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jectos urgentes; o artígo 296.° permite-o em casos de urgência, ou "por outras razões", expressão
que vai tirar todo o seu signi- ficado à palavra "excepcional" no artigo 294.°; o artigo 299.° permite
o uso da força no recrutamento da mão-de-obra. O princípio do trabalho forçado está no próprio
conteúdo da Constituição Portuguesa, que no artigo 146.°, ainda em vigor, diz: "O Estado não pode
forçar os nativos ao trabalho, excepto em obras públicas de interesse geral [...] para cumprir sentenças
de carácter penal e para executar obrigações fiscais." O Código de 1928, todavia, foi abolido
no decorrer das re- formas precipitadas pelas pressões internacionais do pós-guerra e pela insurreição
de Angola. Nos seus esforços para fugir ao isolamento internacional, Portugal assinou a Convenção
Internacional do Trabalho sobre a Abolição do Trabalho Forçado, em 1959*. A partir daí, teve de
conformar os seus próprios regulamentos do trabalho com as normas dessa Convenção; em 1960,
foram revogadas algumas das dispo- sições que davam aos administradores plenos poderes punitivos,
e os salários mínimos foram aumentados. Também em 1961, a base legal das colheitas obrigatórias foi
anulada. Desde então, no papel, não existiu mais trabalho forçado em Moçambique. Mas já vimos
como, na história das condições do trabalho, há uma longa tradição de reformas de papel que não alteraram
em nada as condições da vida real. Nas regiões do Norte de Moçambique, trabalho obrigatório de todos
os géneros foi praticado em larga escala até 1964, quando a guerra, forçando os Portugueses à retirada,
lhe pôs ponto final. Em 1961, uma comissão da Organização Internacional do Trabalho foí
investigar sobre denúncias de trabalho forçado nas colónias portuguesas, e nos seus relatórios
declarou-se incapaz de encontrar provas de violações directas, pelo Governo, da Convenção sobre
a Abolição do Trabalho Forçado. Contudo,
* Convenção n.° 105 da OIT (1957), aprovada paia
ratificação pelo De- creto-Lei n.° 42 381, de 13 de Junho de 1959, e registada em 23 de Novembro de
1959. (N. Do Editor.)
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algumas das suas descobertas parecem contradizer esta con- clusão: em Moçambique, a comissão de
inquérito entrevistou um grupo de trabalhadores das estradas, que disseram terem sido obrigados
ao trabalho contra sua vontade, pelo chefe de posto (Boletim da OIT, vol. XLV, n." 2, § 389); nas
docas da Beira um dos homens entrevistados tínha sido mandado contra sua vontade (ibid., § 387);
nas plantações da Sena Sugar, um grupo de trabalhadores entrevistados declarou que "não estavam contentes
e parecia [...] que tinham sido intimados a trabalhar pelas autoridades nativas ou administrativas"
(ibid., § 497). Quanto à questão de pressões financeiras, o próprio director do Departamento
dos Assuntos Nativos declarou que "os nativos tinham que pagar os impostos, e, se não tinham posses
para o fazer, o único processo era a prestação de trabalho até conseguir a quantia necessária...
se não pagava o imposto, a pessoa em questão era condenada ao trabalho correctivo até conseguir
a importância devida" (ibid., § 451). Estas provas foram obtidas apesar de a comissão ter passado
somente seis dias em Moçambique, visitando apenas as áreas mais prósperas em redor de Lourenço
Marques, Beira e Quelimane. Além disso, embora a comissão entrevistasse por vezes os trabalhadores
sem a presença de funcionários, o medo da PIDE (polícia política portuguesa) tinha uma influência
invisível em todas as conversas. Em 1962 foi publicado um novo código intitulado "Código do
Trabalho Rural" para as províncias de África e Timor (De- creto-Lei n.° 44 310, de 27 de Abril de
1962). Já não aparece no título o princípio de discriminação, mas na realidade a lei só é aplicada
àqueles que na antiga lei são chamados "nativos". "Rural", neste Código, significa "não qualificado"
- traba- lhadores agrícolas, mineiros, trabalhadores de fábricas, empre- gados domésticos, "aqueles
trabalhadores cujo serviço se reduza à simples prestação de mão-de-obra". Deste modo se mantém a
discriminação na prática, embora seja aparentemente eliminada. O mesmo se verifica com o trabalho
forçado: o artigo 3.° do Código, seguindo a tradição, anula-o mais uma vez, e estabelece
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que não podem ser usadas sanções penais para obrigar ao cumprimento de contratos ou ao pagamento
do imposto per capita. Mais uma vez, na prática, verifica-se que continuam as sanções civis
(prestação de compensação), e a falta de cum- primento destas equivale a desprezo da lei e pode ser
castigada com pena de prisão. Um decreto-lei de 29 de Dezembro de 1954 diz que "as penas de prisão
impostas aos nativos podem ser substituídas por sentenças de trabalho pesado em obras pú- blicas".
Assim, pode continuar o trabalho forçado sem violar a letra da nova lei. De todo o corpo
da recente legislação se pode concluir claramente que o africano de Moçambique vive em sujeição económica
e política ao branco. As próprias leis promovem a desigualdade, enquanto a prática vai ainda mais
longe, para manter o africano firmemente no papel de um ser de segunda classe cuja função é servir
a minoria portuguesa. É pois de esperar que as relações sociais reflictam esta situação. A recente
expansão da população branca tornou ainda mais evidente a existência de comunidades raciais separadas.
Desde os anos trinta, Portugal tem tido bons resultados nos seus esforços de incitar a emigração
para os territórios africanos, e entre 1932 e 1960 a população branca aumentou de 18 000 para 85 000.
O resultado foi o desenvolvimento dum grupo branco distinto, superior ao resto da população: as áreas
centrais das cidades são dos brancos -a população africana vive em barracas em volta dos limites
das cidades - e há cinemas brancos, restaurantes brancos, hospitais com enfermarias separadas para
brancos, e, na Beira, até nos autocarros há segregação.
Assimilação
Contra as
acusações de racismo, os Portugueses citam regularmente a posição do assimilado. O Professor Caetano,
na sua apologia dos métodos coloniais portugueses, escreve: "Embora respeitando o modus vivendi
dos nativos, os Portu-
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