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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE


1968


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   A  Reforma pode  ter enfraquecido a utilidade da Igreja
como  aliado político em assuntos internacionais, mas a nível
local a Igreja continuou a ser uma grande força e foi recom-
pensada do seu trabalho com  concessões de terra que eram
administradas como qualquer propriedade secular.
   Foi durante os séculos XVII e XVIII que se introduziu em
Moçambique  o  sistema dos prazos. Prazeiros eram os colonos
e proprietários portugueses e goeses que, lembrando os senhores
feudais europeus, dominavam os africanos que tinham a des-
graça de lhes cair sob a alçada. A sorte destes africanos era pior
do que  a dos escravos. Os prazeiros controlavam muitas vezes
distritos inteiros a seu bel-prazer, tendo por lei a sua própria
vontade e pagando  a vassalagem ao rei de Portugal só de vez
em quando. Missionários dominicanos: e jesuítas também pos-
suíam vastas terras, administrando-as como qualquer prazeiro,
cobrando impostos  por cabeça e, logo que a escravatura se
tornou rendosa, negociando em escravos. As grandes com-
panhias, como a do Niassa e a de Manica e Sofala, desenvol-
veram-se a partir do sistema dos prazos. O sistema das com-
panhias  concessionárias portuguesas, que  estereotipam  as
principais empresas económicas do colonialismo português,
foi provavelmente  buscar as suas subtilezas ao sistema dos
prazos deste período.
   A  corrupção no sistema dos prazos era tão descarada que,
pela terceira década do século XIX, o próprio Governo Português
se sentiu obrigado a condená-lo. O desprezo por  pessoas e
propriedades era notório, e os senhores  feudais negreiros
levavam um número  exorbitante de africanos para fora.
   Muitas  destas actividades na África oriental foram apare-
cendo primeiro ao longo da faixa costeira, abrangendo contactos
com  os Árabes e   os Swahilis, e só muito superficialmente
contactos com a grande massa de  gente de língua banta do
que é hoje a África oriental e Moçambique.
   Mas  é a partir da proverbial corrida à África, começada
na segunda metade do século XIX, que devemos datar o inicio
da conquista portuguesa do actual Moçambique.
    Depois  da divisão da  África na Conferência de Berlim,
em  1884-1885, Portugal teve de capturar e controlar os terri-
tórios que lhe haviam sido atribuídos. Para este fim, os Portu-
gueses utilizaram todos os meios conhecidos  na história da
conquista colonial. Onde  isso foi possível, recorreu-se à infil-
tração feita por mercadores portugueses, que se disfarçavam
de simples homens de negócios interessados na troca de mer-
cadorias entre iguais; mas, subsequentemente, tendo espiado
e feito levantamentos duma região, enviavam depois forças
militares para destruir qualquer  resistência dos chefes  locais.
Por  vezes os  Portugueses serviram-se de colonos brancos,
que  fingiam ter necessidade de terras para cultivar, mas que,
após  terem sido atendidos  pêlos chefes nativos tradicionais,
reclamavam  a posse das terras comunais e passavam a escra-
vizar os seus hospedeiros africanos. Algumas vezes até missio-
nários portugueses foram utilizados como "pacificadores" dos
nativos, oferecendo a fé cristã como canção de embalar, en-
quanto  as forças militares portuguesas ocupavam   a terra e
controlavam o povo.
   Onde  a autoridade tradicional era forte, onde a máquina
militar era adequada, oferecendo séria resistência à conquista
europeia, os Portugueses  eram  mais cautelosos, servindo-se
de meios  de contacto inicial mais afáveis. Para iniciar contactos
com  estados africanos fortes, estavam sempre dispostos a esta-
belecer relações diplomáticas, enviando "embaixadores" portu-
gueses  às cortes dos  chefes  tradicionais mais importantes.
E  depois de terem auscultado suficientemente as forças e as
fraquezas do governo, procediam  ao ataque, servindo-se das
habituais desculpas de "provocações" ou  de "protecção  dos
colonos ou missionários brancos".
   Assim  foi justificada a guerra contra Gaza, último dos
impérios tradicionais de Moçambique, iniciada em 1895, ter-
minou três anos mais tarde com a morte em combate do general
Magigwane e a captura e deportação do imperador Gungunhana
para Portugal, onde veio a morrer alguns anos mais tarde.
   Nos princípios do século XX, os Portugueses começaram a
organizar o seu sistema de administração, embora só nos anos
vinte se encontrasse esmagada a resistência armada em todas
as áreas  do  território.
   Os  homens encarregados desta campanha de pacificação
estabeleceram  o modelo  para  a futura política colonial, for-
mando, no alvorecer da conquista, um sistema de administração
que pouco  tem mudado.  Durante o século anterior, a política
colonial teórica tinha flutuado ao sabor das vicissitudes políticas,
mas  essas flutuações tinham pouca importância nas colónias,
visto o  controle  português  se exercer  apenas na  periferia.
Um  liberal como Sá da Bandeira podia fazer leis contra a escra-
vatura e delinear princípios mais humanitários; mas não tinha,
nem  a podia criar, a máquina para pôr em execução as suas
directivas. Só no período entre  1890 e 1900  foi possível ao
Governo  Português ter suficiente poder em África para desen-
volver uma política colonial com alguns efeitos práticos.
   António Enes foi o mais influente daqueles que orientaram
a pacificação. Comissário régio de Moçambique de 1894 a
1895, encontrava-se rodeado por um grupo de militares, muitos
dos quais o seguiram na carreira da administração. Entre estes
encontrava-se Mouzinho de Albuquerque, festejado em Lisboa
como herói colonial pela sua campanha contra o Gungunhana
e que sucedeu a António Enes como comissário régio; escreveu
um  livro sobre a colónia recém-dominada, Moçambique, 1899;
e Eduardo Ferreira da Costa, governador de Moçambique em
1896, governador-geral de Angola em 1906 e autor de "Estudos
sobre a  Administração  Civil das  Províncias Ultramarinas, onde
estabelece os princípios gerais da futura administração colonial.
   Estes homens eram todos formados em moldes militares,
portugueses patriotas dedicados, com pouco tempo para as
considerações mais largas dos liberais. Reagiram com indignação
às humilhações impostas a Portugal pelas outras potências colo-
niais. A atitude de António Enes foi firme e prática: as colónias
tinham que se tornar úteis, dando a Portugal lucro e prestígio.
Tudo  isto significava que era preciso completar a conquista,
estabelecer um sistema administrativo para consolidar as con-

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