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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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Os mais velhos, nas suas cooperativas, também começavam
a agitar-se. Em 1962 mesmo as crianças compreendiam a ver-
dade. A FRELIMO começou a operar na nossa zona. Alguns
camaradas explicaram-nos o que era e eu quis aderir. Em fins
de 1962 o próprio Governo sentiu que o partido estava a crescer
e começou uma grande campanha de repressão, prendendo
e torturando toda a gente de quem suspeitava. Muitos preferiam
morrer a trair os seus camaradas. O partido ganhou força.
Os chefes explicaram-nos a verdade, ensinaram-nos a nossa
própria força, e vimos claramente como Moçambique, que
pertence a nós e não a Portugal, tinha sido dominado."

   Já existiam condições favoráveis: os sofrimentos causados
pelo sistema colonial; o desejo de acção; a coragem e decisão
que uma guerra exige. Tudo o que a FRELIMO tinha que
fornecer era a compreensão prática e a organização.
   Trabalho similar podia ser feito mais abertamente entre
os muitos elementos que por essa altura fugiam de Moçambique.
Muitos desses refugiados estavam ansiosos por regressar e
agir contra o sistema que os tinha expulsado; só lhes faltava o
conhecimento de como fazê-lo.
   O  problema do treino não envolvia apenas o aspecto militar.
As deficiências do sistema educacional português significavam
que o nosso movimento tinha uma enorme falta de quadros
em todos os campos. Podíamos compreender que o bom resul-
tado da futura acção armada criaria a necessidade de gente
com qualificações técnicas e certo nível de educação básica.
Acima de tudo, o estado de ignorância no qual quase toda a
população tinha sido mantida dificultava o desenvolvimento
da consciência política e ainda mais o desenvolvimento do
nosso país depois da independência. Tínhamos, e temos, a
tarefa de recuperar anos de diligente negligência sob o domínio
português. E, assim, foram concebidos lado a lado um pro-
grama militar e um programa educacional, como aspectos
essenciais da nossa luta.                            
   Como primeiro passo do programa educacional, uma escola
secundária, o Instituto de Moçambique, foi fundada em 1963
em Dar es-Salam, para educar crianças moçambicanas que já
tinham saído de Moçambique, enquanto ao mesmo tempo se
providenciava no sentido de que houvesse bolsas de estudo
para institutos estrangeiros de altos estudos, destinadas àqueles
refugiados que possuíam qualificações adequadas.
   A  perseguição e supressão do NESAM tinha feito sair
muitos daqueles poucos africanos que tinham conseguido em
Moçambique continuar os estudos para além da escola primária.
Alguns deles estavam ansiosos por entrar imediatamente na
luta, utilizando as qualificações que já tinham; mas outros eram
enviados para continuar os seus estudos e adquirir qualificações
que seriam úteis no futuro. O Instituto de Moçambique desen-
volveu-se rapidamente. Construído para 50 estudantes, em
1968 já tinha sido alargado para receber 150. Além disso, o
departamento educacional da FRELIMO  podia utilizar a orga-
nização do Instituto para ajudar a preparar um sistema de
educação no interior de Moçambique logo que o programa
militar tivesse ido suficientemente longe para dar a segurança
necessária.
    Pelo lado militar, a primeira tarefa era treinar o núcleo do
nosso futuro exército. Abordámos a Argélia, que acabava de
se tornar independente da França, depois duma guerra de sete
anos, e estava já a treinar grupos nacionalistas doutras colónias
portuguesas. Os chefes argelinos aceitaram a entrada de mo-
çambicanos neste programa, e o primeiro grupo de cerca de
cinquenta jovens moçambicanos partiu para a Argélia em
Janeiro de 1963, seguido pouco depois por mais dois grupos
de cerca de setenta. Para acompanhar este treino, coordenar
os grupos e prepará-los para combater em Moçambique, era
necessário encontrar um país próximo da área do futuro com-
bate que nos permitisse instalar pelo menos um acampamento
no seu território. Deve notar-se que isto é um caso muito sério.
Qualquer país que aceite acolher uma força militar, mesmo
temporariamente, deve encarar problemas consideráveis. Pri-
meiro, está o problema interno, posto pela presença duma força
armada que não está directamente sob o controle do país.
Depois, há as dificuldades diplomáticas e de segurança que
surgirão logo que o governo contra o qual os preparativos
militares são dirigidos descobre a existência dum tal acampa-
mento. Assim, quando a Tanzânia aceitou auxiliar-nos deu um
passo muito corajoso.
   Há uma certa ironia histórica na localização do nosso
primeiro acampamento perto da aldeia de Bagamoyo. Porque
o nome de Bagamoyo significa "coração despedaçado" e tem
a sua origem nos tempos do tráfico de escravos, quando esta
aldeia era um dos principais pontos de partida para os portos
esclavagistas da costa oriental. Mais tarde, a mesma Bagamoyo
tornou-se capital da tentativa de implantação do imperialismo
alemão na África oriental. O nome tem agora para nós um
significado completamente diferente, porque foi aqui, em
Bagamoyo, que demos os primeiros passos práticos no esma-
gamento da servidão no nosso pais.
   Uma vez terminado o rigoroso treino a que complemen-
tarmente os primeiros grupos tinham sido submetidos em
Bagamoyo, voltaram secretamente a Moçambique, preparados
para a acção e para treinar outros jovens. Em Maio de 1964
estavam a entrar armas em Moçambique e munições estavam
a ser armazenadas.
   O exército tem também papel muito importante a desem-
penhar nas campanhas de mobilização e de educação. Os mili-
tantes não aprendem só a ciência militar. Tanto quanto possível,
aprendem  português e alfabetização básica, sendo os instru-
tores muitas vezes aqueles que têm educação elementar. A edu-
cação política e é parte preponderante do treino, no decorrer
do qual adquirem alguma experiência de falar em público e do
trabalho em comités, enquanto também aprendem rudimentos de
discussão política e das bases históricas e geográficas da luta.
Assim, o próprio exército torna-se agente importante na
mobilização política e na educação da população.
   O outro aspecto preponderante do trabalho da FRELIMO
durante este período preliminar era o programa de diplomacia

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