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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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Miscigenação

   Outro  suporte capital do mito do não racismo português
é o casamento misto. Os Portugueses declaram que, por vezes,
é até aconselhado pela política oficial. Em 1910 Vaz de Sampaio
e Melo escrevia: "A miscigenação é a força mais poderosa do
nacionalismo colonial. Sendo-lhe dada igualdade ao Europeu em
face da lei, sendo admitido a cargos administrativos, religiosos,
políticos e militares, o mulato vem a adoptar exclusivamente
os costumes e a língua da nação conquistadora e a constituir
o mais proveitoso e apropriado instrumento para a expansão
daquelas características étnicas na sociedade nativa."
   O  resultado desta política é uma minoria mulata, o maior
grupo minoritário a seguir aos Europeus, e um elemento im-
portante na superstrutura da sociedade não indígena, embora
a sua importância seja mais qualitativa do que quantitativa.
Os Portugueses tendem a exagerar as dimensões desta comu-
nidade. Na realidade, em Moçambique, os mulatos constituem
apenas 0,5%  da população, enquanto que  na África do Sul
8,5% da população se compõem de mestiços.
   A existência duma comunidade mulata é uma característica
dos territórios portugueses desde os primeiros tempos da
colonização, em que as condições eram tais que muito poucas
mulheres portuguesas podiam ser induzidas a acompanhar os
aventureiros; estes supriam essa falta tendo mulheres africanas
como companheiras. Nesses tempos, decerto que o sistema
não implicava muita igualdade racial; as mulheres quase nunca
se tornavam esposas legítimas, e eram tratadas como criadas
ou escravas, conforme documentos contemporâneos. Os filhos
herdavam  por vezes a fortuna e posição do pai, mas isto, acon-
tecia mais como resultado da assimilação do Português ao
Africano do que do contrário. Os proprietários rurais do século
XVIII, na Zambézia, pareciam-se mais com chefes africanos
degenerados do que com senhores portugueses.           .
   A  actual comunidade mulata, contudo, é principalmente
urbanizada e educada sob o sistema português. Legalmente
têm cidadania portuguesa, e quanto a instrução e empregos
gozam  de mais igualdade real do que o assimilado. À primeira
vista parecem bem integrados na sociedade portuguesa, mas
a superficialidade deste quadro é mais visível na situação de um
mulato de primeira geração, filho de um progenitor português
e de outro africano. Mesmo actualmente aceita-se a união entre
as raças, não o casamento misto. Em Angola, em 1958, havia
apenas vinte e cinco casamentos  mistos de quaisquer raças.
Este número divide-se do modo seguinte:

              Branco  e preto                   l
              Mulato e preto                    4
              Mulato e branco                20

   Em  quase todos os casos é o pai que é português; as rela-
ções entre mulher portuguesa e africano não são vistas com
tanta tolerância. A mulher africana não seria esposa legal, mas
na melhor das hipóteses amante e também criada - por conve-
niência do homem que não tem meios para ter mulher portu-
guesa ou não teve oportunidade de procurar uma - ou em
casos piores uma prostituta ou uma vítima de rapto. No primeiro
caso, a criança tem que conciliar duas educações completamente
divergentes: em pequenina, vive principalmente com a mãe,
em  geral nas instalações reservadas aos criados, e é educada
até certo ponto como uma criança africana, mas passados
alguns anos o pai manda-a para uma escola portuguesa, admite-a
entre familiares e amigos portugueses, e espera dela um com-
portamento de  criança portuguesa. Acontece com frequência
que  a criança passa a primeira parte da sua vida conciliando
estes factores e depois acaba por sofrer uma grande mudança
na sua situação, porque o pai arranja uma esposa portuguesa.
Quando isto sucede, a criança pode ser rejeitada, devolvida à
mãe, ou mantida na família, mas em posição francamente
inferior à dos filhos do casal português, sendo-lhe dada uma
atenção secundaria em tudo o que diga respeito ao seu bem-
-estar e educação. Se o pai é padre, como muitas vezes acontece,
será poupada  à criança esta última rejeição; mas nesse caso
a separação entre os lares do pai e da mãe  é desde o início
ainda mais completa. Não admira, pois, que os mulatos guardem
muitas vezes ressentimentos contra os Portugueses, sendo
contudo incapazes de se identificarem totalmente com a parte
africana da sua cultura. Habituados a considerar a mãe como
inferior, muitas vezes nem falam a língua dela.
    O  ressentimento dos mulatos contra os Portugueses não
provém  só das circunstâncias da sua infância. A política por-
tuguesa em relação ao mulato contém um elemento diferente
de racismo, ligado com a ideia de que a miscigenação é um meio
de cimentar o domínio português sobre a cultura indígena.
Faz parte desta política que embora o mulato deva, em muitos
aspectos, ser tratado como o português, isto não  significa
que lhe sejam facultadas todas as oportunidades: os empregos
importantes, as nomeações para altos cargos, devem ficar nas
mãos dos Portugueses. O antropologista português Mendes
Correia dá-nos uma  clara exposição deste facto: "Como seres
humanos, ligados à nossa raça pelos sagrados laços da origem,
os mulatos têm direito à nossa simpatia e ajuda. Mas as razões
que propusemos não permitem à actuação política dos mestiços
ir além dos limites da vida local. Por mais brilhante e eficiente
que seja a sua acção no sector profissional, económico, agrícola
ou industrial, eles nunca devem - tal como os estrangeiros
naturalizados -  ocupar  lugares  de destaque  nos  assuntos
públicos do país, excepto talvez em casos  de completa  e
comprovada identificação connosco em temperamento, von-
tade, sentimentos e  ideias, o que é  excepcional e pouco
provável."
    Assim, na infância e na idade adulta, o mulato sabe, por
experiência, que não se pode identificar completamente com
o  Português.  Os  mulatos  mais  instruídos, os intelectuais,
deram  testemunhos deste facto: estiveram muito compro-
metidos com  os movimentos de agitação política, anticolonia-
lista e nas primeiras manifestações de nacionalismo; e, mais
recentemente, alguns lançaram-se de alma e coração no actual

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