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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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   Noutra canção eles ridicularizam a tentativa de impor as
maneiras portuguesas:

   Ouçam  a canção da gente de Chigombe:
   É aborrecido dizer "bom dia" a todo o momento
   Macarite e Babuane  estão na cadeia
   Porque  não disseram "bom dia",
   Tiveram  que ir para Quissico para dizer "bom dia".


   Os  valores mercantis dos Europeus são frequentemente
escarnecidos ou atacados:

   Como  fiquei espantado,
   Meu irmão Nguissa,
   Como  fiquei espantado
   Por ter de levar dinheiro para comprar o meu caminho.


   Algumas das esculturas do povo maconde exprimem uma
arreigada hostilidade à cultura estranha. Nessa área, os missio-
nários católicos desenvolveram grande  actividade, e sob a
influência deles muitos artistas fizeram madonas e crucifixos,
imitando modelos europeus. Ao contrário do que acontece com
os trabalhos macondes sobre temas tradicionais, estas imagens
cristãs são na sua maioria rigidamente estereotipadas e sem vida.
Mas, por vezes, uma delas afasta-se do estereótipo, e quando
isso acontece é quase sempre porque se introduziu no traba-
lho algum elemento de dúvida e desafio: uma madona com uma
serpente na mão em lugar dum menino Jesus; um padre repre-
sentado com as patas dum animal selvagem; uma pietà torna-
-se um estudo de vingança e não de dor, com a mãe levantando
uma espada sobre o corpo do seu filho morto.
   Em áreas específicas e em tempos específicos, estas atitudes,
enraizadas na cultura popular cristalizaram em acções de um tipo
ou outro: os "mais velhos" "discutiram, sim, os nossos assuntos".
Uma  forma que resultou deste facto foi o movimento coopera-
tivo, que se desenvolveu no Norte durante os anos cinquenta.
Na  sua fase inicial, foi mais construtivo do que a manifestação
de desafio. Muitos camponeses - incluindo Mzee Lázaro
Kavandame, agora membro do Comité Central da FRELIMO
e secretário provincial de Cabo Delgado - organizaram-se em
cooperativas, numa tentativa de racionalizar a produção e a
venda de produtos agrícolas e de melhorar a sua sorte. As auto-
ridades portuguesas, porém, restringiram severamente a acti-
vidade das cooperativas, carregaram-nas de impostos, e man-
tiveram as reuniões sob estreita vigilância. Foi nessa altura
que o movimento começou a adquirir carácter mais político,
tornando-se totalmente hostil as autoridades.

O começo do nacionalismo

   As  condições eram desfavoráveis à expansão das ideias
nacionalistas por todo o país. Por causa da proibição de asso-
ciação política, da necessidade de segredo imposta por esta proi-
bição, da erosão da sociedade tradicional e da falta de educação
moderna nas áreas rurais, foi só entre uma minoria diminuta
que ao princípio se desenvolveu a ideia de acção nacional em
contraposição com acção local. Esta minoria era predominan-
temente urbana, composta de intelectuais e assalariados, indi-
víduos essencialmente desenraizados do sistema tribal, na sua
maioria africanos assimilados e mulatos; por outras palavras,
um pequeno sector marginal da população.
    Nas cidades, o poder colonial era visto mais de perto.
Era mais fácil de compreender que a força do colonizador
era construída sobre a nossa fraqueza e que os seus progressos
dependiam da mão-de-obra do africano. Talvez a própria
ausência de ambiente tribal ajudasse a incitar a uma visão
nacional, estimulasse este grupo a ver Moçambique como
terra de todos os moçambicanos, os fizesse compreender a
força da unidade.
   Encorajados pelo liberalismo da nova república em Por-
tugal (1910-1926), estes grupos formaram sociedades e criaram
jornais nos quais conduziram campanhas contra os abusos
do colonialismo, exigindo direitos iguais, até que, a pouco e
pouco, começaram a denunciar todo o sistema colonial.
   Em 1920 foi fundada em Lisboa a Liga Africana, orga-
nização que unia os poucos estudantes africanos e mulatos
que vinham para a cidade. Tinha como fim dar "carácter
organizado às ligações entre os povos colonizados"; participou
na Terceira Conferência Pan-Africana, reunida em Londres e
organizada por W. E. Du Bois, e em 1923 recebeu em Lisboa
a Segunda Sessão da Conferência. Era significativo conceber a
Liga não só a unidade nacional, como também a unidade entre
as colónias contra o mesmo poder colonial, uma unidade afri-
cana mais alargada contra todas as forças coloniais, e a unidade
entre todos os povos negros oprimidos do Mundo. Mas, de
facto, era fraca, composta apenas por vinte membros e situada
em Lisboa, longe do teatro de possível acção.
   Em  Moçambique, no principio dos anos vinte, formou-se
uma organização chamada Grémio Africano, que mais tarde
se transformou na Associação Africana. Colonos e adminis-
tração depressa se mostraram alarmados perante as exigências
da Associação, e no princípio dos anos trinta, favorecidos
pelos ventos fascistas que sopravam  de Portugal, iniciaram
uma campanha de intimidação e infiltração e conseguiram a
aliança dalguns dos chefes para dirigir a Associação em linhas
mais conformistas. Formou-se então uma ala mais radical,
que se separou e criou o Instituto Negrófilo; e este foi mais
tarde forçado pelo Governo de Salazar a mudar o seu nome
para Centro Associativo dos Negros de Moçambique. Cresceu
a tendência de os mulatos entrarem para a Associação Africana,
enquanto os africanos negros se concentravam no Centro Asso-
ciativo.
   Formou-se terceira organização intitulada Associação dos
Naturais de Moçambique. Esta era inicialmente concebida
como meio de defender os direitos dos brancos nascidos em
Moçambique; mas desde os anos cinquenta abriu as portas a
outros grupos étnicos, e depois disso tornou-se bastante activa
na luta contra o racismo. Fez mesmo alguma coisa para me-
lhorar a instrução africana por meio de bolsas de estudo.
Outras associações similares foram formadas por grupos de

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