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culturas. Éramos forçados a produzir algodão. O povo não queria; sabia que o algodão traz a pobreza,
mas a companhia era protegida pelo Governo. Sabíamos que quem recusasse era mandado para as plantações
de S. Tomé, onde trabalharia sem receber qualquer salário. Assim, para não aumentar a nossa pobreza,
para não deixar a família e os filhos a sofrer sozinhos, tínhamos que cultivar algodão. A companhia
e o Governo trabalhavam juntos para reforçar o sistema... Um dia o meu tio adoeceu e não pôde tratar
do seu campo. O gerente da companhia mandou-o às autoridades, a quem ele disse que estava doente...
O administrador disse-lhe: 'Você é um homem mau. Pensa que os outros não ficam doentes? Que todos
os que estão nos campos andam com boa saúde?' Meu tio respondeu: 'Há varias doenças. Algumas deixam
a gente trabalhar, outras não. Eu não consigo trabalhar.' Prenderam-no e mandaram-no para S. Tomé
por um ano."
Os europeus produtores de algodão e outras culturas para venda não estão
sujeitos aos mesmos regulamentos que os africa- nos. Sem falar nas vastas concessões de terra que
recebem do Governo, são favorecidos por empréstimos dos bancos. E, acima de tudo, não são obrigados
a vender a produção às companhias concessionárias, mas podem vendê-la no mercado livre, regido pêlos
preços do mercado mundial. Os preços pagos aos produ- tores africanos, citados por Rita Mulumbua,
são bem inferiores aos preços mundiais, o que torna possível o baixo preço de revenda aos produtores
de têxteis portugueses: ainda há pouco tempo se vendia o algodão à indústria portuguesa a 17$00 o
quilo, enquanto no resto do Mundo o preço oscilava entre 20$00 e 25$00. A legislação governamental
reconhece como produtores exclusivamente os europeus, com direito a registo nos depar- tamentos
de exportação, quer como empregados remunerados em plantações, quer como produtores autónomos; todavia,
na prática a maior parte do trabalho é feita por mão-de-obra africana. A produção de outras
culturas para venda, fora o arroz,
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faz-se geralmente em grandes plantações onde a força de trabalho é africana, mas a responsabilidade
da produção é da adminis- tração. Noutros aspectos, o sistema é similar: existe a mesma cooperação
entre companhia e Governo; há o mesmo elemento de trabalho compulsivo e de baixos custos para a companhia,
neste caso obtidos pelo pagamento de baixos salários ao afri- cano, em vez de baixos preços pagos
pelos seus produtos. Uma descrição do trabalho numa plantação de chá da Zambézia mostra que o efeito
prático, para o africano, é muito semelhante:
Joaquim Maquival (província da Zambézia):
"Tínhamos que trabalhar na terra do Governo, ao menos esta não é terra do Governo; pertence a
uma companhia, mas era o Governo que nos obrigava a lá trabalhar. A terra pertencia à Sociedade
de Chá Oriental de Milanje. O Governo veio e pren- deu-nos nas nossas aldeias e mandou-nos para a
companhia; isto é, a companhia pagou à administração ou ao Governo e então o Governo prendeu-nos
e deu-nos à companhia. Comecei aos 12 anos a trabalhar para a companhia; pagavam-me 15$00 por mês.
Trabalhava desde as 6 da manhã até ao meio-dia, parávamos duas horas e continuávamos das 2 até às
6 da tarde. Toda a família trabalhava para a companhia: meus irmãos, meu pai- meu pai ainda lá
está. Meu pai ganhava e ainda ganha 150$00 por mês. Tinha que pagar 195$00 de imposto anual. Nós não
queríamos trabalhar para a companhia, mas se recusássemos o Governo mandava a polícia às aldeias e
prendiam aqueles que recusavam, e se fugiam o Governo punha a circular foto- grafias e dava início
à caçada ao homem. Quando os apanhavam batiam-lhes, metiam-nos na prisão e quando saíam tinham que
ir trabalhar sem receber féria; o argumento era que eles fugiam porque não precisavam de dinheiro...
Assim, nos nossos campos só ficavam as nossas mães, que pouco podiam fazer. Só tínhamos para comer
o pouco que elas conseguiam produzir. Não tínhamos açúcar nem chá - tínhamos que trabalhar no chá,
mas não lhe sabíamos o gosto. Nunca entrava chá nas nossas casas."
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Agricultura mista
A ocupação normal da maioria dos africanos, se não hou- vesse impedimentos,
seria a agricultura de subsistência. Esta actividade, quando não é activamente dificultada pelo Governo,
é pouco auxiliada por ele. Os lavradores africanos têm pouco direito a apoio e auxílios do Governo,
exceptuando a distri- buição ocasional de sementes de qualidade, que de qualquer modo tem que ser
paga em espécies. Pelo contrário: encontram toda a casta de obstáculos legais e administrativos até
poderem eventualmente estabelecer-se como lavradores independentes. Desde 1928, aquando do
início do regime de Salazar, o Governo emitiu uma série de decretos que restringiam a liber- dade
de os africanos escolherem o local de trabalho. De 1928 a 1961 um africano só podia dedicar-se ao
trabalho agrícola independente sob as seguintes condições:
1. Deve cultivar permanentemente
um ou mais lotes de terra, de acordo com as exigências oficiais. 2. Deve ser ele o principal
e permanente agente das várias actividades ligadas à exploração dessa terra, onde pode
ter a ajuda de parentes ou empregados pagos ou trocar serviços com outros trabalhadores.
3. Deve residir num dos lotes de terreno, com sua família. 4. Deve ter todos os impostos em
dia. 5. Deve manter as suas actividades em observância das instruções do Governador-Geral.
Os requisitos acima mencionados são tão difíceis de preencher que muito poucos podem ser qualificados
como lavradores independentes. E, como se tudo isto não bastasse para desanimar os africanos de
se aventurarem neste empreen- dimento, o Governo Português ainda decretou mais que um lavrador
africano pode ser expulso das suas terras se, entre outras coisas: 1. Tiver estado ausente
ou abandonado os seus terrenos durante mais de quatro meses no decorrer de um ano;
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