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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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e lhes dá apoio. Cada derrota portuguesa significa que a luta
entra numa nova área, e que os Portugueses têm que movi-
mentar mais tropas para o novo local, enfraquecendo um pouco
mais a sua posição geral. Uma derrota da FRELIMO é mais
facilmente recuperável, porque implica somente uma redução
temporária de força numa área.
   Qualquer progresso na guerra significa muito mais para
a FRELIMO do que uma simples conquista de território.
A guerra alterou toda a estrutura interna das áreas profunda-
mente afectadas por ela: nas zonas libertadas, foram abolidos
os vários sistemas de exploração humana, desapareceram os
impostos  pesados, foi destruída a administração repressiva;
as populações podem cultivar livremente as terras conforme
necessitam, foram iniciadas campanhas de alfabetização, esta-
beleceram-se escolas e serviços de saúde e o povo entra em
debates políticos para tomar as suas próprias decisões. Con-
quanto todos estes progressos sejam embrionários, a mudança
foi sentida dalgum modo por quase todos os habitantes da zona,
estimulando-os ainda mais à luta. Cada zona libertada, deste
modo, é meio de recrutamento de novos elementos para as
forças de combate. Nas aldeias constituem-se milícias populares
que logo confirmam o poder do povo e aliviam as forças
regulares da FRELIMO de muitas tarefas de defesa; e, em
cooperação com o exército, também essas milícias alargam a
capacidade ofensiva geral da FRELIMO.
   O exército da FRELIMO e a população estão intimamente
ligados; o povo é uma fonte constante de informação e abaste-
cimento para a FRELIMO, enquanto constitui para os Portu-
gueses mais uma fonte de perigo. As forças da FRELIMO
vivem, na maioria, do que produzem nas áreas de combate,
e os artigos de consumo são transportados a pé através da mata,
entre os pequenos  centros por eles estabelecidos. Assim, a
FRELIMO não tem linhas de abastecimento vulneráveis,
nenhumas posições estratégicas, militares ou económicas, que
necessitem de defesa. Não é, pois, muito grave a perda duma
base ou área de colheitas; não tem grande significado para além
duma perda imediata de recursos.
   Quanto mais se prolonga a luta, mais evidente se torna
a sua base popular, mais apoio aflui à FRELIMO, mais con-
fiança há na capacidade de êxito da FRELIMO, enquanto
diminui a confiança dos aliados de Portugal nos seus projectos.
À medida que se desenvolve a luta, aumenta o auxilio material
à FRELIMO, enquanto a própria FRELIMO se torna mais
forte. Assim, cada vitória aumenta as nossas possibilidades de
conseguir mais vitórias e reduz a capacidade portuguesa de
conter as nossas actividades.

O carácter das forças da FRELIMO

   Para compreender a verdadeira natureza da guerra, não
é suficiente ter em conta estes factores gerais, comuns a todas as
lutas populares de guerrilha. Ê importante considerar pontos
mais pormenorizados acerca da composição, organização e
comando do exército.
    O exército é representativo de grande parte da população,
na medida em que a grande maioria dos guerrilheiros são
camponeses, inicialmente ignorantes, analfabetos e muitas vezes
incapazes de falar português; mas há também, espalhados,
elementos que receberam alguma educação dentro do sistema
português. A maioria provém naturalmente das áreas actual-
mente afectadas pela luta, porque é nessas áreas que é possível
fazer vastas campanhas de politízação e treino. Há, porém,
uma corrente contínua de povo que vem do Sul, de todo o
Moçambique, que foge para se juntar à luta; e, ao princípio,
muitos vieram dos campos de refugiados, fugidos de todos os dis-
tritos de Moçambique para escaparem à repressão, e integraram-
-se na luta logo que se formaram as estruturas para os receber.
No exército, há povos de diferentes áreas, de modo que cada
unidade contém representantes de diferentes tribos e regiões
combatendo juntos. Deste modo, o tribalismo é eficazmente
combatido adentro das forças de combate, estabelecendo-se
assim um exemplo para o resto da população.
   Não é este o único ponto em que o exército está na
vanguarda da transformação social. Recebendo mulheres nas
suas fileiras, revolucionou a posição social feminina. Elas desem-
penham  agora parte muito activa na direcção de milícias popu-
lares e há também muitas unidades de guerrilha compostas por
mulheres. Por meio do exército, as mulheres começaram a
tomar responsabilidades em muitas áreas; aprenderam a com-
portar-se e a falar em reuniões públicas, a tomar parte activa
na política. De facto, realizam trabalho importante na mobili-
zação da população. Quando uma unidade de mulheres chega
pela primeira vez a uma aldeia ainda pouco integrada na luta,
a vista das mulheres armadas que se levantam e falam em frente
dum vasto auditório causa grande espanto, mesmo increduli-
dade; quando os aldeões se convencem de que os soldados
em frente deles são de facto mulheres, o efeito nos homens é
tão grande que acorrem recrutas em muito maior número do
que o exército pode rapidamente integrar ou que a região
pode dispensar.
   O exército está promovendo a melhoria do nível de edu-
cação, assim como da consciência política geral. Os recrutas
são ensinados a ler, escrever e falar português, onde quer que
seja possível, e mesmo, onde seja impossível organizar pro-
gramas de ensino, são estimulados a ajudar-se mutuamente
na aprendizagem de conhecimentos básicos. De facto, as auto-
ridades portuguesas desconfiam cada vez mais dos campo-
neses que falam português, porque sabem que é mais provável
que o tenham aprendido no exército da FRELIMO do que nas
escolas portuguesas. O exército organiza também vários pro-
gramas específicos, como treino de operadores de rádio, con-
tabilidade, dactilografia e ainda matérias mais directamente
relacionadas com  a guerra. Finalmente, o exército cultiva e
produz, onde seja possível, os artigos alimentares de que neces-
sita, aliviando assim a população do encargo de lhe fornecer
mantimentos e ao mesmo tempo dando exemplos que ensinam.

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