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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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Resistência - À procura
dum movimento nacional


E nada mais me perguntes,
se é que me queres conhecer...
que não sou mais que um búzio de carne
onde a  revolta d'África congelou
seu grito inchado de esperança.


(De "Se me  quiseres conhecer", de Noémia de Sousa.)


 
Como todo o nacionalismo africano, o moçambicano nasceu
da experiência do colonialismo europeu. A fonte de unidade
nacional é o sofrimento em comum durante os últimos cin-
quenta anos passados debaixo do domínio efectivo português.
A afirmação nacionalista não nasceu duma comunidade estável,
historicamente significando unidade cultural, económica, terri-
torial e linguística. Em Moçambique, foi a dominação colonial
que produziu a comunidade territorial e criou a base para uma
coesão psicológica, fundamentada  na experiência da  discri-
minação, exploração, trabalho forçado e outros aspectos do
sistema colonial.
   Porém, foi limitada a comunicação entre as comunidades
sujeitas às mesmas experiências. Todas as formas de comuni-
cação vinham  de cima, por meio da administração colonial.
Este facto naturalmente dificultou o desenvolvimento duma
consciencialização única em toda a área territorial. Em Moçam-
bique, a situação foi agravada pela política do "Portugal Maior",
pela qual a colónia é designada como uma "província" de Por-
tugal, o povo chamado "português" pelas autoridades. Na rádio,
nos jornais, nas escolas, há muita conversa sobre "Portugal",
e muito pouca sobre "Moçambique". Entre os camponeses, essa
propaganda conseguiu dificultar o desenvolvimento dum con-
ceito de "Moçambique"; e, como Portugal é uma ideia muito
distante para constituir um factor de unificação, o tribalismo
acentuou-se por falta de estimulo para olhar para além da unidade
social imediata.
   Em muitas áreas onde a população é diminuta e pouco
densa, o contacto entre o poder colonial e o povo era tão super-
ficial que existia pouca experiência pessoal da dominação.
Havia no Niassa Oriental alguns grupos que nunca tinham visto
os Portugueses antes da deflagração da actual guerra. Nessas
áreas, a população tinha pouca noção de pertencer fosse a uma
nação ou  a uma colónia, e ao princípio foi-lhe difícil com-
preender a luta. Todavia a chegada do exército português
mudou rapidamente esta situação.

Resistência popular

   Onde quer que se sentisse o poder colonial, aparecia
alguma forma de resistência, desde a insurreição armada até
ao êxodo maciço. Mas em qualquer momento, era apenas uma
comunidade limitada, pequena em comparação com a sociedade,
aquela que se levantava contra o colonizador, enquanto que a
própria oposição era também limitada, por ser dirigida somente
contra um só aspecto da dominação, aquele aspecto concreto
que afectava aquela comunidade naquele preciso momento.
   A resistência activa foi finalmente esmagada em 1918,
com a derrota do Mokombe (Rei) de Barwe, na região de Tete.
E desde o princípio dos anos trinta, a administração colonial
do jovem  estado fascista espalhou-se através de Moçambique,
destruindo, muitas vezes  fisicamente, a estrutura do poder
tradicional.
   Desse momento em diante, tanto a repressão como a resis-
tência endureceram. Mas o centro de resistência deslocou-se
das hierarquias tradicionais, que se tornaram dóceis fantoches
dos Portugueses, para indivíduos e grupos - embora por muito
tempo estes tenham permanecido isolados nos seus fins e acti-
vidades, como os chefes tradicionais o tinham estado.
   Era  muito frequente a rejeição psicológica do colonizador
e sua cultura, mas não era ainda uma posição consciente e
raciocinada; era antes uma atitude ligada com a tradição cul-
tural do grupo, suas antigas lutas contra os Portugueses e
actual experiência de sujeição.

   O  desejo português de implantar a sua cultura através
de todo o território, mesmo que fosse bem intencionado, era
completamente destituído de realismo por causa da relação
numérica existente. Sendo os Portugueses 2% da população,
não podiam esperar dar a todos os africanos sequer a oportu-
nidade de observar o estilo de vida português, e muito
menos ter intimo contacto que lhes permitisse assimilá-lo.
Como muitas nações, também calcularam mal o entusiasmo
dos "pobres selvagens" pela "civilização". Visto que a maioria
dos africanos só encontravam os Portugueses no momento
de pagar impostos, quando eram contratados para trabalho
forçado ou  quando lhes apreendiam  as terras, não é para
admirar que tivessem uma impressão desfavorável da cultura
portuguesa. Esta repulsa é muitas vezes expressa em cantigas,
danças, mesmo em trabalhos de madeira esculpida - formas
tradicionais de expressão que o colonizador não compreende,
e através das quais ele pode ser secretamente ridicularizado,
denunciado e ameaçado. Os Chope, por exemplo, cantam:
                     
  Ainda estamos zangados; é sempre a mesma história
   As filhas mais velhas têm de pagar o imposto
   Natanele disse ao homem  branco que o deixasse em paz
   Natanele  disse ao branco que  me  deixasse estar
   Vós,  os velhos, deveis tratar dos nossos assuntos
   Porque o homem que os brancos nomearam é um filho
                                          [de ninguém


   Os  Chope  perderam  o direito à sua própria terra
   Deixem-me  contar-lhes...


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