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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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constantemente atentos à polícia... A polícia perseguia-nos,
e proibiu mesmo o NESAM.
   Também  fui presa quando fugia de Moçambique. Prende-
ram-me nas cataratas de Vitória, na fronteira entre a Rodésia
e a Zâmbia. A polícia rodesiana prendeu-me e mandou-me de
volta para Lourenço Marques (a polícia rodesiana trabalhava
em conivência com a polícia portuguesa). Éramos oito no
nosso grupo, rapazes e raparigas. A polícia portuguesa amea-
çou-nos, interrogou-nos e bateu nos rapazes. Fiquei na prisão
seis meses sem estar sentenciada nem condenada. Estive seis
meses na prisão sem me incriminarem sequer de coisa alguma."

   Pouco tempo depois, enquanto tentavam ir da Suazilândia
para a Zâmbia, 75 membros do NESAM foram presos pela
polícia sul-africana e entregues à PIDE. Foram internados em
campos de concentração no Sul de Moçambique.
   Em 1963, alguns ex-membros do NESAM fundaram a
UNEMO (União dos Estudantes de Moçambique), que faz
formalmente parte da FRELIMO e que organiza os estudantes
moçambicanos que estudam com assistência da FRELIMO.
   Em Portugal, os poucos estudantes negros ou mulatos
que atingiam um instituto superior reuniam-se na Casa dos Estu-
dantes do Império (CEI)e também estabeleciam ligações,
através do Clube dos Marítimos, com marinheiros das colónias
que vinham frequentemente a Lisboa. Em 1951, o Centro de
Estudos Africanos foi formado por membros da CEI, embora
não fizesse parte desta. Apesar das medidas opressivas da polí-
cia, a CEI trabalhou activamente, até à sua dissolução em 1965,
para espalhar a palavra da independência nacional nas colónias,
difundir informação sobre as colónias para o mundo além de
Portugal, e para endurecer e consolidar as ideias nacionalistas
entre a juventude. Em 1961, um grande grupo destes estu-
dantes, frustrado e finalmente ameaçado pela natureza persis-
tente da acção da polícia, fugiu pela fronteira e conseguiu chegar
a França e à Suíça, cortando pública e irreversivelmente com
o  regime português. Muitos destes estabeleceram imediata-
mente contactos abertos com os seus movimentos de libertação
e muitos destes antigos estudantes do "Império Português"
são agora chefes da FRELIMO.

A  acção dos trabalhadores urbanos

    Se foi entre os intelectuais que o pensamento e organização
políticos se desenvolveram mais durante o período a seguir
à Segunda Guerra Mundial, foi entre o proletariado urbano
que se realizaram as primeiras experiências da resistência activa
organizada. A concentração da mão-de-obra dentro e perto
das cidades e as terríveis condições de trabalho e pobreza
constituíram o ímpeto fundamental para a revolta; mas, na
ausência de sindicatos, eram apenas os grupos políticos clandes-
tinos que podiam dar a necessária organização. Os únicos sindi-
catos permitidos pelos Portugueses são os sindicatos fascistas,
cujos chefes são escolhidos pelos patrões e pelo Estado, e que,
de qualquer modo, só permitem a inscrição como sócios aos
trabalhadores brancos e ocasionalmente a africanos assimilados.
   Em 1947 o descontentamento radical da força de trabalho,
combinado com a agitação política, resultou numa série de
greves nas docas de Lourenço Marques e em plantações vizinhas,
que culminaram  numa  insurreição abortada em Lourenço
Marques em 1948. Os participantes foram ferozmente punidos,
e várias centenas de africanos foram deportados para S. Tomé.
Em 1956, também em Lourenço Marques, houve uma greve
nas docas, que terminou com a morte de 49 participantes.
Então, em 1962-1963, elementos clandestinos da FRELIMO
tomaram  conta do trabalho de organização e iniciaram um
sistema mais bem coordenado, que contribuiu para planear
as greves das docas, desencadeadas em 1963, em Lourenço
Marques, Beira e Nacala. Apesar da sua extensão maior, este
esforço também acabou com a morte e prisão de muitos parti-
cipantes. Embora houvesse alguma organização política entre
os trabalhadores responsáveis pelas greves, a própria acção da
greve foi grandemente espontânea e, na sua maioria, localizada.
O seu fracasso e a brutal repressão que se lhe seguiu em todos
os casos desanimaram temporariamente tanto as massas como
os comandos de considerarem a acção da greve como uma
arma política eficaz no contexto de Moçambique.

Rumo à unidade

   Tanto a agitação dos intelectuais como as greves da força
de trabalho urbana estavam condenadas ao fracasso, porque
em ambos os casos era apenas a acção dum pequeno grupo
isolado. Para um governo como o português, que se colocou
contra a democracia e está disposto a usar de extrema brutalidade
para esmagar a oposição, é fácil tratar com essas bolsas isoladas
de resistência. O próprio fracasso destas tentativas e a feroz
repressão que se lhes seguiu tornaram, porém, tudo isto evi-
dente e prepararam o terreno para uma acção de base mais larga.
A população urbana de Moçambique atinge ao todo meio milhão
de habitantes, pelo que um movimento nacionalista sem fortes
raízes nos campos nunca conseguiria ter sucesso.
   Alguns acontecimentos nas zonas rurais, ocorridos no
período que precedeu imediatamente a formação da FRE-
LIMO, foram de enorme importância. Tomaram uma direcção
extrema na área do Norte, perto de Mueda, embora tivessem
repercussões mais fracas noutras regiões. Foram primeiro que
tudo os efeitos, sobre as populações, do fracasso do movi-
mento cooperativo já descrito. A reacção dos chefes fica bem
ilustrada pelas palavras do próprio Lázaro Kavandame:

   "Não consegui dormir toda a noite. Eu sabia que a partir
daquele momento eles não me deixariam mais em paz, que
tudo o que eu fizesse seria vigiado e controlado de perto pelas
autoridades; que eles iriam chamar-me mais e mais vezes ao
Posto Administrativo e que eu seria constantemente vigiado
pela polícia. A minha única esperança era a fuga... Imediata-
mente tratámos de organizar uma reunião dos chefes do povo
com o fim de discutir os meios de acção para reconquistar a
nossa liberdade e expulsar os Portugueses opressores da nossa

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