fracasso internacional da visita a Londres de Marcello Caetano.
    - Renúncia à Assembleia dos Deputados "liberais".
    - Primeira Assembleia de oficiais; criação do Movimento das Forças Armadas  (M.F.A.)".
Não pode deixar de surpreender a não inclusão do importante acordo de Setembro de 1973 com o PCP, citado no Relatório do Secretário Geral do PCP. Como é lícito atribuir significado à referência a meses diferentes (Maio, no Relatório e Abril na Cronologia) para a transformação da ASP em PS. Pode inferir-se que houve dois acontecimentos importantes, um em Abril, certamente a "transformação da ASP> e outro em Maio, a viragem do "novo" partido quanto à política ultramarina (viragem não referida na Cronologia que, entretanto, dá
importância à vigília da Capela do Rato, incluindo-a nas efemérides de 1972...), viragem talvez feita nas condições da "reportagem" de John C. Whanon, e que se teria formalizado, após acções concretas desencadeadas pelo PS -como as escandalosas manifestações de Londres que tiveram intervenção pessoal de elementos destacados do PS - em Setembro, segundo é indicado no Relatório, e omitido na Cronologia.
De qualquer forma, a Cronologia mostra que, a partir da transformação da ASP em PS, ocorrem acontecimentos em série, de um mesmo cariz, que culminaram com o aparecimento do Movimento das Forças Armadas (é assim que se designa na Cronologia de 1973 o que nesse ano era chamado apenas Movimento dos Capitães...). Não se afigura fruto da imaginação encontrar um nexo entre todas as efemérides, que, dir-se-iam alíneas, com convenientes omissões, de um programa executado.
É, assim, legítimo associar as duas informações (a do Relatório e a da Cronologia) à notícia de John C. Wahnon, que, desta forma, ganha verosimilhança. Ainda, para recortar a notícia, Pompílio
da Cruz, que tão bem informado se mostra em variadas e enigmáticas ocorrências, afirma a p. 149 de Angola. Os Vivos e os Mortos, Ed. Intervenção, Lisboa, 1976: "Nesse contexto, Paris foi a cidade escolhida para, em Setembro de 1973, os partidos comunista e socialista portugueses talharem e retalharem o Ultramar". O Secretário Geral do Partido Socialista teria sido "o cavalo de Tróia, como agente motor global do PC (...). Os dois partidos dispõem - e dispuseram antes do 25 de Abril- de fundos inesgotáveis".
A tudo acresce ter-se notícia de que oficiais do Quadro Permanente, mais tarde revolucionários do 25 de Abril, pertencentes às suas duas correntes inicialmente dominantes, tomaram parte em reuniões, em Paris, em Agosto e Setembro de 1973.
[Anote-se que na Cronologia, surpreendentemente, também se omite, no ano de 1974, o lançamento do livro do Gen. Spínola - Portugal e o Futuro- cuja edição de 220 mil exemplares não tem paralelo entre nós. E a publicação desse livro constitui uni dos
factos políticos de então de mais transcendente importância.]
4 Segundo alguns comentadores de formação marxista, a justificação do comportamento revolucionário dos capitães está na sua origem social. Ao contrário dos oficiais mais antigos, que proviriam de famílias aristocráticas e burguesas, os capitães seriam oriundos do povo... Trata-se de justificação puramente demagógica. Entre os oficiais superiores mais antigos e os oficiais-generais anteriores ao 25 de Abril, são muitos os filhos de famílias modestíssimas (como de resto entre ministros e primeiros ministros de então...). Somente que era circunstância que ninguém precisava de ostentar como privilégio ... Os critérios que nesse tempo filtravam o acesso à Escola do Exército eram o da classificação universitária e o da robustez e desembaraço físico. A origem social era desconhecida. Os oficiais superiores mais antigos e os oficiais--generais anteriores ao 25 de Abril, oriundos de todas as classes sociais, que a Escola do Exército amalgamava sem qualquer dificuldade, haviam apenas sido, na
sua grande maioria, dos alunos mais classificados das Escolas Superiores de Lisboa, Pono e Coimbra.
3   Vide artigo do Dr. Salgado Zenha no jornal A Luta de 7, 8 e 9 de Outubro de 1975.


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