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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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    Até  1961, a direcção e a supervisão da produção do algo-
dão foi exercida pelos agentes das companhias concessionárias,
com o apoio dos serviços administrativos locais, sob a orientação
geral da Comissão de Exportação do Algodão. Dentro deste sis-
tema, a Comissão designou as áreas de cultura, determinando
a quantidade de  terra a ser cultivada por cada indivíduo ou
família africana.
   Em 1930, a Comissão de Exportação do Algodão pro-
mulgou  "instruções gerais", que mais tarde foram aprovadas
pelo Governador-Geral, estabelecendo as condições de cultura
do  algodão pelos africanos. Todos os africanos válidos do
sexo masculino, entre as idades de 18 e 55 anos, eram desig-
nados "cultivadores de algodão", e tinham que cultivar 1,5 ha
de algodão cada um,  mais cerca de l ha por cada mulher,
mais outro tanto de culturas alimentares. As mulheres solteiras
de idades entre os 18 e os 45 anos e os homens entre os 55 e
os 60 anos foram designados "cultivadores de algodão", res-
ponsáveis por l ha de algodão, mais outro tanto de culturas
alimentares.
   Mais  pormenores da organização são descritos pelo Pro-
fessor Marvin Harris na sua monografia Portugal's Africans
Wards*:

   "Nesta moderna servidão, o papel do senhor medieval é
exercido por doze companhias portuguesas, cada uma das quais
recebeu direitos de concessão sobre a produção do algodão
em vastas áreas de Moçambique. Os indígenas, dentro das áreas
da concessão de cada companhia, recebem lotes de terra de
algodão, por intermédio das autoridades administrativas. Não
podem escolher e têm que plantar, cultivar e colher algodão,
onde quer que lhes seja definido. Depois têm que vender o
algodão à companhia concessionária da sua área a preços mar-
cados pelo Governo, muito inferiores aos que se podiam obter
no mercado internacional. [...] Em 1956, havia 519 000 cultiva-

   * Nova York, 1958.
dores africanos que participavam na campanha do algodão [...]
o número actual de homens, mulheres e crianças forçados a
plantar algodão (em superfícies roubadas à cultura de produtos
alimentares) excede provavelmente um milhão. Em 1956, os
519 000 vendedores recebiam uma média de 328$40 por pessoa
como recompensa familiar por um ano inteiro de trabalho."

   Era obrigação da administração portuguesa assegurar que
todo o algodão produzido fosse apresentado anualmente nos
mercados, para que a companhia concessionária o comprasse,
de modo que o produtor africano não pudesse vender o seu
algodão noutros lados. Deste modo, tanto a companhia privada
no gozo de direitos monopolistas como o Governo Portu-
guês podiam marcar os preços conforme queriam, garan-
tindo assim o lucro anual almejado.
   Este sistema enriqueceu as companhias europeias interes-
sadas e teve diferente e, por vezes, desastroso resultado para
a grande parte dos africanos. Despedaçou as suas actividades
económicas normais, reduzindo a produção  de géneros ali-
mentares de consumo e provocando períodos recorrentes de
fome, enquanto que, durante a plantação, cultura e colheita,
o africano médio era constantemente perseguido pela polícia,
cada casa era passada a pente fino, donde cada homem, mulher
e criança eram obrigados a ir para os campos do algodão, a fim
de haver a certeza de que não trabalhavam em coisa alguma que
não fosse o algodão. Além disso, a ânsia de lucros das com-
panhias concessionárias levou o Governo a forçar os africanos
a cultivarem o algodão em terras marginais, daí resultando si-
tuações económicas de extrema dureza para os próprios culti-
vadores, muitos dos quais ganham menos do que £ 2.10 por
ano pela venda do algodão.
   As "reformas" de 1961 trouxeram algumas modificações
no sistema, a principal das quais foi remover a base legal para
a cultura obrigatória. Como em outros campos, contudo, a
mudança da lei teve poucos resultados na prática. Os depoi-
mentos que vêm a seguir ilustram tudo isto, e são provenientes
de moçambicanos que trabalhavam nas áreas de produção de
algodão até pelo menos 1964, quando as lutas de libertação
forçaram algumas das companhias a fechar. As condições por
eles descritas ainda prevalecem nas regiões até agora não muito
atingidas pela guerra.

    Rita Mulumbua (província do Niassa):

    "Meus pais são camponeses. Na nossa terra cultivávamos
cassava, feijão e milho. Também cultivávamos algodão, que
vendíamos a uma companhia. Vendíamos um saco de algodão por
25 a 50 escudos, conforme a qualidade e o ano. Num ano bom o
meu pai deve ter vendido 10 sacos. Pagou 195 escudos de imposto.
    Eu trabalhava nos campos do algodão. Nós não queríamos
algodão, mas éramos obrigados a cultivá-lo; queríamos cultivar
cassava, feijão e milho. Se nos recusássemos a cultivar algodão,
eles prendiam-nos, punham-nos correntes, batiam-nos e man-
davam-nos para sítios donde muitos não voltavam mais. Quando
eu era pequena, conhecia o chefe Navativa; eles prenderam-no
e nunca mais foi visto."

    Gabriel Maurício Nantimbo (província, de Cabo Delgado):

    "Toda a minha família produzia algodão para a Companhia
Agrícola Algodoeira. Quando a companhia se instalou na
nossa região para a explorar, todos foram obrigados a cultivar
um campo de algodão. Cada pessoa recebia semente. Depois,
era preciso limpar o terreno, desbastar o plantio, porque, se a
plantação está muito basta, a produção baixa, e mondar. Final-
mente, depois da colheita, a companhia avisava-nos do local
aonde devíamos levar os fardos, e comprava-nos o algodão
pagando muito mal. Era-nos  muito difícil ganhar o nosso
sustento, porque nos pagavam muito pouco, e não tínhamos
tempo de tratar das outras culturas: o algodão precisa de atenção
permanente, tem de se desbastar e mondar constantemente.
   O tempo de crescimento do algodão era sempre um tempo
de grande pobreza, porque só podíamos produzir algodão; por
ele obtínhamos preço baixo e não restava tempo para outras

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