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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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Em 1967, nas três frentes foram mortos ou feridos cerca de
10000.
    O efeito de tudo isto na população pode ser avaliado
pelo facto de o Governo ter julgado necessário promulgar
uma lei que proíbe a todos os portugueses do sexo masculino
de idade superior a 16 anos a saída do país sem licença militar.
Dentro do próprio Exército, tudo indica estar o moral bastante
em baixo. Em 1966 calculava-se que em Portugal, desde o
início das guerras coloniais, se tinham dado 7000  casos de
deserção e insubordinação no Exército. Em Moçambique,
grande número de soldados portugueses desertaram directamente
para as forças da FRELIMO. Muitos deles eram impelidos
pelo medo e desconforto sofridos no exército colonial e pelo
tratamento que recebiam dos superiores, mas alguns desertavam
por oposição fundamental ao regime de Salazar e à guerra.
Um  deles, Afonso Henriques Sacramento do Rio, deu as suas
razões:
   "Por um lado, discordo do regime do  ditador Salazar;
por outro lado, porque não obedeci a ordens de incendiar casas,
massacrar a população moçambicana e destruir colheitas."
   Outro, José Inácio Bispo Catarino, deu um  expressivo
relato das condições do exército português ao jornal Mozambique
Revolution, revelndo não só por que alguns soldados desertam,
mas também por que não desertam mais: pela sua ignorância
acerca da guerra, acerca da FRELIMO, e por causa da severa
vigilância dos oficiais:
   "Os nossos oficiais nunca nos dizem nada acerca da guerra.
Eu nunca soube directamente que estávamos a combater soldados
da FRELIMO. Eu tinha uma ideal do que era a FRELIMO,
porque costumava ouvir, às escondidas, a Rádio Moscovo.
Eu sabia que os guerrilheiros tinham matado muitos soldados
portugueses e sabia que era verdade porque via muitos dos
meus camaradas serem mortos... Eu desertei porque nós,
os Portugueses, tomámos à força a terra que pertence aos
Africanos. Agora os donos da terra querem a sua terra. Por que
havíamos de os combater? Eu não posso combater ao lado
dos Portugueses  porque sei que o que eles estão a fazer é
errado. Vi cair muitos dos meus camaradas; o meu sargento
morreu na minha frente, e muitos outros; todos eles morreram
por uma causa que não era a deles. Eu falava muitas vezes aos
meus soldados, dizendo-lhes que fingissem estar doentes a
fim de serem evacuados para Nampula. Organizava reuniões com
alguns daqueles em que eu tinha mais confiança e explicava-
-lhes que estávamos a sofrer por uma causa que não era a nossa.
Dei-lhes o exemplo do nosso sargento que tinha morrido por
nada. Encontrávamo-nos em qualquer sítio onde tivéssemos
a certeza de não sermos ouvidos e mesmo nas casas de banho."
(Entrevista no jornal Mozambique Revolution.)

   Se relativamente poucos desertam do serviço activo -é
preciso um certo grau de consciência política e de decisão
para desertar nessas condições-, muitos fazem o que podem
para evitar o combate. Contaram-nos alguns desertores que,
muitas vezes, quando os soldados saem em busca da FRELIMO,
escondem-se simplesmente na mata durante algum tempo e
depois regressam ao acampamento contando aos oficiais uma
história suficientemente bem arquitectada. Também houve casos
de recusa franca de companhias inteiras à ordem de patrulhar
regiões onde se sabia que a FRELIMO estava forte. As obser-
vações da população e dos nossos soldados confirmam estas
histórias.
   Portugal procura ajuda dos seus aliados para vencer os
seus muitos problemas, mas mesmo neste esforço encontra
dificuldades provenientes das condições e da natureza da guerra.
A assistência vem especialmente dos países da NATO e da
África do Sul. Porém, as Nações Unidas condenaram a política
de Portugal e criticaram a NATO e outros países por lhe
darem apoio; é de notar ainda que uma parte substancial da
opinião pública doutros países da NATO se opõe às guerras
de repressão feitas por Portugal. Como resultado, os Estados
Unidos e a Europa Ocidental vêem-se forçados a manter uma
certa distância. Portugal recebe auxilio da NATO, financei-
ramente, em armamento  e treino, e não menos em  expe-
riência de países como a França, a Grã-Bretanha e Estados
Unidos  em processos de guerrilha. A assistência militar, con-
tudo, deve revestir a aparência de que se ajuda Portugal a
cumprir os seus deveres de membro da NATO, e oficialmente
não devia ser utilizada na África, que está fora da área da NATO.
Embora algum armamento da NATO esteja certamente a ser
utilizado nas colónias, o principal benefício que Portugal recebe
da  NATO é ser-lhe assegurado o equipamento militar da
metrópole, deixando-lhe livres os seus próprios recursos para
actuar nas colónias. Sendo estes ainda insuficientes, seria politi-
camente difícil para qualquer dos aliados da NATO entrar
directamente na luta colonial enviando tropas para combater
em África ao lado de Portugal.
    A África do Sul, por outro lado, é relativamente imper-
meável  à opinião pública mundial e não mostra qualquer
tendência para permitir uma oposição democrática no seu terri-
tório. Contudo, a sua capacidade de auxílio a Portugal está
limitada pelos seus próprios problemas. Já tem um grande exér-
cito e força de polícia ocupados em manter o regime branco
contra o movimento de libertação indígena. Além disso, está
abertamente a enviar soldados e armas para a Rodésia e é pro-
vável que estes compromissos aumentem. Os laços tradicionais
entre a África do Sul e os Portugueses são menos apertados
do que os que existem entre os Sul-Africanos brancos e os
Rodesianos brancos, e uma participação grande nas guerras
portuguesas só -acrescentaria as tensões no exército, sem des-
pertar entusiasmo na população branca.
   As próprias condições que a Portugal dificultam a guerra
actuam em favor da FRELIMO.
   Porque as tropas portuguesas estão aquarteladas em defesa
de várias posições estratégicas, as forcas de guerrilha têm
sempre a iniciativa de escolha do tempo e lugar de ataque.
As forcas da FRELIMO combatem no seu próprio terreno,
que bem conhecem, no meio duma população que os conhece

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