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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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terra. Depois de um longo e importante debate, chegámos à
conclusão de que o povo maconde, só por si, não conseguiria
expulsar o inimigo. E então decidimos reunir forças com os
moçambicanos do resto do país." [Relatório oficial.]

   O  outro acontecimento, também ligado às cooperativas,
foi um aumento da agitação espontânea, que culminou numa
grande manifestação em Mueda  em 1960. Esta manifestação,
embora passasse despercebida no resto do Mundo, actuou
como catalisador sobre a região. Mais de 500 pessoas foram aba-
tidas pelos Portugueses, e muitos daqueles que até então não
tinham encarado bem o uso da violência denunciavam agora
a resistência pacifica como fútíl. A experiência de Teresinha
Mblale, agora militante da FRELIMO, mostra porquê: "Eu vi
como os colonialistas massacraram o povo em Mueda. Foi
quando eu perdi o meu tio. A nossa gente estava desarmada
quando eles começaram a disparar." Ela foi uma de entre os
milhares que decidiram nunca mais estarem desarmados, em
frente da violência portuguesa.
   Alberto Joaquim Chipande, então com a idade de 22 anos,
e agora um dos chefes em Cabo Delgado, dá-nos um relato
mais completo:

   "Certos chefes trabalhavam no meio de nós. Alguns deles
foram levados pelos Portugueses -Tiago Muller, Faustíno
Vanomba,   Kibiriti Diwane- no massacre de Mueda em 16 de
Junho de 1960. Como é que aquilo aconteceu? Bem, alguns
dos homens puseram-se em contacto com a autoridade e pediram
mais liberdade e mais salário... Depois, estando o povo a dar
apoio a estes chefes, os Portugueses mandaram polícia pelas
aldeias, convidando as populações para uma reunião em Mueda.
Vários milhares vieram ouvir os Portugueses. Como depois
se verificou, o administrador tinha pedido ao governador da
província de Cabo Delgado que viesse de Porto Amélia e trou-
xesse uma companhia do exército. Mas estas tropas esconderam-se
ao chegarem a Mueda. Ao princípio não as vimos. Então o gover-
nador convidou os nossos chefes a entrarem no edifício da Admi-
nistração. Eu estava à espera do lado de fora. Ali estiveram
durante quatro horas. Quando saíram para a varanda, o gover-
nador perguntou à multidão quem queria falar. Muitos queriam
falar, e o governador disse-lhes que se colocassem à parte.
   Depois, sem mais uma palavra, mandou a policia amarrar
as mãos daqueles que estavam à parte, e a polícia começou a
bater-lhes. Eu estava ao pé. Vi tudo. Quando o povo viu o que
estava a acontecer, começou a manifestar-se contra os portu-
gueses, e os portugueses limitaram-se a mandar avançar os
camiões da polícia para lá meter os presos. Contra isto conti-
nuaram as manifestações. Nesse momento a tropa ainda estava
escondida e o povo avançou para a polícia, tentando impedir
que os presos fossem levados dali. Então o governador chamou
a tropa, e, quando os soldados apareceram, mandou-os abrir
fogo. Mataram à volta de 600 pessoas. Agora, os Portugueses
dizem que castigaram este governador, mas claro que se limi-
taram a mudá-lo de lugar. Eu próprio escapei porque estava
perto dum cemitério onde me consegui esconder, e depois
fugi,"

   Depois deste massacre, nunca mais o Norte podia voltar
à normalidade. Em toda a região tinha-se levantado o mais
amargo ódio contra os portugueses e era evidente, uma vez
por todas, que a resistência pacífica era fútil.
   Assim, por toda a parte, foi a própria severidade da re-
pressão que criou as condições necessárias para o desenvolvi-
mento dum movimento nacionalista militante e forte. O estado
policial apertado obrigava toda a acção a ir para a clandesti-
nidade e - em parte por causa das dificuldades e perigos -
a actividade clandestina tornou-se a melhor escola de formação
de quadros  políticos duros, dedicados e radicais. Os excessos
do regime destruíram toda a possibilidade de reformas que,
melhorando um pouco as condições, podia ter assegurado os
principais interesses coloniais contra um ataque sério, ao menos
por algum tempo.
   As primeiras tentativas de criar um movimento naciona-
lista radical ao nível de todo o pais foram feitas por moçambi-
canos residentes nos países vizinhos, onde estavam ao abrigo
da alçada imediata da PIDE. Ao princípio, o velho problema
de más comunicações levou à criação de três movimentos sepa-
rados: UDENAMO (União Democrática Nacional de Mo-
çambique), formada em Salisbury em 1960; MANU (Mozam-
bique African National Union), constituído em 1961 a partir
de vários pequenos grupos já existentes de moçambicanos
que trabalhavam no Tanganica e no Quénia, sendo um dos
maiores a União Maconde de Moçambique; UNAMI (União
Africana de Moçambique Independente), iniciado por exilados
da região de Tete e residentes no Malawi.
   O acesso de muitas antigas colónias à independência no
fim dos anos cinquenta e no princípio dos anos sessenta favo-
receu a formação de movimentos no exílio e, para Moçambique,
a independência do Tanganica, em 1961, pareceu abrir novos
caminhos. Os três movimentos tinham centros separados em
Dar-es-Salam, pouco tempo depois.
   Em 1961, também, uma intensificação da repressão em todos
os territórios portugueses na sequência da revolta em Angola
provocou a afluência de refugiados aos países vizinhos, espe-
cialmente ao Tanganica (actual Tanzânia). Estes exilados recentes
do interior, muitos dos quais não pertenciam ainda a qualquer
das organizações existentes, exerceram forte pressão no sentido
da formação dum só corpo unido. Houve condições externas
que também favoreceram a unidade: a Conferência das Organiza-
ções Nacionalistas dos Territórios Portugueses (CONCP), reunida
em Casablanca em 1961, e na qual tomou parte a UDENAMO,
foi uma forte chamada à união dos movimentos nacionalistas
contra o colonialismo português. Uma conferência de todos
os movimentos nacionalistas, convocada pelo presidente do
Ghana, Kwame  Nkrumah, também estimulou a formação de
frentes unidas, e no Tanganica o presidente Nyerere exerceu
influência pessoal sobre os movimentos formados no território
para que se unissem. Assim, em 25 de Junho de 1962, os três

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