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Em nenhum distrito foi o número de votantes superior ao da população "não indígena", embora
em muitos casos fosse consideravelmente inferior. Deve acrescentar-se que, mesmo para o número
reduzido de pessoas abrangidas, a lei não dá na realidade muita auto- nomia local. Segundo a base
VIII, o sistema e jurisdição dos governos ultramarinos são ditados pela Assembleia Nacional. A
base IX diz que o governador-geral de cada província é nomeado pelo Governo Central. Pela base
X, o ministro do Ultramar em Lisboa pode "cancelar ou abolir [...] os diplomas legislativos das
províncias ultramarinas se os julgar ilegais ou contrários ao interesse nacional"; pela base XI,
o ministro do Ultramar "nomeia, demite, transfere, promove, [...] todo o pessoal do quadro geral
das províncias ultramarinas". Talvez o mais importante ainda seja o facto de que, através da base
LX, a política económica geral, incluindo questões de colonatos, deslocações e mão-de-obra, é
orientada pelo poder central. Deduz-se claramente que, mesmo que no futuro um número importante
de africanos fosse recenseado, eles não adquiririam poder político apreciável. Sendo o Africano
desprovido de cidadania e privado de todos os direitos políticos, seria surpreendente que a sua situação
económica não continuasse deficiente. O africano não assimilado é, por lei, severamente limitado na
sua actividade económica: não pode tomar parte em actividades comerciais e não tem instrução que
lhe permita exercer uma profissão. Portanto, o único meio que lhe resta para ganhar a vida é a agricultura
ou o trabalho assalariado. Ora os salários baseiam-se em considerações estritamente raciais, como
demonstram os números seguintes:
Salários agrícolas
Salário anual
Raças em escudos
Brancos 47 723$00
Mestiços 23 269$00 Africanos assimilados
5 478$00 Africanos não assimilados l 404$00
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Salários industriais
Salário diário Raças
Qualificações em escudos Brancos
Nenhuma l00$00 mínimo Mestiços Nenhuma
70$00 máximo Africanos Semiqualificados 30$00 máximo Africanos
Não qualificados 5$00 máximo
Para dar uma indicação do significado
prático destes nú- meros, seguem-se dois depoimentos de africanos de Moçam- bique, que relatam
as suas experiências. O primeiro diz respeito a um africano com alguma qualificação, com carta de
condução automóvel e que descreve portanto as condições duma minoria afortunada:
Natacha
Deolinda (província de Manica e Sofala):
"Meu pai conduzia um camião que transportava cargas
de açúcar, farinha, arroz, etc., para uma companhia. [...] Ganhava 300 escudos por mês trabalhando
todos os dias e por vezes também de noite. Os motoristas brancos ganhavam pelo menos 3000 escudos
pelo mesmo trabalho. [. . .] A vida era difícil na nossa casa: comíamos pouco milho, pouca farinha,
por vezes um pouco de arroz, mas nunca podíamos comprar carne; um boca- dinho muito pequeno de
carne custava pelo menos 15 escudos."
O segundo depoimento é dum trabalhador, e descreve
o trabalho na plantação de chá da Sociedade de Chá Oriental de Milanje:
Joaquim Maquival
(província da Zambézia):
"Meu pai ganhava, e ainda ganha, 150 escudos por mês. [...] Os
assalariados portugueses ganhavam bem. No fim de um mês podiam comprar um carro* novo, enquanto nós
nem podíamos * Isto
é, podia pagar a primeira prestação. Este relato é verosímil, visto que o trabalhador português não
qualificado ganha mais nas colónias do que em Portugal, e muitos possuem carro.
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comprar chá, e ao fim de um ano não tínhamos que chegasse para comprar uma bicicleta."
Para muitos africanos, a única alternativa para o trabalho manual pesado era o serviço doméstico,
mas é mal pago, e em condições duras e muitas vezes humilhantes. Outra moçam- bicana descreve a
sua experiência:
Teresinha Mblale (província de Cabo Delgado):
"Nunca pude ir
à escola porque não tínhamos dinheiro. Eu tinha que trabalhar e empreguei-me como criada em casa do
administrador. Pagavam-me 50 escudos por mês. Começava a trabalhar muito cedo e não tinha descanso
até ao sol-posto, e muitas vezes de noite também. Não comia lá. Os meus patrões batiam-me e insultavam-me.
Se eu partia um copo, batiam-me e gritavam, e não me pagavam no fim do mês." A própria lei
sanciona este estado de franca desigualdade. A legislação primitiva permitia uma suave transição
entre a escravatura e o trabalho forçado, mas só depois da consoli- dação do Estado fascista em
Portugal se racionalizou o sistema. Em 6 de Setembro de 1928, o Código do Trabalho dos Indí- genas
das Colónias Portuguesas foi publicado em forma de decreto, e foi incorporado no Acto Colonial de
1930. Philippe Comte, em 1964, comentava: "O princípio da discriminação ficou escrito no próprio
nome da lei de 1928: havia duas secções de regulamentação de trabalho, uma para nativos, outra
para os outros, e a primeira impunha condições extre- mamente pesadas ao trabalhador." (Revue juridique
et politique, "Indépendence et Coopération", n.°" 2-4, Abril-1 Junho de 1964.) O artigo 3.° do
Código fingia proibir a prática do trabalho forçado, mas acrescentava: "sem impedir os nativos de
cumprir o dever moral de se assegurarem de meios de subsistência pelo trabalho, e deste modo servirem
os interesses gerais da huma- nidade". De facto, pelos outros artigos, a lei preenche todas as
condições do sistema de trabalho forçado: o artigo 294.° autoriza o trabalho forçado em casos excepcionais,
para pro-
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