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nas quais um chefe, cujo poder provinha mais da nomeação pelos Portugueses do que da estrutura
tribal, se limitava a cumprir as instruções dos administradores. Os principais aperfeiçoamentos
legais dos principios do século XX definiram a base legal desta distinção entre dois tipos de população.
O código de assistência ao nativo de 1921 definiu o africano civilizado como aquele que sabia falar
português, se tinha desligado de todos os costumes tribais e tinha emprego estável e remunerado.
Esse devia ser olhado como português de pleno direito, enquanto que todos os africanos que não correspondessem
a esta descrição ficavam sob a autoridade dos administradores. Era esta a base do sistema de assimilados,
pela qual a população africana era dividida em assimilados, mi- noria diminuta que tinha adoptado
um estilo de vida essencial- mente português, e indígenas, que eram a grande maioria da população
africana. O Estado Novo de Salazar, nos anos trinta e quarenta, continuou esta política, elaborando
e clarificando a legislação anterior. Estabeleceu-se em todos os territórios africanos um regime
do indigenato. A população africana foi dividida em duas categorias distintas: indígenas (africanos
não assimilados) e não indígenas (qualquer pessoa que tivesse pleno direito de cidadania portuguesa,
incluindo os africanos assimi- lados, embora na prática estes fossem muitas vezes olhados como
uma terceira categoria). O indígena não tinha direito a cidadania, era obrigado a trazer um cartão
de identidade (caderneta indígena) e estava sujeito a todas as regulamentações do regime do
indigenato, que obrigava à prestação de trabalho, lhe proibia o acesso a certas áreas da cidade depois
do escurecer e lhe autorizava um número reduzido de lugares de diverti- mento, incluindo cinemas
onde os filmes eram objecto de cen- sura especial. O não indígena tinha, teoricamente, todos os pri-
vilégios de cidadania portuguesa. Depois da Segunda Guerra Mundial, surgiram mudanças substanciais
no mundo exterior. As organizações internacionais tornaram-se mais influentes, o conceito de autodeterminação
foi gradualmente aceite pela maioria das potências coloniais,
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e alastrou um movimento mundial para a democracia em muitas partes do Mundo. Portugal permaneceu alheio
a estas tendências, até que as reivindicações indianas sobre Goa chamaram as atenções para a
situação dos territórios coloniais portugueses, e Portugal começou a sentir a necessidade de defender
a sua posição colonial. Iniciou negociações com o fim de ser admitido na ONU; mas, para o conseguir,
teve de introduzir algumas alterações para modernizar a estrutura das suas colónias. E em primeiro
lugar, de um dia para o outro, em 1951, transformou as colónias em "províncias ultramarinas", tornando-as
parte integrante de Portugal e esperando assim evitar as decisões da ONU relativas a territórios
sem governo próprio. A agitação em Angola, que em 1961 explodiu em insurreição armada, foi mais
um incentivo para tal mudança, e permitiu a alguns "liberais" do Governo, chefiados por Adriano Moreira,
aumentar a sua influência. O resultado foi uma série de reformas que em 1963 culminaram com a
publicação da nova Lei Orgânica do Ultramar. A questão da cidadania foi tratada em 1961 quando,
a 6 de Setembro, foi abolido o Estatuto dos Indígenas, e todos os habitantes nativos de Moçambique,
Angola e Guiné foram declarados cidadãos portugueses de pleno direito. Foi todavia uma característica
do regime de Salazar que governar no papel tem poucas semelhanças com governo de facto: este caso
não fugiu à regra. A reforma foi privada de qualquer efeito pela pronta emissão de vários tipos
de cartões de identidade desti- nados àqueles "cidadãos" que tinham sido indígenas e aos que eram
considerados cidadãos antes de 1961. O antigo indígena passou a ser portador de um cartão de identidade
no qual se lê claramente "Província de Moçambique", no interior do qual está especificado o local
de nascimento e residência em termos de área administrativa indígena; o antigo cidadão tem um bi-
lhete de identidade onde não vem mencionada a província ou o local de residência e que é em tudo igual
ao bilhete de identi- dade dum cidadão de Portugal metropolitano. Assim, as auto- ridades podiam
facilmente distinguir entre as duas categorias
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de cidadãos", e os pormenores indicados no cartão de identi- dade ajudarão a policia a aplicar as
velhas leis de restrição das actividades e da mobilidade do indígena. A nova Lei Orgânica
do Ultramar - mais uma vez, teo- ricamente - alargou a representatividade nas províncias ultra- marinas;
permitiu uma extensão do sistema municipal, em que os funcionários locais são eleitos pelos habitantes
da zona, em actos eleitorais de liberdade limitada; previu também a participação nas eleições
para a Assembleia Legislativa em Lisboa. Há, contudo, uma cláusula que impede a aplicação desta
participação à população africana. A secção II da base XLV diz: "Transitoriamente, em regiões onde
o desenvolvimento económico e social julgado necessário ainda não tenha sido atingido, as municipalidades
podem ser substituídas por dis- tritos administrativos, constituídos por postos administrativos, excepto
onde seja possível a criação de freguesias." Na prática, isto significa que todas as áreas habitadas
por africanos são governadas por funcionários portugueses sob o velho regime autoritário, mas que
pode formar uma freguesia se houver um grupo de brancos residentes numa região predominante- mente
africana. Os números relativos às eleições de 1964 em Moçambique demonstram uma forte corrente
racista. De uma população de 6592994, apenas havia 93079 eleitores qualificados. Sendo a população
de assimilados e não africanos de 163149, é evidente que nem mesmo neste grupo há direito geral de
voto e portanto que virtualmente nenhum africano indígena adquiriu cida- nania. Nalguns distritos
houve estreita correlação entre a população "não indígena" e os recenseados:
População "Não Votantes
local indígenas" Manica e Sofala 779 462
31 205 31 054 Cabo Delgado 546 648 3 894 3 890
Niassa 276 795 1 490 1 489
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