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tiva de pesquisa séria nos territórios africanos controlados por eles, quer em assuntos sociais,
economia e antropologia, quer no campo aparentemente neutro das ciências naturais. O resultado
é a falta de informação sobre essas regiões, espe- cialmente sobre Moçambique, onde os próprios portugueses
realizaram menos trabalho do que em Angola. Um bom exemplo desta ignorância sobre Moçambique
é a seguinte observação, feita em 1962, dois anos antes de rebentar a guerra, por alguém que tinha
estudado com certa profundidade a situação em Angola:
"Pode argumentar-se que em alguns
territórios da África Portuguesa, particularmente em Moçambique, o domínio por- tuguês tem mantido
uma atmosfera de paz e aparente conten- tamento*."
Há muita gente, suficientemente informada
sobre os terri- tórios africanos de língua inglesa e francesa, que dificilmente consegue localizar
Moçambique no mapa. Se agora há menos ignorância, é principalmente devido à rebelião dos colonos brancos
na Rodésia, que atraiu as atenções para o porto da Beira e localizou Moçambique como o pais que está
entre a Rodésia e o oceano ĺndico. Mas mesmo os que já conseguem identificar com exactidão Moçambique
como aquele extenso território que se estende ao longo da costa oriental, entre a Tanzânia e a
África do Sul, pouco mais sabem acerca dele, excepto talvez que é "português". Acerca deste
"portuguesismo" há inúmeras concepções erradas. A mais vulgar, resultado do hábil trabalho de relações
públicas de Portugal, refere-se ao "não racismo" dos Portu- gueses. Esta ilusão é tratada com alguma
extensão noutro ponto deste livro. Outra ilusão é a ideia exagerada da profun- didade e antiguidade
da influencia portuguesa na região. É ver- dade que Vasco da Gama, na sua famosa viagem, ali desem-
* Andrew Marshall, Angola: symposion, Institute of Race Relatíons", 1962. (O itálico é
meu.)
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barcou em 1498, que subsequentemente foram feitas esporá- dicas visitas por navios portugueses, e
que se estabeleceram alguns pequenos e isolados postos de comércio. Mas a ideia de que esses comerciantes
encontraram na África oriental uma costa selvagem e povos totalmente primitivos a quem podiam facilmente
imprimir a sua "influência civilízadora" está bem longe da verdade. Mercadores árabes tinham já visitado
a costa, deixando postos comerciais estabelecidos, durante cerca de um milhar de anos, espalhando
o Islão e a sua cultura entre os povos da região costeira. Quanto ao interior, pelo século
xv, desenvolveram-se estados bantos altamente organizados e materialmente avan- çados, estados
aos quais se deveram povoações como a grande cidade de pedra de Zimbabwe. Estes povos mantiveram relações
com os Portugueses durante séculos, por sua livre vontade, verificando-se que a influência portuguesa
se exercia mais por intrigas de corte e suborno religioso entre alguns convertidos ao cristianismo
do que por qualquer domínio político ou cul- tural nessas regiões. Perry Anderson, em Le
Portugal et la fin de l'ultra colonialisme (Paris, 1963), relata que em 1854 "Livingstone calculava
que houvesse 830 brancos em Luanda e somente 100 no resto de Angola. Assim, em meados do século
XIX pode calcular-se que nunca podia haver mais do que 3000 portugueses em toda a África ao sul
do Sáara." Mesmo no fim do século XIX os Portugueses não tinham muito prestígio em Moçambique.
Oliveira Martins dá-nos a seguinte descrição geral das possessões portuguesas em 1890:
"Estar de arma - sem gatilho - ao ombro, sobre os muros de uma fortaleza arruinada, com uma alfândega
e um palácio onde vegetam maus empregados mal pagos, e assistir de braços cruzados ao comércio
que os estranhos fazem e nós não podemos fazer; a esperar todos os dias os ataques dos negros e
a ouvir a todas as horas o escárnio e o desdém com que falam
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de nós" todos os que viajam em África, - não vale, sinceramente, a pena*." Antes da explosão
de 1961, Angola era também pouco conhecida fora do Império Português. Mas a revolta e as subsequentes
represálias apareceram nos cabeçalhos dos jornais da imprensa mundial e Angola saiu da sua obscuridade.
A guerra que rebentou em Moçambique em 1964 não teve o mesmo efeito; durante cerca de um ano, os
Portugueses conseguiram manter uma cortina de silêncio sobre os acontecimentos. Só autorizaram
a entrada a muito poucos jornalistas, escolhendo aqueles que relatariam os factos conforme o ponto
de vista português. Mas em 1965 cometeram um erro. Autorizaram a entrada de Lord Kilbracken, que,
embora nesse tempo tivesse pouca simpatia pela FRELIMO, relatou com verdade aquilo que viu. O resultado
foi uma série de artigos no Evening Standard descrevendo um estado de guerrilha em grande escala.
Desde então, a maior parte dos grandes jornais europeus e americanos deram-lhes por vezes cobertura,
mas esses artigos não parece terem causado grande impressão na imaginação do público. Agora, quatro
anos mais tarde, a maioria dos jornais refere-se aos acontecimentos como "a guerra esquecida".
O interesse público por este assunto manteve-se bastante atrasado em relação aos interesses comerciais.
Já nos anos trinta, a finança internacional começava a despertar para o grande potencial económico
de Angola e Moçambique. Um visitante inglês, Patrick Balfour, observou expressivamente: "As colónias
portuguesas já não são uma brincadeira." Todavia, durante mais trinta anos, a política portuguesa
de restrições aos investimentos estrangeiros impediu estes interesses de terem efeitos práticos.
Pelos fins dos anos cinquenta, o estado de desassossego em Angola começou a alarmar o Governo e provocou
uma revisão geral daquela política. Ao rebentarem as hostilidades em 1961 tornou-se evidente que
Portugal, completamente só, teria dificuldade em manter o seu domínio
* O Brasil e as
Colónias Portuguesas, 2ª ed., 1881,p. 263. (N.do Editor.)
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