DO
CU
ME
NT
OS

DO


IM

RIO

DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


***************************************************************************************

EDUARDO MONDLANE

1968


***************************************************************************************
mem negro noutras partes do Mundo, chamada geral à revolta;
e presentes sofrimentos do povo de Moçambique, esmagado
sob o trabalho forçado e nas minas.
   O  primeiro destes temas é frequentemente  entretecido
com  os conflitos pessoais do poeta, surgindo os problemas
das suas origens e situação familiar já descrita em conexão
com a posição social do mulato. Numa forma generalizada,
tenta exprimir as raízes comuns a todos os moçambicanos
num passado africano pré-colonial, como neste extracto dum
poema de juventude de Marcelino dos Santos, "Aqui nascemos":

   A  terra onde nascemos
   vem de longe
   com o tempo

   Nossos avós
   nasceram
   e viveram  nesta terra

   e como ervas de fina seiva
   foram veias em corpo longo
   fluido rubro perfume terrestre



   Árvores e granitos erguidos

   seus braços
   abraçaram a terra
    no trabalho quotidiano

   e esculpindo as pedras férteis
   do mundo a começar
   em cores iniciaram
   o grande desenho da vida


   O melhor exemplo do segundo tema é talvez o poema de
Noémia de Sousa "Deixa passar o meu povo", inspirado pelas
lutas do Negro Americano:

   Noite morna de Moçambique
   e sons longínquos de marimba chegam até mim
    - certos e constantes -
   vindos nem eu sei donde.
   Em minha casa de madeira e zinco,
   abro o rádio e deixo-me embalar...
   Mas vozes da América remexem-me a alma e os nervos

   E Robeson c Marian cantam para mim
   spirituals negros de Harlem.
  Let my people go
   - oh deixa passar o meu povo,
   deixa passar o meu povo - ,
   B eu abro os olhos e já não posso dormir.
   Dentro de mim soam-me Anderson e Paul
   e não são doces vozes de embalo
   Let  my people go.

......................................................................................................................................

   Os sofrimentos do trabalhador forçado e do mineiro inspi-
raram muitos poemas e há vigorosos exemplos dos principais
poetas desse período: "Magaíça", de Sousa; "Mamparra m'gaíza",
"Mamana Saquina", de Craveirinha; "A terra treme", de Marce-
lino dos Santos. Aqueles poemas, porém, têm interesse não
tanto pela sua força e eloquência como pelos termos em que
descrevem a situação, porque ilustram muita ao vivo a fraqueza,
assim como a força, do movimento ao qual pertenciam os seus
autores. Nenhum destes escritores tinha experimentado o traba-
lho forçado; nenhum deles esteve sujeito ao Código do Trabalho
Nativo, e escrevem sobre o assunto como espectadores, lendo
as suas próprias reacções intelectualizadas nos espíritos do mi-
neiro africano e do trabalhador forçado. Noémia de Sousa, por
exemplo, escreve em "Magaíça":

   Magaíça atordoado acendeu o candeeiro
   à cata das Ilusões perdidas
   da mocidade e da saúde que ficaram soterradas
   lá nas minas do Jone...


   Craveirinha, falando do "homem chope" sob contrato no
Rand, escreve: "cada vez que ele pensa em fugir é uma semana
numa galeria sem sol. Mas de facto nem se fala em "fugir": os
moçambicanos contratam-se para as minas a fim de trazer dinheiro
para a família e evitar o trabalho forçado sob condições econó-
micas ainda piores. O próprio modo como estes poemas são
concebidos, num estilo de eloquente autocompaixão, é estranho
à reacção africana. Compare-se qualquer destes poemas com
as canções chopes citadas acima. É evidente que, apesar dos
esforços dos seus autores para serem "africanos", tinham
recebido mais da tradição europeia do que da africana. Isto
indica a falta de contacto entre estes intelectuais e o resto do
país. Nesse tempo, não estavam em posição de forjar um ver-
dadeiro movimento nacional, como não o estavam os campo-
neses das cooperativas de Lázaro Kavandame. Por outro lado,
a sua força estava no seu entusiasmo e capacidade, adquiridos
em parte no seu conhecimento da história europeia e do pensa-
mento revolucionário, para analisar uma situação política e
exprimi-la em claros e vivos termos.
   Noémia de Sousa escreveu esta forte chamada à revolta
quando um  dos seus companheiros do movimento tinha sido
preso e deportado depois das greves de 1947:

   Mas que importa?
   Roubaram-nos João
   mas João somos nós todos
   por isso João não nos abandonou
   João não era, João é e será
   porque João somos nós, nós somos multidão
   e multidão
   quem pode levar multidão e fechá-la numa jaula?


   No Grito Negro, Craveirinha conseguiu dar um dos mais
vívidos testemunhos de alienação e revolta que jamais foram
escritos. Pela sua estreita e significativa estrutura musical, este
poema perde muita da sua força na tradução*; mas vale a pena

    * O Autor refere-se evidentemente à tradução que fez do poema para
a edição inglesa da obra.
    A versão original que se segue foi retirada da obra de Mário de Andrade
A  Poesia Africana de Expressão Portuguesa {Antologia Temática), vol.I.(Nota
do Editor.)


***************************************************************************************

Image of back.gif Image of eth-hm.gif Image of forward.gif