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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE


1968


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tiva de  pesquisa séria nos territórios africanos controlados
por eles, quer em assuntos sociais, economia e antropologia,
quer  no campo  aparentemente  neutro das ciências naturais.
O resultado é a falta de informação sobre essas regiões, espe-
cialmente sobre Moçambique, onde os próprios portugueses
realizaram menos trabalho do que em Angola.
    Um bom  exemplo desta ignorância sobre Moçambique
é a  seguinte observação, feita em 1962, dois anos antes de
rebentar a guerra, por alguém que tinha estudado com certa
profundidade a situação em Angola:

     "Pode argumentar-se que em alguns territórios da África
Portuguesa, particularmente em Moçambique, o domínio  por-
tuguês tem mantido uma atmosfera de paz e aparente conten-
tamento*."

   Há muita  gente, suficientemente informada sobre os terri-
tórios africanos de língua inglesa e francesa, que dificilmente
consegue localizar Moçambique no mapa. Se agora há menos
ignorância, é principalmente devido à rebelião dos colonos
brancos na  Rodésia, que atraiu as atenções para o porto da
Beira e localizou Moçambique como o pais que está entre a
Rodésia e o oceano ĺndico. Mas mesmo os que já conseguem
identificar com exactidão Moçambique como aquele extenso
território que se estende ao longo da costa oriental, entre a
Tanzânia e  a África do Sul, pouco mais sabem  acerca dele,
excepto talvez que é "português".
   Acerca deste "portuguesismo" há inúmeras  concepções
erradas. A mais vulgar, resultado do hábil trabalho de relações
públicas de Portugal, refere-se ao "não racismo" dos Portu-
gueses. Esta ilusão é tratada com  alguma  extensão noutro
ponto deste livro. Outra ilusão é a ideia exagerada da profun-
didade e antiguidade da influencia portuguesa na região. É ver-
dade que Vasco da Gama, na sua famosa viagem, ali desem-

   * Andrew Marshall, Angola: symposion, Institute of Race Relatíons", 1962.
(O itálico é meu.)

barcou em  1498, que subsequentemente foram feitas esporá-
dicas visitas por navios portugueses, e que  se estabeleceram
alguns pequenos e isolados postos de comércio. Mas a ideia
de que esses comerciantes encontraram na África oriental uma
costa selvagem e povos totalmente primitivos a quem podiam
facilmente imprimir a sua "influência civilízadora" está bem
longe da verdade. Mercadores árabes tinham já visitado a costa,
deixando  postos comerciais  estabelecidos, durante cerca de
um  milhar de anos, espalhando o Islão e a sua cultura entre
os povos  da região costeira.
   Quanto ao interior, pelo século xv, desenvolveram-se
estados bantos altamente organizados e materialmente avan-
çados, estados aos quais se deveram povoações como a grande
cidade de pedra de Zimbabwe. Estes povos mantiveram relações
com  os Portugueses durante séculos, por sua livre vontade,
verificando-se que a influência portuguesa se exercia mais por
intrigas de corte e suborno religioso entre alguns convertidos
ao cristianismo do que por qualquer domínio político ou cul-
tural nessas regiões.
    Perry Anderson, em Le Portugal et la fin de l'ultra colonialisme
(Paris, 1963), relata que em 1854 "Livingstone calculava que
houvesse 830 brancos em Luanda e somente 100 no resto de
Angola. Assim, em  meados  do  século XIX pode calcular-se
que nunca  podia haver mais do que  3000 portugueses em
toda a África ao sul do Sáara."
   Mesmo  no fim do século XIX os Portugueses não tinham
muito  prestígio em Moçambique.  Oliveira Martins dá-nos
a  seguinte descrição geral das possessões portuguesas em
1890:
   "Estar de arma -  sem gatilho - ao ombro,  sobre os
muros de uma  fortaleza arruinada, com uma alfândega e um
palácio onde vegetam maus empregados  mal pagos, e assistir
de braços cruzados ao comércio que os estranhos fazem e nós
não podemos fazer; a esperar todos os dias os ataques dos negros
e a ouvir a todas as horas o escárnio e o desdém com que falam
de nós" todos os que viajam em África, - não vale, sinceramente,
a pena*."
   Antes da explosão de 1961, Angola era também pouco
conhecida fora do Império  Português. Mas  a revolta e as
subsequentes represálias apareceram nos cabeçalhos dos jornais
da imprensa mundial e Angola saiu da sua obscuridade. A guerra
que rebentou em Moçambique em 1964 não teve o mesmo
efeito; durante cerca de um ano, os Portugueses conseguiram
manter uma  cortina de silêncio sobre os acontecimentos. Só
autorizaram a entrada a muito  poucos jornalistas, escolhendo
aqueles que relatariam os factos conforme o ponto de vista
português. Mas em 1965 cometeram um erro. Autorizaram a
entrada de Lord Kilbracken, que, embora nesse tempo tivesse
pouca simpatia pela FRELIMO, relatou com verdade aquilo
que viu. O resultado foi uma série de artigos no Evening Standard
descrevendo um  estado de guerrilha em grande escala. Desde
então, a maior parte dos grandes jornais europeus e americanos
deram-lhes por vezes cobertura, mas esses artigos não parece
terem causado grande impressão na imaginação do  público.
Agora, quatro anos mais tarde, a maioria dos jornais refere-se
aos acontecimentos como "a guerra esquecida".
    O interesse público por este assunto manteve-se bastante
atrasado em  relação aos interesses comerciais. Já nos anos
trinta, a finança internacional começava a despertar para o
grande potencial económico de Angola e Moçambique. Um
visitante inglês, Patrick Balfour, observou expressivamente:
"As colónias portuguesas já não são uma brincadeira." Todavia,
durante mais  trinta anos, a política portuguesa de restrições
aos  investimentos estrangeiros impediu  estes interesses de
terem efeitos práticos. Pelos fins dos anos cinquenta, o estado
de desassossego em Angola começou a alarmar o Governo e
provocou  uma revisão geral daquela política. Ao rebentarem
as hostilidades em  1961  tornou-se evidente que  Portugal,
completamente só, teria dificuldade em manter o seu domínio

  * O Brasil e as Colónias Portuguesas, 2ª ed., 1881,p. 263. (N.do Editor.)

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