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qualquer espécie de "diálogo". A única resposta dada era a prisão, a censura e o fortalecimento
da PIDE, a policia secreta. O carácter da PIDE é em si mesmo um factor impor- tante. Porque
tem uma forte tradição de violência - os seus agentes foram treinados pela Gestapo - e goza de considerável
autonomia, agindo fora do controle da lei oficial. Foi por isso que a actividade política em
Moçambique recorreu às técnicas do "subterrâneo", do segredo e do exílio. Na única ocasião em que
foi feita uma abordagem aberta, o que sucedeu foi elucidativo. Foi o incidente, já mencionado, em
Mueda em 1960, quando cerca de 500 africanos foram mortos. Tinha sido planeada como manifestação pacífica,
e até certo ponto a sua origem foi devida à provocação da polícia: as autoridades sabiam que havia
agitação política na região, muita dela clandestina, e tinham feito constar que o governador assistiria
a uma reunião pública em 16 de Junho, reunião essa em que ele daria independência ao povo maconde.
A polícia assim trouxe à luz do dia o descontentamento político e imedia- tamente matou ou prendeu
tantos quantos pôde. Tinham esperado fazer desaparecer os chefes, intimidar a população e dar
um exemplo a outras regiões. Mas, apesar da sua feroci- dade, a acção foi só parcial e temporariamente
bem sucedida. Eliminou alguns dos chefes, mas outros ficaram; enquanto a população, longe de ficar
intimidada, se tomou mais decidida à resistência do que nunca. Alguns exilados e os que estavam
na oposição clandestina esperavam ao princípio que, mesmo se Portugal fosse insensível às pacíficas
exigências do povo das suas colónias, ao menos havia de ouvir as organizações internacionais e das
grandes nações do Mundo, se estas interviessem em nosso favor. Em consequência do caso de Goa,
surgiu alguma pressão inter- nacional sobre Portugal nos anos cinquenta. Mas a única res- posta
de Portugal foi a legislação do princípio dos anos sessenta, que supostamente introduziu reformas
mas não fez quaisquer concessões ao princípio de autodeterminação. Desde então, Portugal ignorou
ou rejeitou todos os apelos doutros Estados
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ou organizações internacionais feitos em nome do povo das suas colónias. Além disso, nem todos os
grandes Estados nos apoiam. Desde 1961, a maioria das potências ocidentais, incluindo os Estados
Unidos, não cooperavam com as reso- luções das Nações Unidas que intimavam Portugal a dar o direito
de autodeterminação aos povos dos seus territórios não autogovernados. Cerca de 1961, duas
conclusões eram óbvias. Primeiro, Portugal não admitiria o princípio de autodeterminação e inde- pendência,
ou qualquer extensão da democracia sob a sua domi- nação, embora já nesse tempo fosse claro que as
soluções "portuguesas" para a nossa condição de oprimidos, tais como a assimilação por meio dos
colonatos multirraciais, escolas multir- raciais, eleições locais, etc., tinham provado ser
uma fraude sem sentido. Segundo, a acção política moderada, tal como greves, manifestações e petições,
resultaria só na destruição daqueles que nela tomavam parte. Eram-nos deixadas, portanto, duas
alternativas: continuar indefinidamente a viver sob um regime repressivo imperialista ou encontrar
um meio de usar a força contra Portugal que fosse suficientemente eficaz para ferir Portugal sem
resultar na nossa própria ruína. Foi por isso que, aos olhos dos chefes da FRELIMO, a luta
armada apareceu como o único método. De facto, a ausência de oposição ao uso da força foi um dos factores
que explicaram o curto período que decorreu entre a formação da FRELIMO em 1962 e o princípio da
luta armada em 25 de Setembro de 1964.
Preparação
Para criar condições para uma luta armada bem sucedida, tínhamos, por um lado, que preparar a população
de Moçam- bique; e, por outro lado, recrutar e treinar pessoas para as res- ponsabilidadcs que
tal luta viria impor. Havia já, dentro de Moçambique, os rudimentos duma estrutura através
da qual o trabalho de preparação poderia
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continuar. Quase todos aqueles que se reuniram em Dar es-Salam para formar a FRELIMO faziam parte
das forças subterrâneas dentro de Moçambique; os três partidos que se juntaram tinham membros em
várias regiões, e estas, junto com a rede do NESAM e o povo que tinha tomado parte no movimento cooperativista
abortado no Norte de Moçambique, formaram a base duma organização que tinha de ser consolidada e desen-
volvida. Através desta, os fins do partido tinham de ser expli- cados à população; o povo tinha de
ser organizado em células, o nível geral da consciência tinha de ser levantado, a actividade das
células tinha de ser coordenada. Isto foi feito por trabalha- dores clandestinos, utilizando panfletos
e "telegramas da selva" como auxiliares. A maneira como funciona uma tal mobilização é talvez
mais bem ilustrada por alguns relatos de militantes da FRELIMO que expõem como entraram para o partido.
Assim diz Joaquim Maquival:
"Em 1964 entrei para a FRELIMO porque o nosso povo era explorado.
Eu ainda não sabia como ia agir. O povo não sabia o que havia de fazer. Tínhamos ouvido dizer que
os nossos vizinhos do Malawi tinham sido libertados e viriam libertar-nos, mas depressa compreendemos
que teríamos de nos libertar a nós mesmos. O partido disse-nos que nós, e mais ninguém, éramos
responsáveis por nós mesmos. Alguns camaradas vieram explicar-nos coisas e, antes disso, logo
ao princípio, a rádio disse-nos que a FRELIMO, guiada pelo camarada Mondlane, stava a lutar pela
libertação de nós todos."
Gabriel Maurício Nantimbo conta uma história seme- lhante:
"Eu estava num estado de servidão, mas não o sabia. Pensava que o mundo era assim mesmo. Não
sabia que Moçam- bique era a nossa pátria. Os livros diziam que éramos portu- gueses. Então, cerca
de 1961, comecei a ouvir outras coisas.
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