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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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   Os Portugueses naturalmente anunciavam perdas muito
menores do que as avaliadas pela FRELIMO, e a comparação en-
tre ambas poderia levar-nos a muitas considerações. Primeiro, ao
mencionar as próprias perdas, os Portugueses atribuem sur-
preendente número de mortes a "acidentes"*; anunciam
as baixas por um período de tempo muito mais longo do que
aquele em que ocorreram; omitem mortes de soldados africanos
fantoches. Ao declarar as perdas da FRELIMO, porém, contam
todos os africanos mortos, e portanto abrangem sempre muitos
civis "suspeitos". Isto sem contar com qualquer falsificação directa
que possa surgir. Por outro lado, quando a FRELIMO calcula
o número de portugueses mortos, apenas o pode fazer por
aqueles que caem, sem poder depois verificar os corpos, e
assim podem os feridos contar como mortos.
   As estimativas portuguesas oficiais anunciam a perda, em
meados de 1967, de 378 soldados - 212 mortos em combate
e 166 como resultado de "acidentes e doença" - e 3500 feridos.
A julgar pelos seus comunicados mensais, todavia, estes números
são tão baixos que devem referir-se a um período muito mais
curto do que o que vinha desde o princípio da guerra. Ainda
assim, e apesar destas díscrepâncias, os comunicados portugueses
confirmam que as perdas têm aumentado à medida do avanço
da guerra. O SIFA (Serviço de Informação das Forcas Armadas)
anunciou que nos primeiros três dias de 1968 treze soldados
portugueses, incluindo um oficial, tinham sido mortos em
Moçambique.
   Muitos factores têm contribuído para o avanço das forças
da FRELIMO contra o exército português, mais numeroso e
bem equipado.
   Nas frentes de combate, os Portugueses encontram-se com
todos os problemas dum exército regular em combate com uma
força de guerrilha, e dum exército estrangeiro de ocupação com-
batendo em território hostil. Primeiro, só uma pequena fracção

   * O  jornalista americano Stanley Meisler foi testemunha dum desses casos
de falsificação.

das forças armadas pode ser utilizada na acção militar. O governo
colonial tem que empregar grande número de militares na
protecção de cidades, interesses económicos e linhas de comu-
nicação e para guardar a população confinada nas "aldeias
protegidas". Assim, dos 65 000 soldados portugueses em Mo-
çambique, só cerca de 30000  estão em combate contra as
nossas forças no Niassa e em Cabo Delgado; e mesmo de entre
estes, nem todos estão livres para entrarem em  combate,
visto que muitos estão a defender pontos estratégicos e centros
populacionais da  área. Segundo, os Portugueses estão a
combater em  terreno que não lhes é familiar, contra um ini-
migo que é dessa terra e a conhece bem. Muita dessa terra das
províncias do Norte é densamente arborizada, dando boa cober-
tura aos guerrilheiros e suas bases. Muitas vezes, o único meio
de penetrar na mata é por atalhos estreitos, onde um grupo de
homens tem que andar em fila indiana constituindo um alvo
ideal para emboscadas. Em tais condições, de pouco serve
equipamento pesado como aviões e carros blindados.
   O  aspecto político é ainda de maior importância, porque
a luta é essencialmente  política, e o aspecto militar é apenas
parcial. Para justificar a sua presença, os Portugueses afirmam
que o seu exército está a defender Moçambique da agres-
são externa. Todavia, esta posição não consegue persuadir
ninguém, porque as forças da FRELIMO são, sem excepção, com-
postas por moçambicanos, enquanto que o exército português
é quase totalmente composto por soldados portugueses, tendo
pouco mais de um milhar de soldados africanos fantoches entre
as suas fileiras. E quando assim acontece, os soldados africanos
estão rodeados de soldados portugueses para evitar as deserções.
   O  próprio povo é, na esmagadora maioria, hostil aos
Portugueses. Para impedir a sua cooperação com a FRELIMO,
o exército português organiza-o em  "aldeias protegidas", ro-
deadas por arame farpado e guardadas por soldados portugueses,
imitação dos centros de repovoamento montados pelos Fran-
ceses durante a guerra da Argélia, ou  das aldeias estratégicas
dos Americanos no Vietname. Tudo isto pode separar tempo-
rariamente os aldeões da FRELIMO; mas não contribui em
nada para reduzir a hostilidade contra os Portugueses, e logo
que surge a oportunidade a população dessas tais "aldeias
protegidas" revolta-se.
   A guerra está também criando problemas internos ao
Governo Português, que enfrenta não só a guerra em Moçam-
bique, mas também a luta em mais duas frentes, Angola e Guiné-
-Bissau. Ao mesmo tempo, tem que manter forças de repressão
em  S. Tomé, Cabo Verde, Macau, Timor, assim como no
próprio Portugal, onde a oposição ao fascismo, embora enfra-
quecida por quarenta anos de repressão, nunca foi completa-
mente esmagada. Os recursos do Governo, em homens e em
dinheiro, estão esticados quase ao ponto de rebentar, por causa
das guerras a milhares de milhas da metrópole, guerras pelas
quais a população está pagando, mas das quais a maioria não pode
esperar ganhar nada. Isto atiça a oposição interna e ao mesmo
tempo enfraquece as defesas do Governo contra ela. Para
preencher as vagas militares deixadas na mãe-pátria pela partida
de grande número de soldados para o ultramar, o Governo
convidou a Alemanha Ocidental a ir estabelecer bases militares
em Portugal, uma das quais foi já construída em Beja e aloja
1500 soldados alemães. Esta medida pode fortalecer a posição
militar do Governo, mas politicamente enfraquece-o, pois in-
troduz uma força militar estrangeira para o ajudar a manter-se
contra o seu próprio povo.
   O  Governo Português não tem popularidade alguma;
foi estabelecido e tem sido mantido pela força e pela polícia
secreta. Mas, ainda assim, exige do povo sacrifícios crescentes.
É verdade que alguns portugueses aproveitam imensamente
da guerra, e as famílias dos soldados em comissão de serviço
nas colónias recebem um pequeno subsídio financeiro. Mas o
preço, em sangue, está a aumentar constantemente. Em 1961,
foram mortos em Angola 500 soldados portugueses. Nos três
primeiros anos da guerra de Moçambique, os Portugueses
admitem o total de perto de 4000 mortos e feridos, enquanto
a FRELIMO avalia as perdas portuguesas em mais de 9000.

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