DO
CU
ME
NT
OS

DO


IM

RIO

DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


***************************************************************************************

EDUARDO MONDLANE

1968


***************************************************************************************
movimentos existentes em Dar es-Salam juntaram-se para for-
marem a Frente de Libertação de Moçambique, e fizeram-se
preparativos para a realização de uma conferência no mês de
Setembro seguinte, em que se definiriam os fins da Frente e se
elaboraria um programa de acção.
   Um  breve relato de alguns dentre os chefes do novo movi-
mento mostrará como as mais variadas organizações políticas
e parapolíticas de todo o país contribuíram para ele: o vice-
-presidente, reverendo Uria Simango, é um pastor protestante
da região da Beira que tinha trabalhado muito nas associações
de assistência mútua e era chefe da UDENAMO. Da mesma
associação de assistência mútua veio Silvério Nungu, mais
tarde secretário da Administração, e Samuel Dhlakama, actual-
mente membro do Comité Central. Das cooperativas camponesas
do Norte de Moçambique veio Lázaro Kavandame, mais tarde
secretário provincial de Cabo Delgado, e também Jonas Nama-
shulua e outros. Das associações de assistência mútua de Lou-
renço Marques e do Chai-Chai, no Sul de Moçambique, vieram
o falecido Mateus Muthemba e Shaffrudin M. Khan, que veio
a ser representante no Cairo e se encontra agora como represen-
tante da FRELIMO nos Estados Unidos. Marcelino dos Santos,
mais tarde secretário dos Assuntos Externos e agora secretário
do Departamento de Assuntos Políticos, é um poeta de fama
mundial; teve grande actividade no  movimento literário
de Lourenço Marques e passou alguns anos de exílio em
França.
   Quanto a mim, sou do distrito de Gaza, do Sul de Mo-
çambique, e, como muitos de nós, estive duma maneira ou
doutra dentro da resistência desde a minha infância. Comecei
a minha vida, como a maioria das crianças de Moçambique,
numa aldeia, e até aos 10 anos passava os dias pastoreando o
gado da família, junto com meus irmãos, e absorvendo as
tradições da minha tribo e da minha  família. Se fui para a
escola, devo-o à larga visão da minha mãe, terceira e ultima
mulher de meu pai e mulher de grande carácter e inteligência.
Ao tentar continuar a estudar depois da escola primária, sofri
todas as frustrações e dificuldades que sempre esperam qualquer
criança africana que tenta entrar no sistema português. Consegui
finalmente chegar à África do Sul, e, com a ajuda de alguns dos
meus professores, continuei com bolsas de estudo a nível univer-
sitário. Foi neste período que começou o meu trabalho no
NESAM. Tive sérios problemas com a polícia. Quando recebi
uma bolsa de estudo para a América, as autoridades portuguesas
decidiram mandar-me para a Universidade de Lisboa. Durante
a minha curta estada em Lisboa, porém, fui tão constantemente
incomodado pela polícia que os meus estudos foram prejudi-
cados, e fiz vários esforços para utilizar a minha bolsa de estudo
nos Estados Unidos. Tendo-o conseguido, estudei Sociologia
e Antropologia nas Universidades de Oberlin e do Noroeste,
e depois trabalhei para as Nações Unidas como investigador.
   Entretanto mantive contacto tanto quanto possível com
o desenrolar dos acontecimentos em Moçambique e, pelo que
vi e pelos meus contactos ocasionais, através das Nações Unidas,
com os diplomatas portugueses, cada vez me convenci mais
de que a pressão política normal e a agitação não afectariam a
posição portuguesa.  Em 1961, pude visitar Moçambique,
durante as minhas férias, e em longas viagens vi, por mim
próprio, como as condições tinham ou não mudado desde a
minha partida. Quando regressei, deixei as Nações Unidas
para entrar abertamente na luta de libertação, e arranjei um
emprego de assistente na Universidade de Siracusa, que me
deixava tempo e oportunidade para estudar a situação mais
profundamente. Eu tinha estabelecido contactos com todos
os partidos de libertação e passei entre eles os anos de 1961 e
1962, fazendo forte campanha pela unidade.
   Os moçambicanos que se reuniram em Der es-Salam em
1962 representavam quase todas as regiões de Moçambique e
todos os sectores da população. Quase todos tinham alguma
experiência de resistência em pequena escala, e das represálias
que normalmente se seguiam. No interior como no exterior
do país, as condições  eram favoráveis à luta nacionalista.
O nosso problema era poder caldear essas vantagens de
modo a tornar o nosso movimento forte em todo o país
e capaz de ter acção eficaz que, ao contrário dos anteriores
esforços isolados, atingisse mais os Portugueses do que a nós
próprios.

***************************************************************************************

Image of back.gif Image of eth-hm.gif Image of forward.gif