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mem negro noutras partes do Mundo, chamada geral à revolta; e presentes sofrimentos do povo de Moçambique,
esmagado sob o trabalho forçado e nas minas. O primeiro destes temas é frequentemente entretecido
com os conflitos pessoais do poeta, surgindo os problemas das suas origens e situação familiar já
descrita em conexão com a posição social do mulato. Numa forma generalizada, tenta exprimir as
raízes comuns a todos os moçambicanos num passado africano pré-colonial, como neste extracto dum poema
de juventude de Marcelino dos Santos, "Aqui nascemos":
A terra onde nascemos vem
de longe com o tempo
Nossos avós nasceram e viveram nesta terra
e como ervas de fina seiva foram veias em corpo longo fluido rubro perfume terrestre
Árvores e granitos erguidos
seus braços abraçaram a terra
no trabalho quotidiano
e esculpindo as pedras férteis do mundo a começar em
cores iniciaram o grande desenho da vida
O melhor exemplo do segundo tema é talvez
o poema de Noémia de Sousa "Deixa passar o meu povo", inspirado pelas lutas do Negro Americano:
Noite morna de Moçambique e sons longínquos de marimba chegam até mim - certos
e constantes - vindos nem eu sei donde. Em minha casa de madeira e zinco,
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abro o rádio e deixo-me embalar... Mas vozes da América remexem-me a alma e os nervos
E Robeson c Marian cantam para mim spirituals negros de Harlem. Let my people go
- oh deixa passar o meu povo, deixa passar o meu povo - , B eu abro os olhos e já não
posso dormir. Dentro de mim soam-me Anderson e Paul e não são doces vozes de embalo
Let my people go. ......................................................................................................................................
Os sofrimentos do trabalhador forçado e do mineiro inspi- raram muitos poemas e há vigorosos
exemplos dos principais poetas desse período: "Magaíça", de Sousa; "Mamparra m'gaíza", "Mamana
Saquina", de Craveirinha; "A terra treme", de Marce- lino dos Santos. Aqueles poemas, porém, têm interesse
não tanto pela sua força e eloquência como pelos termos em que descrevem a situação, porque ilustram
muita ao vivo a fraqueza, assim como a força, do movimento ao qual pertenciam os seus autores.
Nenhum destes escritores tinha experimentado o traba- lho forçado; nenhum deles esteve sujeito ao
Código do Trabalho Nativo, e escrevem sobre o assunto como espectadores, lendo as suas próprias
reacções intelectualizadas nos espíritos do mi- neiro africano e do trabalhador forçado. Noémia de
Sousa, por exemplo, escreve em "Magaíça":
Magaíça atordoado acendeu o candeeiro
à cata das Ilusões perdidas da mocidade e da saúde que ficaram soterradas lá nas minas
do Jone...
Craveirinha, falando do "homem chope" sob contrato no Rand, escreve: "cada
vez que ele pensa em fugir é uma semana numa galeria sem sol. Mas de facto nem se fala em "fugir":
os moçambicanos contratam-se para as minas a fim de trazer dinheiro
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para a família e evitar o trabalho forçado sob condições econó- micas ainda piores. O próprio modo
como estes poemas são concebidos, num estilo de eloquente autocompaixão, é estranho à reacção africana.
Compare-se qualquer destes poemas com as canções chopes citadas acima. É evidente que, apesar dos
esforços dos seus autores para serem "africanos", tinham recebido mais da tradição europeia do que
da africana. Isto indica a falta de contacto entre estes intelectuais e o resto do país. Nesse
tempo, não estavam em posição de forjar um ver- dadeiro movimento nacional, como não o estavam os
campo- neses das cooperativas de Lázaro Kavandame. Por outro lado, a sua força estava no seu entusiasmo
e capacidade, adquiridos em parte no seu conhecimento da história europeia e do pensa- mento revolucionário,
para analisar uma situação política e exprimi-la em claros e vivos termos. Noémia de Sousa
escreveu esta forte chamada à revolta quando um dos seus companheiros do movimento tinha sido preso
e deportado depois das greves de 1947:
Mas que importa? Roubaram-nos João mas
João somos nós todos por isso João não nos abandonou João não era, João é e será
porque João somos nós, nós somos multidão e multidão quem pode levar multidão e fechá-la
numa jaula?
No Grito Negro, Craveirinha conseguiu dar um dos mais vívidos testemunhos
de alienação e revolta que jamais foram escritos. Pela sua estreita e significativa estrutura musical,
este poema perde muita da sua força na tradução*; mas vale a pena
* O Autor refere-se
evidentemente à tradução que fez do poema para a edição inglesa da obra. A versão original
que se segue foi retirada da obra de Mário de Andrade A Poesia Africana de Expressão Portuguesa
{Antologia Temática), vol.I.(Nota do Editor.)
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