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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE


1968


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   Colonização - A   tradição


       Quando  os brancos vieram para a nossa terra nós tínhamos
                      a terra e eles tinham  a bíblia;
               agora  nós temos  a bíblia e eles têm a  terra

                            (Provérbio africano)
Os  Portugueses reclamam o direito de controle das regiões da
África conhecidas por Angola, Moçambique,  Guiné-Bissau,
ilhas de Cabo Verde  e ilhas de S. Tomé  e Príncipe. Estas
colónias são praticamente o que resta do império estabelecido
pêlos Portugueses nos  séculos XVI, XVII,XVIII e XIX. Angola
cobre a maior destas áreas, mas Moçambique tem  a maior
população(cerca de 8 milhões, embora  as estatísticas oficiais
refiram cerca de 7 milhões).
    Os  contactos entre Portugal e o que é agora conhecido
por Moçambique  começaram pelos fins do século XV, quando
Vasco da Gama,  célebre navegador português, chegou à ilha
de Moçambique,  nos princípios de Março de 1498. Visto que
o  principal interesse dos reis portugueses que promoviam
estas expedições era abrir uma rota para a ĺndia, mais segura
do  que a perigosa rota terrestre do Médio Oriente, os Portu-
gueses contentaram-se durante muitos anos com os postos de
abastecimento  que estabeleceram ao longo  da costa africana,
e deixaram intacto o interior. Os Portugueses apregoam agora
que estiveram em  Moçambique  durante mais de 450 anos,
querendo dizer que durante todo esse tempo controlaram politi-
camente  o país. Se há nisso alguma verdade, esta reside no facto
de, pouco depois dos primeiros contactos com as populações
das zonas costeiras da África oriental, os Portugueses, invejando
a riqueza e o poder dos árabes que dominavam a região, terem
organizado forcas de combate conforme puderam, para conquis-
tarem uma  posição de  controle. Servindo-se das rivalidades
existentes entre os vários chefes e xeques de cidades como
Pate, Melinde, Quíloa, Zanzibar, Moçambique  e Sofala, céle-
bres pela sua "prosperidade e  elegância", conseguiram final-
mente o monopólio do então riquíssimo comércio do marfim,
do ouro e das pedras preciosas.
   Nas  cidades-estados, o desenvolvimento  político estava
muito atrasado em relação com o progresso material e cultural.
Segundo o Prof. James Duffy: "A unidade política era um fardo
transitório. Cada príncipe local defendia a independência polí-
tica e comercial, e não existia nenhuma nação africana oriental,
embora  as cidades mais fortes dominassem por vezes os seus
vizinhos mais fracos*."
   Todavia, mesmo  explorando estas situações, os Portugueses
nunca conseguiram impor um controle político duradouro, ex-
cepto numa faixa de território que se estende entre Cabo Delgado
e a cidade-estado de Sofala. Cerca de 1700, um ressurgimento da
influência islâmica nessas regiões africanas determinou que os
soldados e mercadores portugueses fossem expulsos de dezenas
de cidades onde tinham exercido controle intermitente.
   A  partir do  princípio do século XVIII,   os Portugueses
concentraram  os seus esforços na conquista do  controle da
riquíssima zona de comércio entre Cabo Delgado  e a bacia
do  Zambeze, numa  tentativa de capturar o fluxo do ouro
das então famosas minas de ouro do Monomotapa,  que eles
julgavam serem as proverbiais "minas do rei Salomão". Nesta
ocasião, as suas actividades afectaram uma área que abrangia
o que é hoje a Zâmbia e o Zimbabwe ou a Rodésia do Sul.
A  capital do império do Monomotapa era situada na Masho-
nalândia e fazia parte da então confederação de Makalanga.
   Durante duzentos anos, os Portugueses foram assim capazes

   * James  Duffy, Portugal in Africa, Penguin, 1962, p. 75.

de obter muita riqueza a partir do controle que exerciam sobre
o  fluxo de comércio proveniente do interior em direcção às
cidades-estados da região costeira e ao exterior. Durante os
séculos XVII e XVIII, a autoridade portuguesa estava firmemente
estabelecida nas zonas norte e  centro de  Moçambique,  de
modo   que lhes foi possível introduzir missionários católicos,
primeiro dominicanos e depois jesuítas, que trouxeram a cris-
tandade para a África oriental. Mas o possível sucesso deste
primeiro esforço missionário foi quase completamente des-
truído, no século XVIII,  pelos efeitos da corrupção resultante
da aliança entre a Igreja e o Estado em actividades comerciais,
religiosas e  políticas.
    Esta  aliança entre a  Igreja, o  Estado   e os  interesses
comerciais data dos primeiros tempos da expansão colonial.
Em  1905, o rei D. Manuel deu ordem para que os mercadores
árabes de Sofala fossem feitos escravos, "porque são inimigos
da nossa Fé Católica e estamos em contínua guerra com eles".
A  verdadeira razão era a competição comercial, como está
claramente expresso numa carta de Duarte de Lemos à Coroa,
pedindo urgentemente a morte ou a expulsão dos "respeitáveis
Mouros", e isentando da condenação os Swahilis (embora estes
fossem em geral maometanos), "pois que estes são como animais,
e contentam-se com um punhado de milho; nem tão-pouco
nos fazem  mal, e podem  ser utilizados em qualquer espécie
de trabalho, e tratados como  escravos"*. A fenda aberta na
Igreja europeia pela Reforma foi claramente um grande abalo
para os Portugueses. Marcelo Caetano queixa-se de que "a re-
forma religiosa também conduziu à dissolução do Império,
visto que os países que abandonaram  a comunhão  católica
deixaram de respeitar as bulas pontifícias que, a troco de traba-
lho missionário, entregavam a Portugal as terras recentemente
descobertas e concediam-lhes  soberania absoluta"**.

   * James Duffy, op. cit.
  **  Marcelo  Caetano,  Colonizing Traditions, Principles and Methods of the Portuguese, Lisboa, 1961.

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