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Miscigenação
Outro suporte capital do mito do não racismo português é o casamento misto.
Os Portugueses declaram que, por vezes, é até aconselhado pela política oficial. Em 1910 Vaz de Sampaio
e Melo escrevia: "A miscigenação é a força mais poderosa do nacionalismo colonial. Sendo-lhe dada
igualdade ao Europeu em face da lei, sendo admitido a cargos administrativos, religiosos, políticos
e militares, o mulato vem a adoptar exclusivamente os costumes e a língua da nação conquistadora e
a constituir o mais proveitoso e apropriado instrumento para a expansão daquelas características
étnicas na sociedade nativa." O resultado desta política é uma minoria mulata, o maior grupo
minoritário a seguir aos Europeus, e um elemento im- portante na superstrutura da sociedade não indígena,
embora a sua importância seja mais qualitativa do que quantitativa. Os Portugueses tendem a exagerar
as dimensões desta comu- nidade. Na realidade, em Moçambique, os mulatos constituem apenas 0,5%
da população, enquanto que na África do Sul 8,5% da população se compõem de mestiços. A existência
duma comunidade mulata é uma característica dos territórios portugueses desde os primeiros tempos
da colonização, em que as condições eram tais que muito poucas mulheres portuguesas podiam ser
induzidas a acompanhar os aventureiros; estes supriam essa falta tendo mulheres africanas como
companheiras. Nesses tempos, decerto que o sistema não implicava muita igualdade racial; as mulheres
quase nunca se tornavam esposas legítimas, e eram tratadas como criadas ou escravas, conforme documentos
contemporâneos. Os filhos herdavam por vezes a fortuna e posição do pai, mas isto, acon- tecia
mais como resultado da assimilação do Português ao Africano do que do contrário. Os proprietários
rurais do século XVIII, na Zambézia, pareciam-se mais com chefes africanos degenerados do que com
senhores portugueses. . A actual comunidade mulata, contudo, é principalmente urbanizada
e educada sob o sistema português. Legalmente
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têm cidadania portuguesa, e quanto a instrução e empregos gozam de mais igualdade real do que o assimilado.
À primeira vista parecem bem integrados na sociedade portuguesa, mas a superficialidade deste quadro
é mais visível na situação de um mulato de primeira geração, filho de um progenitor português e
de outro africano. Mesmo actualmente aceita-se a união entre as raças, não o casamento misto. Em Angola,
em 1958, havia apenas vinte e cinco casamentos mistos de quaisquer raças. Este número divide-se
do modo seguinte:
Branco e preto l Mulato
e preto 4 Mulato e branco 20
Em quase
todos os casos é o pai que é português; as rela- ções entre mulher portuguesa e africano não são vistas
com tanta tolerância. A mulher africana não seria esposa legal, mas na melhor das hipóteses amante
e também criada - por conve- niência do homem que não tem meios para ter mulher portu- guesa ou
não teve oportunidade de procurar uma - ou em casos piores uma prostituta ou uma vítima de rapto.
No primeiro caso, a criança tem que conciliar duas educações completamente divergentes: em pequenina,
vive principalmente com a mãe, em geral nas instalações reservadas aos criados, e é educada até
certo ponto como uma criança africana, mas passados alguns anos o pai manda-a para uma escola portuguesa,
admite-a entre familiares e amigos portugueses, e espera dela um com- portamento de criança portuguesa.
Acontece com frequência que a criança passa a primeira parte da sua vida conciliando estes factores
e depois acaba por sofrer uma grande mudança na sua situação, porque o pai arranja uma esposa portuguesa.
Quando isto sucede, a criança pode ser rejeitada, devolvida à mãe, ou mantida na família, mas em posição
francamente inferior à dos filhos do casal português, sendo-lhe dada uma atenção secundaria em
tudo o que diga respeito ao seu bem- -estar e educação. Se o pai é padre, como muitas vezes acontece,
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será poupada à criança esta última rejeição; mas nesse caso a separação entre os lares do pai e
da mãe é desde o início ainda mais completa. Não admira, pois, que os mulatos guardem muitas
vezes ressentimentos contra os Portugueses, sendo contudo incapazes de se identificarem totalmente
com a parte africana da sua cultura. Habituados a considerar a mãe como inferior, muitas vezes
nem falam a língua dela. O ressentimento dos mulatos contra os Portugueses não provém só
das circunstâncias da sua infância. A política por- tuguesa em relação ao mulato contém um elemento
diferente de racismo, ligado com a ideia de que a miscigenação é um meio de cimentar o domínio
português sobre a cultura indígena. Faz parte desta política que embora o mulato deva, em muitos
aspectos, ser tratado como o português, isto não significa que lhe sejam facultadas todas as oportunidades:
os empregos importantes, as nomeações para altos cargos, devem ficar nas mãos dos Portugueses.
O antropologista português Mendes Correia dá-nos uma clara exposição deste facto: "Como seres
humanos, ligados à nossa raça pelos sagrados laços da origem, os mulatos têm direito à nossa simpatia
e ajuda. Mas as razões que propusemos não permitem à actuação política dos mestiços ir além dos
limites da vida local. Por mais brilhante e eficiente que seja a sua acção no sector profissional,
económico, agrícola ou industrial, eles nunca devem - tal como os estrangeiros naturalizados
- ocupar lugares de destaque nos assuntos públicos do país, excepto talvez em casos de completa
e comprovada identificação connosco em temperamento, von- tade, sentimentos e ideias, o que
é excepcional e pouco provável." Assim, na infância e na idade adulta, o mulato sabe, por
experiência, que não se pode identificar completamente com o Português. Os mulatos mais instruídos,
os intelectuais, deram testemunhos deste facto: estiveram muito compro- metidos com os movimentos
de agitação política, anticolonia- lista e nas primeiras manifestações de nacionalismo; e, mais
recentemente, alguns lançaram-se de alma e coração no actual
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