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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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culturas. Éramos forçados a produzir algodão. O povo não
queria; sabia que o algodão traz a pobreza, mas a companhia
era protegida pelo Governo. Sabíamos que quem recusasse era
mandado para as plantações de S. Tomé, onde trabalharia sem
receber qualquer salário. Assim, para não aumentar a nossa
pobreza, para não deixar a família e os filhos a sofrer sozinhos,
tínhamos que cultivar algodão. A companhia e o Governo
trabalhavam juntos para reforçar o sistema... Um dia o meu
tio adoeceu e não pôde tratar do seu campo. O gerente da
companhia mandou-o às autoridades, a quem ele disse que
estava doente... O administrador disse-lhe: 'Você é um homem
mau. Pensa que os outros não ficam doentes? Que todos os que
estão nos campos andam com boa saúde?' Meu tio respondeu:
'Há varias doenças. Algumas deixam a gente trabalhar, outras
não. Eu não consigo trabalhar.' Prenderam-no e mandaram-no
para S. Tomé por um ano."

   Os  europeus produtores de algodão e outras culturas para
venda não estão sujeitos aos mesmos regulamentos que os africa-
nos. Sem falar nas vastas concessões de terra que recebem do
Governo, são favorecidos por empréstimos dos bancos. E, acima
de tudo, não são obrigados a vender a produção às companhias
concessionárias, mas podem vendê-la no mercado livre, regido
pêlos preços do mercado mundial. Os preços pagos aos produ-
tores africanos, citados por Rita Mulumbua, são bem inferiores
aos preços mundiais, o que torna possível o baixo preço de
revenda aos produtores de têxteis portugueses: ainda há pouco
tempo se vendia o algodão à indústria portuguesa a 17$00 o
quilo, enquanto no resto do Mundo  o preço oscilava entre
20$00 e 25$00.
   A legislação governamental reconhece como produtores
exclusivamente os europeus, com direito a registo nos depar-
tamentos de exportação, quer como empregados remunerados
em plantações, quer como produtores autónomos; todavia, na
prática a maior parte do trabalho é feita por mão-de-obra
africana.
   A produção de outras culturas para venda, fora o arroz,
faz-se geralmente em grandes plantações onde a força de trabalho
é africana, mas a responsabilidade da produção é da adminis-
tração. Noutros aspectos, o sistema é similar: existe a mesma
cooperação entre companhia e Governo; há o mesmo elemento
de trabalho compulsivo e de baixos custos para a companhia,
neste caso obtidos pelo pagamento de baixos salários ao afri-
cano, em vez de baixos preços pagos pelos seus produtos.
Uma descrição do trabalho numa plantação de chá da Zambézia
mostra que o efeito prático, para o africano, é muito semelhante:

   Joaquim  Maquival (província da Zambézia):

   "Tínhamos que trabalhar na terra do Governo, ao menos
esta não é terra do Governo; pertence a uma companhia, mas era
o Governo  que nos obrigava a lá trabalhar. A terra pertencia à
Sociedade de Chá Oriental de Milanje. O Governo veio e pren-
deu-nos nas nossas aldeias e mandou-nos para a companhia; isto
é, a companhia pagou à administração ou ao Governo e então o
Governo prendeu-nos e deu-nos à companhia. Comecei aos 12
anos a trabalhar para a companhia; pagavam-me 15$00 por mês.
Trabalhava desde as 6 da manhã até ao meio-dia, parávamos
duas horas e continuávamos das 2 até às 6 da tarde. Toda a
família trabalhava para a companhia: meus irmãos, meu pai-
meu  pai ainda lá está. Meu pai ganhava e ainda ganha 150$00
por mês. Tinha que pagar 195$00 de imposto anual. Nós não
queríamos trabalhar para a companhia, mas se recusássemos
o Governo mandava a polícia às aldeias e prendiam aqueles
que recusavam, e se fugiam o Governo punha a circular foto-
grafias e dava início à caçada ao homem. Quando os apanhavam
batiam-lhes, metiam-nos na prisão e quando saíam tinham
que ir trabalhar sem receber féria; o argumento era que eles
fugiam porque não precisavam de dinheiro... Assim, nos nossos
campos só ficavam as nossas mães, que pouco podiam fazer.
Só tínhamos para comer o pouco que elas conseguiam produzir.
Não tínhamos açúcar nem chá - tínhamos que trabalhar no
chá, mas não lhe sabíamos o gosto. Nunca entrava chá nas
nossas casas."

Agricultura mista

   A ocupação normal da maioria dos africanos, se não hou-
vesse impedimentos, seria a agricultura de subsistência. Esta
actividade, quando não é activamente dificultada pelo Governo, é
pouco auxiliada por ele. Os lavradores africanos têm pouco
direito a apoio e auxílios do Governo, exceptuando a distri-
buição ocasional de sementes de qualidade, que de qualquer
modo tem que ser paga em espécies. Pelo contrário: encontram
toda a casta de obstáculos legais e administrativos até poderem
eventualmente estabelecer-se como lavradores independentes.
   Desde 1928, aquando do início do regime de Salazar, o
Governo emitiu uma série de decretos que restringiam a liber-
dade de os africanos escolherem o local de trabalho. De 1928
a 1961 um africano só podia dedicar-se ao trabalho agrícola
independente sob as seguintes condições:

   1. Deve cultivar permanentemente um ou mais lotes de
      terra, de acordo com as exigências oficiais.
   2. Deve ser ele o principal e permanente agente das várias
      actividades ligadas à exploração dessa terra, onde pode
      ter a ajuda de parentes ou empregados pagos ou trocar
      serviços com outros trabalhadores.
   3. Deve residir num dos lotes de terreno, com sua família.
   4. Deve ter todos os impostos em dia.
   5. Deve  manter as suas actividades em observância das
      instruções do Governador-Geral.

   Os requisitos acima mencionados são tão difíceis de
preencher que muito poucos podem ser qualificados como
lavradores independentes. E, como se tudo isto não bastasse
para desanimar os africanos de se aventurarem neste empreen-
dimento, o Governo Português ainda decretou mais que um
lavrador africano pode ser expulso das suas terras se, entre
outras coisas:
   1. Tiver estado ausente ou abandonado os seus terrenos
      durante mais de quatro meses no decorrer de um ano;

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