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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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qualquer  espécie de "diálogo". A única  resposta dada era a
prisão, a  censura e  o  fortalecimento da  PIDE,   a policia
secreta. O carácter da PIDE é em si mesmo um factor impor-
tante. Porque tem uma forte tradição de violência - os seus
agentes foram treinados pela Gestapo - e goza de considerável
autonomia, agindo fora do controle da lei oficial.
   Foi por  isso que a actividade política em Moçambique
recorreu às técnicas do "subterrâneo", do segredo e do exílio.
Na única ocasião em que foi feita uma abordagem aberta, o
que sucedeu foi elucidativo. Foi o incidente, já mencionado,
em Mueda em 1960, quando cerca de 500 africanos foram
mortos. Tinha sido planeada como manifestação pacífica, e até
certo ponto a sua origem foi devida à provocação da polícia:
as autoridades sabiam que havia agitação política na região,
muita dela clandestina, e tinham feito constar que o governador
assistiria a uma reunião pública em 16 de Junho, reunião essa
em  que ele daria independência ao povo maconde. A polícia
assim trouxe à luz do dia o descontentamento político e imedia-
tamente matou  ou  prendeu tantos quantos pôde. Tinham
esperado  fazer desaparecer os chefes, intimidar a população
e dar um exemplo  a outras regiões. Mas, apesar da sua feroci-
dade, a acção foi só parcial e temporariamente bem sucedida.
Eliminou alguns dos chefes, mas outros ficaram; enquanto
a população, longe de ficar intimidada, se tomou mais decidida
à resistência do que nunca.
   Alguns  exilados e os que estavam na oposição clandestina
esperavam ao princípio que, mesmo se Portugal fosse insensível
às pacíficas exigências do povo das suas colónias, ao menos
havia de  ouvir as organizações internacionais e das grandes
nações do Mundo,   se estas interviessem em nosso favor. Em
consequência do caso de Goa,  surgiu alguma pressão inter-
nacional sobre Portugal nos anos cinquenta. Mas a única res-
posta de Portugal foi a legislação do princípio dos anos sessenta,
que supostamente introduziu reformas mas não fez quaisquer
concessões ao  princípio de autodeterminação. Desde  então,
Portugal ignorou ou rejeitou todos os apelos doutros Estados
ou organizações internacionais feitos em nome do povo das
suas colónias. Além disso, nem todos os grandes Estados nos
apoiam. Desde 1961, a maioria  das potências ocidentais,
incluindo os Estados Unidos, não cooperavam com as reso-
luções das Nações Unidas que intimavam Portugal a dar o
direito de autodeterminação aos povos dos seus territórios não
autogovernados.
   Cerca  de 1961, duas conclusões eram óbvias. Primeiro,
Portugal não admitiria o princípio de autodeterminação e inde-
pendência, ou qualquer extensão da democracia sob a sua domi-
nação, embora já nesse tempo fosse claro que as soluções
"portuguesas" para a nossa condição de oprimidos, tais como
a assimilação por meio dos colonatos multirraciais, escolas multir-
raciais, eleições locais, etc., tinham provado ser uma fraude
sem sentido. Segundo, a acção política moderada, tal como
greves, manifestações e petições, resultaria só na destruição
daqueles que nela tomavam parte. Eram-nos deixadas, portanto,
duas alternativas: continuar indefinidamente a viver sob um
regime repressivo imperialista ou encontrar um meio de usar
a força contra Portugal que fosse suficientemente eficaz para
ferir Portugal sem resultar na nossa própria ruína.
   Foi por isso que, aos olhos dos chefes da FRELIMO,
a luta armada apareceu como o único método. De facto, a
ausência de oposição ao uso da força foi um dos factores que
explicaram o curto período que decorreu entre a formação da
FRELIMO em 1962 e o princípio da luta armada em 25 de
Setembro de 1964.                              

Preparação

   Para criar condições para uma luta armada bem sucedida,
tínhamos, por um lado, que preparar a população de Moçam-
bique; e, por outro lado, recrutar e treinar pessoas para as res-
ponsabilidadcs que tal luta viria impor.
   Havia já, dentro de Moçambique, os rudimentos duma
estrutura através da qual o trabalho de preparação poderia
continuar. Quase todos aqueles que se reuniram em Dar es-Salam
para formar a FRELIMO  faziam parte das forças subterrâneas
dentro de Moçambique; os três partidos que se juntaram
tinham membros em várias regiões, e estas, junto com a rede
do NESAM e o povo que tinha tomado parte no movimento
cooperativista abortado no Norte de Moçambique, formaram
a base duma organização que tinha de ser consolidada e desen-
volvida. Através desta, os fins do partido tinham de ser expli-
cados à população; o povo tinha de ser organizado em células,
o nível geral da consciência tinha de ser levantado, a actividade
das células tinha de ser coordenada. Isto foi feito por trabalha-
dores clandestinos, utilizando panfletos e "telegramas da selva"
como auxiliares.
   A maneira como funciona uma tal mobilização é talvez
mais bem ilustrada por alguns relatos de militantes da
FRELIMO que expõem como entraram para o partido. Assim
diz Joaquim Maquival:

   "Em 1964 entrei para a FRELIMO porque o nosso povo
era explorado. Eu ainda não sabia como ia agir. O povo não
sabia o que havia de fazer. Tínhamos ouvido dizer que os
nossos vizinhos do Malawi tinham sido libertados e viriam
libertar-nos, mas depressa compreendemos que teríamos de
nos libertar a nós mesmos. O partido disse-nos que nós, e
mais ninguém, éramos responsáveis por nós mesmos.
   Alguns camaradas vieram explicar-nos coisas e, antes disso,
logo ao princípio, a rádio disse-nos que a FRELIMO, guiada
pelo camarada  Mondlane,  stava a lutar pela libertação de
nós todos."

   Gabriel Maurício Nantimbo conta uma história seme-
lhante:

   "Eu estava num estado de servidão, mas não o sabia.
Pensava que o mundo era assim mesmo. Não sabia que Moçam-
bique era a nossa pátria. Os livros diziam que éramos portu-
gueses. Então, cerca de 1961, comecei a ouvir outras coisas.

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