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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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nas quais um chefe, cujo poder provinha mais da nomeação
pelos Portugueses  do  que  da estrutura tribal, se limitava a
cumprir as instruções dos administradores.
    Os principais aperfeiçoamentos legais dos principios do
século XX definiram a base legal desta distinção entre dois tipos
de população. O código de assistência ao nativo de 1921 definiu
o africano civilizado como aquele que sabia falar português,
se tinha desligado de todos os costumes tribais e tinha emprego
estável e remunerado. Esse devia ser olhado como português
de pleno  direito, enquanto que todos os africanos que não
correspondessem a esta descrição ficavam sob a autoridade dos
administradores. Era  esta a base  do  sistema de  assimilados,
pela qual a população africana era dividida em assimilados, mi-
noria diminuta que tinha adoptado um estilo de vida essencial-
mente  português, e indígenas, que eram a grande maioria da
população africana. O Estado Novo de Salazar, nos anos trinta
e quarenta, continuou esta política, elaborando e clarificando
a legislação anterior. Estabeleceu-se em todos os territórios
africanos um regime do indigenato. A população africana foi
dividida em  duas categorias distintas: indígenas (africanos não
assimilados) e não indígenas (qualquer pessoa que tivesse pleno
direito de cidadania portuguesa, incluindo os africanos assimi-
lados, embora na prática estes fossem muitas vezes olhados
como  uma  terceira categoria). O indígena não tinha direito a
cidadania, era obrigado a trazer um  cartão de identidade
(caderneta indígena) e estava sujeito a todas as regulamentações
do regime do indigenato, que obrigava à prestação de trabalho,
lhe proibia o acesso a certas áreas da cidade depois do escurecer
e lhe autorizava um número reduzido de lugares de diverti-
mento, incluindo cinemas onde os filmes eram objecto de cen-
sura especial. O não indígena tinha, teoricamente, todos os pri-
vilégios de cidadania portuguesa.
   Depois da Segunda Guerra Mundial, surgiram mudanças
substanciais no mundo exterior. As organizações internacionais
tornaram-se mais influentes, o conceito de autodeterminação
foi gradualmente aceite pela maioria das potências coloniais,
e alastrou um movimento mundial para a democracia em muitas
partes do Mundo. Portugal permaneceu alheio a estas tendências,
até que as reivindicações indianas sobre Goa chamaram  as
atenções para a   situação dos territórios coloniais portugueses,
e Portugal começou  a sentir a necessidade de defender a sua
posição colonial. Iniciou negociações com o fim de ser admitido
na ONU;   mas, para o conseguir, teve de introduzir algumas
alterações para modernizar a estrutura das suas colónias. E em
primeiro lugar, de um dia para o outro, em 1951, transformou
as colónias em  "províncias ultramarinas", tornando-as parte
integrante de Portugal e esperando assim evitar as decisões da
ONU  relativas a territórios sem governo próprio. A agitação
em  Angola, que em  1961 explodiu em  insurreição armada,
foi mais um incentivo para tal mudança, e permitiu a alguns
"liberais" do Governo, chefiados por Adriano Moreira, aumentar
a sua influência. O resultado foi uma série de reformas que em
1963 culminaram com  a publicação da nova Lei Orgânica do
Ultramar.
   A  questão da cidadania foi tratada em 1961 quando, a 6 de
Setembro, foi abolido o Estatuto dos Indígenas, e todos os
habitantes nativos de Moçambique, Angola e Guiné foram
declarados cidadãos portugueses de pleno direito. Foi todavia
uma  característica do regime de Salazar que governar no papel
tem poucas semelhanças com governo  de facto: este caso não
fugiu à regra. A reforma  foi privada de qualquer efeito pela
pronta emissão de vários tipos de cartões de identidade desti-
nados àqueles "cidadãos" que tinham sido indígenas e aos que
eram considerados cidadãos antes de 1961. O antigo indígena
passou a ser portador de um cartão de identidade no qual se lê
claramente "Província de Moçambique",  no interior do qual
está especificado o local de nascimento e residência em termos
de área administrativa indígena; o antigo cidadão tem um bi-
lhete de identidade onde não vem mencionada a província ou
o local de residência e que é em tudo igual ao bilhete de identi-
dade dum  cidadão de Portugal metropolitano. Assim, as auto-
ridades podiam  facilmente distinguir entre as duas categorias
de cidadãos", e os pormenores indicados no cartão de identi-
dade  ajudarão a policia a aplicar as velhas leis de restrição das
actividades e da mobilidade  do indígena.
   A nova Lei Orgânica do Ultramar - mais uma vez, teo-
ricamente -  alargou a representatividade nas províncias ultra-
marinas; permitiu uma  extensão do sistema municipal, em
que os funcionários locais são eleitos pelos habitantes da zona,
em  actos eleitorais de liberdade limitada; previu também a
participação nas eleições para  a Assembleia  Legislativa em
Lisboa. Há, contudo, uma  cláusula que impede a aplicação
desta participação à população africana. A secção II da base XLV
diz: "Transitoriamente, em regiões onde o desenvolvimento
económico  e social julgado necessário ainda não tenha sido
atingido, as municipalidades podem ser substituídas por dis-
tritos administrativos, constituídos por postos administrativos,
excepto onde seja possível a criação de freguesias." Na prática,
isto significa que todas as áreas habitadas por africanos são
governadas por funcionários portugueses sob o velho regime
autoritário, mas que pode formar uma  freguesia se houver
um  grupo de brancos residentes numa região predominante-
mente  africana.
   Os números relativos às eleições de 1964 em Moçambique
demonstram  uma  forte corrente racista. De uma população
de 6592994, apenas havia 93079 eleitores qualificados. Sendo
a população de assimilados e não africanos de 163149, é evidente
que nem mesmo  neste grupo há direito geral de voto e portanto
que  virtualmente nenhum  africano indígena adquiriu cida-
nania. Nalguns  distritos houve  estreita correlação entre  a
população "não indígena" e os recenseados:
                                   População                "Não               Votantes
                                                   local                   indígenas"

   Manica  e Sofala      779 462          31 205         31 054
   Cabo Delgado          546 648           3 894          3 890
   Niassa                      276 795           1 490          1 489

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