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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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o povo como o peixe na água, eles queriam aquecer a água até
cozer o peixe.
    Desde o inicio da guerra, em todo o território de Moçam-
bique - e  não só nas áreas de combate- houve incursões
para cercar os simpatizantes nacionalistas e foram presos mi-
lhares de "suspeitos". A maioria destes eram camponeses e ope-
rários manuais, "nativos" segundo a terminologia portuguesa.
Não foram julgados nem condenados, mas presos, interrogados,
torturados e, não raras vezes, executados em completo segredo.
Mesmo as famílias não sabem nada de definido: tudo o que
sabem é que a pessoa desapareceu.
    Entre estes "suspeitos" houve alguns intelectuais, pessoas
demasiado conhecidas fora de Moçambique para desaparecerem
sem provocar protestos internacionais. Assim aconteceu com
os poetas José Craveirinha e Rui Nogar; Malangatana Valente,
pintor; Luís Bernardo Honwana, contista. As autoridades por-
tuguesas levaram a tribunal estes homens eminentes, tornando
públicos os seus processos e tentando dar a impressão de que
procediam contra os nacionalistas e sabotadores, etc., da mesma
maneira, legalmente. Mas mesmo estes julgamentos-espectá-
culo não estavam de acordo com os padrões de legalidade
estabelecidos nos países não fascistas. O primeiro  destes
julgamentos, em Março de 1966, terminou com a absolvição
de nove dos treze acusados, por falta de provas; mas o
Governo recusou este veredicto e ordenou novo julgamento
em tribunal militar. Este, agindo por instruções precisas do
Governo, condenou os que tinham sido absolvidos e prolongou
as sentenças dos outros quatro. As próprias sentenças não
tinham qualquer sentido, porque incluíam "medidas de segu-
rança", o que significa que o fim da sentença de prisão pode
ser prorrogado indefinidamente. Uma delegação de juristas
internacionais e os jornalistas estrangeiros foram proibidos de
assistir a este segundo julgamento.
   Todavia, os Portugueses conseguiram dalgum modo
atingir os seus fins, porque o protesto internacional dirigido
especificamente contra este julgamento e contra a sorte destes
treze intelectuais contribuiu para desviar a atenção do principal:
a muito pior sorte de muitos moçambicanos obscuros, que não
passaram sequer por um simulacro de julgamento, mas foram
mortos ou presos em condições ainda muito piores.
   Nas zonas de combate a campanha de terror é mais alar-
gada e mais indiscriminada, com represálias dirigidas contra
o conjunto da população. E onde a campanha não chega às
aldeias os Portugueses recorrem a ataques aéreos; mas onde
os soldados podem atingir o povo, utilizam formas de terror
e tortura pessoais. Estes métodos são bem conhecidos de quem
quer que tenha estudado os métodos dos exércitos fascistas
em qualquer parte do Mundo.
   A extrema brutalidade, contudo, não tem por vezes o
resultado desejado, antes determina o povo na sua hostilidade
contra os Portugueses, e de facto leva-o a actos desesperados
de desafio.
   Esta  política não é só cruel; é tacticamente insensata.
O exército da FRELIMO, pelo contrário, é firme e constante-
mente instruído no sentido de atacar somente os objectivos
militares e económicos. As declarações dos militantes indicam
bem como eles compreendem esta política:

   Joaquim Maquival:

   "[...] Nas nossas unidades e nas nossas missões encon-
trámos muitas vezes civis portugueses desarmados. Não lhes
fazíamos mal. Perguntávamos-lhes donde vinham; explícávamos-
-lhes a nossa luta e os nossos sofrimentos; recebíamo-los bem.
Fazemos assim porque a nossa luta, a nossa guerra, não é contra
o povo português; lutamos contra o Governo Português, contra
aqueles que voltam armas contra o povo moçambicano; estamos
em guerra contra aqueles que ferem o povo. [...] Sabemos que não
somos explorados por todo o povo de Portugal, mas apenas por
uma minoria que está também a explorar o próprio povo por-
tuguês. Entre os Portugueses também há povo explorado.
A FRELIMO não pode combater contra o povo, não pode
combater contra os explorados."
   Miguel Ambrósio Cunumoshuvi (comandante de com-
panhia):

   "Nunca pensámos em assassinar civis portugueses; nunca
aterrorizámos as populações civis portuguesas, porque sabemos
contra quem e por que combatemos. Por esta razão, nunca
planeámos um  ataque contra civis portugueses. Se quiséssemos,
podíamos fazê-lo; os civis vivem perto de nós, temos oportu-
nidades de o fazer; mas o nosso objectivo, o nosso alvo, é o
exercito, a polícia, a administração.
   O  nosso programa, as nossas ordens, dizem claramente
que não devemos atacar civis, mas só aqueles que estão com o
exército, isto é, aqueles que o acompanham e o servem.
Os únicos terroristas em Moçambique são os colonialistas."

   Esta política é importante para o futuro, quando chegar
o momento de tentarmos formar uma sociedade capaz de absor-
ver os diferentes povos que vivem em Moçambique sem ressen-
timento racial; mas tem também vantagens práticas imediatas.
Por exemplo, no princípio da guerra, as autoridades portuguesas
distribuíam armas nos colonatos e aos comerciantes em certas
áreas para serem utilizadas contra a FRELIMO. Esta gente
compreendia então que os civis desarmados não seriam maltra-
tados, mas que aqueles que eram portadores de armas seriam
tratados como auxiliares do exército; e o resultado era que
muitos civis se recusavam a aceitar armas. O facto de as forças
portuguesas não aceitarem esta atitude levantou por vezes
contra elas os próprios civis portugueses: certo dia as forças por-
tuguesas entraram numa aldeia onde sabiam que a FRELIMO
tinha passado e, quando viram que os civis portugueses nada
tinham sofrido, acusaram estes de colaboração com a FRELIMO,
prenderam e castigaram os seus próprios colonos.

Tete e a nova ofensiva

   Quando as forças militares da FRELIMO saíram da pro-
víncia de Tete, depois da primeira fase da guerra, ficaram mem-

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