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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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gueses sempre  se esforçaram por  partilhar a sua fé, cultura
e  civilização, chamando-os para a   comunidade  lusíada*."
Assimilação é o reconhecimento oficial da entrada de um homem
na "comunidade lusíada": depois, pode ele legalmente benefi-
ciar de todas as facilidades brancas, e supostamente ter as mes-
mas oportunidades educacionais e de progresso. Para chegar
a esta posição, devem satisfazer-se as seguintes condições:

    1. Saber  ler, escrever e falar português correntemente;
    2. Ter meios  suficientes para sustentar a família;
    3. Ter bom comportamento;
    4. Ter  a  necessária educação, e  hábitos individuais e
       sociais de modo  a poder viver sob a lei pública e
       privada de Portugal;
    5. Fazer um  requerimento à  autoridade administrativa
       da área, que o levará ao governador do  distrito para
       ser aprovado.

    Já aqui aparece  certa tendência racista, visto que, para
ter estas qualificações, um homem tem de ser mais "civilizado"
do que muita da população branca que automaticamente goza
de cidadania: 40%   da população de Portugal são analfabetos,
e muitos têm meios de vida insuficientes. Como é de esperar,
esta tendência racista não desaparece, de facto, logo que um
africano adquire oficialmente a condição de assimilado. O próprio
Salazar disse: "É necessário um século para fazer um cidadão."
Demonstra-o a situação de assimilado, que, embora isento de
certas limitações impostas ao indígena, não se encontra em
posição de igualdade com os seus concidadãos brancos. Primeiro,
a sua situação económica é nitidamente inferior. A tabela de
salários dada mais atrás mostra bem  a considerável diferença
de  salários entre brancos e negros assimilados. Este facto é
ainda agravado pela prática, bastante corrente em países onde
existe não oficialmente ou semioficialmente uma barreira de

    * Marcelo Caetano, op. cit.
cor, de atribuir aos negros empregos inferiores, dando prefe-
rência aos brancos, independentemente das respectivas quali-
ficações. Mesmo que o Africano faça exactamente o mesmo
trabalho do branco, será dada à função um nome diferente
que justifique diferença de remuneração. Aqui fica um exemplo:

    Raul Casal  Ribeiro (província de  Tete):

   "Eu  também trabalhei na contabilidade do armazém da
mina, onde ganhava 300 escudos; quando um português entrou
para este trabalho foi ganhar quase 4000 escudos e fazia menos
do que eu. Eu trabalhava sozinho, enquanto que ele tinha um
auxiliar, mas mesmo assim ele ganhava treze vezes o meu orde-
nado. De facto, quem fazia o trabalho era o auxiliar africano, e
o português  só assinava. O africano recebia 300 escudos por
mês como eu; o português recebia 4000 escudos."

   Durante o seu período de educação o assimilado encontra-se
logo em desvantagem: tem que apresentar melhores resultados
do que uma criança portuguesa. Uma moça do ensino técnico
secundário em Lourenço Marques comentava:

   "Os Portugueses não tratavam do mesmo modo os alunos
portugueses e os africanos. Por vezes a discriminação era bem
evidente. Por exemplo, davam sempre notas piores aos mo-
çambicanos."

   Quando visitei Moçambique em 1961, o próprio reitor
do  Liceu Salazar confessou que  os professores classificavam
pior os alunos africanos.
   Um facto que invalida a afirmação de que os assimilados
podem  atingir uma posição de paridade com os brancos é
que, a fim de gozar algum privilégio, o assimilado tem de trazer
sempre consigo o bilhete de identidade. A um branco não se
fazem perguntas; tem posição privilegiada em virtude da sua
aparência.
   Se um  assimilado fôr encontrado na rua depois do recolher
obrigatório, será interpelado e interrogado pela polícia; e será
preso se não  apresentar o cartão. Muitos privilégios não são
conseguidos, mesmo com o bilhete de identidade: um africano
assimilado não é, por exemplo, admitido num cinema para
brancos; muitas vezes não pode sequer utilizar instalações sani-
tárias destinadas a brancos - um padre africano católico contou
recentemente que viu um  professor assimilado ser espancado
por um  chefe de estação branco por ter utilizado os sanitários
da estação que eram destinados aos europeus.
   O  próprio conceito de assimilação não é tão "não racista
e liberal" como o sugerem os seus apologistas. Não significa
aceitação do africano como africano. Em paga dos duvidosos
privilégios já descritos, a lei exige que ele viva um  estilo de
vida inteiramente europeu; nunca deve falar a sua própria
língua e não deve  visitar familiares não assimilados nas suas
residências. Uma das contradições absurdas do sistema é que,
embora o assimilado não receba tratamento igual ao do branco,
se exige que ele se identifique completamente com os brancos.
Um  assimilado conta: "No fim do curso do liceu, eu era quase
o   único  africano da aula. Em  igualdade  de  circunstâncias,
costumava ter notas piores que os rapazes portugueses. Os meus
colegas brancos achavam isto natural. Ao mesmo tempo eles
costumavam  falar diante de mim 'daqueles ignorantes pretos',
referindo-se aos africanos não assimilados, e não viam como
eu, que era assimilado, ficava magoado. O máximo conseguido
pelo sistema de assimilados é a criação de alguns 'brancos hono-
rários', o que certamente não equivale a não racismo; os diplo-
matas do Malawi ou do Japão recebem esse título quando visitam
a África do Sul."
   Além  das outras fraquezas do sistema, a sua condenação final
encontra-se no pequeno número de africanos por ele afectados:
de entre uma população de mais de 6 milhões em 1950, não
havia mais que 4555 assimilados. Sistema que atinge apenas mi-
noria tão diminuta deve ser considerado virtualmente ineficaz.

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