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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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   Em  nenhum   distrito foi o número de votantes superior
ao da  população "não indígena", embora em  muitos casos
fosse consideravelmente inferior.
   Deve acrescentar-se que, mesmo para o número reduzido
de pessoas abrangidas, a lei não dá na realidade muita auto-
nomia local. Segundo a base VIII, o sistema e jurisdição dos
governos ultramarinos são ditados pela Assembleia Nacional.
A  base IX diz que o  governador-geral de cada  província é
nomeado  pelo Governo  Central. Pela base X, o ministro do
Ultramar em Lisboa pode "cancelar ou abolir [...] os diplomas
legislativos das províncias ultramarinas se os julgar ilegais
ou  contrários ao interesse nacional"; pela base XI, o ministro
do Ultramar "nomeia, demite, transfere, promove, [...] todo
o pessoal do quadro geral das províncias ultramarinas". Talvez
o mais importante ainda seja o facto de que, através da base LX,
a política económica geral, incluindo questões de colonatos,
deslocações e mão-de-obra, é   orientada pelo poder  central.
Deduz-se claramente que, mesmo que no futuro um número
importante de africanos fosse recenseado, eles não adquiririam
poder  político apreciável.
   Sendo o Africano desprovido de cidadania e privado de
todos os direitos políticos, seria surpreendente que a sua situação
económica não continuasse deficiente. O africano não assimilado
é, por lei, severamente limitado na sua actividade económica:
não pode  tomar parte em actividades comerciais e não tem
instrução que lhe permita exercer uma profissão. Portanto, o
único meio que lhe resta para ganhar a vida é a agricultura ou o
trabalho assalariado. Ora os salários baseiam-se em considerações
estritamente raciais, como demonstram os números seguintes:

                                    Salários agrícolas
                                                                          Salário anual
                    Raças                                                      em escudos  
 
                             
       Brancos                                          47 723$00
       Mestiços                                         23 269$00
       Africanos assimilados                        5 478$00
       Africanos não assimilados                   l 404$00
                                   Salários industriais
                                                                                         Salário diário
      Raças                       Qualificações                              em escudos

                 
   Brancos          Nenhuma                         l00$00 mínimo
   Mestiços         Nenhuma                          70$00 máximo
   Africanos        Semiqualificados               30$00 máximo
   Africanos        Não qualificados                5$00 máximo

   Para dar uma  indicação do significado prático destes nú-
meros, seguem-se dois depoimentos de africanos de Moçam-
bique, que relatam as suas experiências. O primeiro diz respeito
a um africano com alguma qualificação, com carta de condução
automóvel e que descreve portanto as condições duma minoria
afortunada:

   Natacha  Deolinda (província de Manica e Sofala):

   "Meu pai conduzia um camião que transportava cargas de
açúcar, farinha, arroz, etc., para uma companhia. [...] Ganhava
300 escudos por mês trabalhando todos os dias e por vezes
também de noite. Os motoristas brancos ganhavam pelo menos
3000 escudos pelo mesmo trabalho. [. . .] A vida era difícil na nossa
casa: comíamos pouco milho, pouca farinha, por vezes um
pouco de arroz, mas nunca podíamos comprar carne; um boca-
dinho muito pequeno de carne custava pelo menos 15 escudos."

   O  segundo depoimento é dum  trabalhador, e descreve o
trabalho na plantação de chá da Sociedade de Chá Oriental de
Milanje:

   Joaquim Maquival  (província da Zambézia):

   "Meu pai ganhava, e ainda ganha, 150 escudos por mês. [...]
Os assalariados portugueses ganhavam bem. No fim de um mês
podiam comprar um carro* novo, enquanto nós nem podíamos
                                                                     
   *  Isto é, podia pagar a primeira prestação. Este relato é verosímil, visto que o  trabalhador português não qualificado ganha mais nas colónias do que em Portugal, e muitos possuem carro.
comprar chá, e ao fim de um ano não tínhamos que chegasse
para comprar uma  bicicleta."

    Para muitos africanos, a única alternativa para o trabalho
manual pesado era o serviço doméstico, mas é mal pago, e
em condições duras e muitas vezes humilhantes. Outra moçam-
bicana descreve a sua experiência:

   Teresinha  Mblale (província de Cabo Delgado):

   "Nunca pude ir à escola porque não tínhamos dinheiro. Eu
tinha que trabalhar e empreguei-me como criada em casa do
administrador. Pagavam-me 50 escudos por mês. Começava a
trabalhar muito cedo e não  tinha descanso até ao sol-posto,
e muitas vezes de noite também. Não comia lá. Os meus patrões
batiam-me e insultavam-me. Se eu partia um copo, batiam-me
e gritavam, e não me pagavam no fim do mês."
    A própria lei sanciona este estado de franca desigualdade.
A  legislação primitiva permitia uma suave transição entre a
escravatura e o trabalho forçado, mas  só depois da consoli-
dação do Estado fascista em Portugal se racionalizou o sistema.
Em  6 de Setembro de 1928, o Código do Trabalho dos Indí-
genas das Colónias Portuguesas foi publicado em forma de
decreto, e foi incorporado no Acto Colonial de 1930. Philippe
Comte, em  1964, comentava: "O princípio da discriminação
ficou escrito no próprio nome da lei de 1928: havia duas
secções de regulamentação de  trabalho, uma para nativos,
outra para os outros, e a primeira impunha condições extre-
mamente  pesadas ao trabalhador." (Revue juridique et politique,
"Indépendence et Coopération", n.°" 2-4, Abril-1 Junho de
1964.) O artigo 3.° do Código fingia proibir a prática do trabalho
forçado, mas acrescentava: "sem impedir os nativos de cumprir
o dever moral de se assegurarem de meios de subsistência pelo
trabalho, e deste modo servirem os interesses gerais da huma-
nidade". De facto, pelos outros artigos, a lei preenche todas
as condições do sistema de trabalho forçado: o artigo 294.°
autoriza o trabalho forçado em  casos excepcionais, para pro-

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