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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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jectos urgentes; o artígo 296.° permite-o em casos de urgência,
ou "por outras razões", expressão que vai tirar todo o seu signi-
ficado à palavra "excepcional" no artigo 294.°; o artigo 299.°
permite o uso da força no recrutamento da mão-de-obra.
    O princípio do trabalho forçado está no próprio conteúdo
da Constituição Portuguesa, que no artigo 146.°, ainda em vigor,
diz: "O Estado não pode forçar os nativos ao trabalho, excepto
em obras públicas de interesse geral [...] para cumprir sentenças
de carácter penal e para executar obrigações fiscais."
   O  Código de 1928, todavia, foi abolido no decorrer das re-
formas precipitadas pelas pressões internacionais do pós-guerra
e pela insurreição de Angola. Nos  seus esforços para fugir
ao isolamento  internacional, Portugal assinou a Convenção
Internacional do Trabalho  sobre a  Abolição do  Trabalho
Forçado, em  1959*. A partir daí, teve de conformar os seus
próprios regulamentos do  trabalho com  as normas  dessa
Convenção; em  1960, foram revogadas algumas das dispo-
sições que davam aos administradores plenos poderes punitivos,
e os salários mínimos foram aumentados. Também em 1961,
a base legal das colheitas obrigatórias foi anulada. Desde então,
no papel, não existiu mais trabalho forçado em Moçambique.
Mas  já vimos como, na  história das condições do trabalho,
há uma longa tradição de reformas de papel que não alteraram
em  nada as condições da vida real. Nas regiões do Norte de
Moçambique,  trabalho obrigatório de todos os géneros foi
praticado em larga escala até 1964, quando a guerra, forçando
os Portugueses à retirada, lhe pôs ponto final.
   Em   1961, uma  comissão da Organização  Internacional
do Trabalho foí investigar sobre denúncias de trabalho forçado
nas  colónias portuguesas, e  nos  seus relatórios declarou-se
incapaz de encontrar provas de violações directas, pelo Governo,
da Convenção sobre a Abolição do Trabalho Forçado. Contudo,

   * Convenção  n.° 105 da OIT  (1957), aprovada paia ratificação pelo De-
creto-Lei n.° 42 381, de 13 de Junho de 1959, e registada em 23 de Novembro
de 1959. (N. Do Editor.)

algumas das suas descobertas parecem  contradizer esta con-
clusão: em Moçambique,  a comissão de inquérito entrevistou
um  grupo  de trabalhadores das estradas, que disseram terem
sido obrigados ao trabalho contra sua vontade, pelo chefe de
posto  (Boletim da OIT, vol. XLV, n." 2, § 389); nas docas da
Beira um dos homens entrevistados tínha sido mandado contra
sua vontade  (ibid., § 387); nas plantações da Sena Sugar, um
grupo de trabalhadores entrevistados declarou que "não estavam
contentes e parecia [...] que tinham sido intimados a trabalhar
pelas  autoridades nativas  ou administrativas"  (ibid., § 497).
Quanto  à questão  de pressões financeiras, o próprio director
do  Departamento dos Assuntos Nativos  declarou que "os
nativos tinham que pagar os impostos, e, se não tinham posses
para  o fazer, o único processo  era a  prestação de  trabalho
até conseguir a quantia necessária... se não pagava o imposto,
a pessoa em questão era condenada ao trabalho correctivo até
conseguir a  importância devida"  (ibid., § 451). Estas provas
foram obtidas apesar de a comissão ter passado somente seis
dias em Moçambique,  visitando apenas as áreas mais prósperas
em redor de Lourenço Marques, Beira e Quelimane. Além disso,
embora  a comissão  entrevistasse por vezes os trabalhadores
sem  a presença de funcionários, o medo da PIDE   (polícia
política portuguesa) tinha uma influência invisível em todas
as conversas.
   Em  1962 foi publicado um novo código intitulado "Código
do Trabalho Rural" para as províncias de África e Timor (De-
creto-Lei n.° 44 310, de 27 de Abril de 1962). Já não aparece
no título o princípio de discriminação, mas na realidade a lei
só é aplicada àqueles que na antiga lei são chamados "nativos".
"Rural", neste Código,  significa "não qualificado" - traba-
lhadores agrícolas, mineiros, trabalhadores de fábricas, empre-
gados domésticos, "aqueles trabalhadores cujo serviço se reduza
à simples prestação de mão-de-obra". Deste modo se mantém
a discriminação na prática, embora seja aparentemente eliminada.
O  mesmo  se verifica com o trabalho forçado: o artigo 3.° do
Código, seguindo a tradição, anula-o mais uma vez, e estabelece
que  não podem   ser usadas sanções penais para obrigar ao
cumprimento  de contratos ou ao pagamento  do imposto
per capita. Mais uma vez, na prática, verifica-se que continuam
as sanções civis (prestação de compensação), e a falta de cum-
primento  destas equivale a desprezo da lei e pode ser castigada
com pena de prisão. Um decreto-lei de 29 de Dezembro de 1954
diz que "as penas de prisão impostas aos nativos podem ser
substituídas por sentenças de trabalho pesado em obras pú-
blicas". Assim, pode continuar o trabalho forçado sem violar
a letra da nova lei.
   De  todo  o corpo da recente legislação se pode concluir
claramente que o africano de Moçambique vive em sujeição
económica e política ao branco. As próprias leis promovem
a desigualdade, enquanto a prática vai ainda mais longe, para
manter o africano firmemente no papel de um ser de segunda
classe cuja função é servir a minoria portuguesa. É pois de
esperar que as relações sociais reflictam esta situação. A recente
expansão da população  branca tornou ainda mais evidente a
existência de comunidades  raciais separadas. Desde os anos
trinta, Portugal tem tido bons resultados nos seus esforços
de incitar a emigração para os territórios africanos, e entre 1932
e 1960 a população branca aumentou de 18 000 para 85 000.
O  resultado foi o desenvolvimento dum grupo branco distinto,
superior ao resto da população: as áreas centrais das cidades
são dos  brancos -a  população  africana vive em barracas
em  volta dos limites das cidades - e há  cinemas brancos,
restaurantes brancos, hospitais com enfermarias separadas para
brancos, e, na Beira, até nos autocarros há segregação.


Assimilação

   Contra  as acusações de racismo, os Portugueses citam
regularmente  a posição do  assimilado. O Professor Caetano,
na sua apologia dos métodos  coloniais portugueses, escreve:
"Embora  respeitando o modus vivendi dos nativos, os Portu-

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