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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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   2. Após três anos, não tiver mostrado suficiente desenvol-
      vimento agrícola, pelo crescimento e aumento do valor
      das áreas cultivadas e do gado;
   3. Dentro de três anos, não tiver constituído uma casa
      de tijolos no seu campo ou perto dele.

   Mesmo  o camponês vulgar, que nem está a tentar estabele-
cer-se como lavrador independente, encontra muitas diâculdades.
A pior é o imposto per capita. Para o poderem pagar, a maioria
dos camponeses tem que produzir alguma coisa para vender;
mas, mais uma vez, os preços pagos aos produtores africanos
são muito baixos. Por exemplo, em certa região os camponeses
recebiam l $00 por quilo de amendoim, pago pêlos comer-
ciantes locais, que o iam revender por 5$00.
   A outra ameaça comum é a alienação de terras. Em teoria,
as terras tradicionais, diferenciadas das terras que constituem
colonatos brancos, pertencem aos africanos. O artigo 38.° do
Estatuto Nativo de 1955 para Moçambique e Angola reafirmou
esta política: "Os nativos que vivem em organizações tribais
têm a garantia [...] do uso e desenvolvimento para as suas cul-
turas e pasto do seu gado."
   Mas  sob as pesadas pressões dos colonos europeus, o Go-
verno Português cedeu. Parte da terra nativa foi expropriada,
muitas vezes sem compensação, c entregue a grandes plantações
de  cana-de-açúcar, de chá  ou  de sisal, e para instalação de
grupos de imigrantes brancos de Portugal. Aqui temos também
testemunho  directo das populações afectadas:

   Natacha  Deolinda (província de Manica  e Sofala):

   "No Buzi (Beira), os Portugueses compraram toda a terra.
Havia nela algumas aldeias, cujos habitantes foram escorraçados
e tiveram que deixar os seus lares e a sua terra e procurar outra
terra para viver. Não receberam compensação pelas suas casas;
foram pura e simplesmente expulsos. Na nossa região, fomos
obrigados a sair, abandonando os nossos campos, e os Portu-
gueses plantaram cana-de-açúcar por toda a parte. Não tínhamos
licença de utilizar os poços que tínhamos aberto; toda a água
era destinada à rega da cana. Se um de nós fosse apanhado
com um bocado de cana, era preso, tinha que pagar 50$00
por um bocadinho dela. Diziam que a tínhamos roubado e,
se não tivéssemos dinheiro, a administração mandava-nos tra-
balhar uma semana na plantação supostamente para pagar
pelo bocadito de cana-de-açúcar."

   Nas áreas onde a terra era roubada para instalação de cam-
poneses brancos, e não para desenvolvimento duma plantação,
alguns dos antigos donos africanos recebiam autorização para
ficar. Isto traz-nos a outra das muitas contradições do Moçam-
bique governado por Portugal: o estabelecimento dos chamados
"povoamentos  multirraciais", nos ricos vales do Limpopo e
do Incomati e na bacia do Zambeze, conhecidos em Portugal
por colonatos. O sistema tinha sido idealizado pelos sociólogos
de Salazar, que declaravam impossível a transição, a curto
prazo, de um estilo de vida africano para uma sociedade indus-
trial moderna. Propunham então o estabelecimento duma socie-
dade agrária, pela instalação de camponeses portugueses nos
projectos governamentais de colonização, nalguns dos quais
tinham que tomar parte os africanos, e pelo desenvolvimento
de colónias agrícolas africanas que tornariam  possível a assi-
milação económica e espiritual do africano. Parte da motivação
deste esquema era apressar o aumento da população portuguesa
de Moçambique. Mas o fim oficialmente declarado era criar uma
população semianalfabeta de portugueses e africanos, deten-
tores de valores rurais portugueses, dedicados à terra, politi-
camente conservadores, que absorvesse e desviasse as energias
do africano insurrecto, e o tornasse incapaz de ameaçar os
grandes interesses económicos europeus representados por
empreendimentos  agrícolas, principal esteio económico da
colónia.
   As primeiras tentativas sérias de realizar esses povoamentos
deram-se nos princípios dos anos cinquenta, e os mais conhe-
cidos colonatos de Moçambique encontram-se nos distritos do

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