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Até 1961, a direcção e a supervisão da produção do algo- dão foi exercida pelos agentes das
companhias concessionárias, com o apoio dos serviços administrativos locais, sob a orientação geral
da Comissão de Exportação do Algodão. Dentro deste sis- tema, a Comissão designou as áreas de cultura,
determinando a quantidade de terra a ser cultivada por cada indivíduo ou família africana.
Em 1930, a Comissão de Exportação do Algodão pro- mulgou "instruções gerais", que mais tarde foram
aprovadas pelo Governador-Geral, estabelecendo as condições de cultura do algodão pelos africanos.
Todos os africanos válidos do sexo masculino, entre as idades de 18 e 55 anos, eram desig- nados
"cultivadores de algodão", e tinham que cultivar 1,5 ha de algodão cada um, mais cerca de l ha por
cada mulher, mais outro tanto de culturas alimentares. As mulheres solteiras de idades entre os
18 e os 45 anos e os homens entre os 55 e os 60 anos foram designados "cultivadores de algodão", res-
ponsáveis por l ha de algodão, mais outro tanto de culturas alimentares. Mais pormenores da
organização são descritos pelo Pro- fessor Marvin Harris na sua monografia Portugal's Africans Wards*:
"Nesta moderna servidão, o papel do senhor medieval é exercido por doze companhias portuguesas,
cada uma das quais recebeu direitos de concessão sobre a produção do algodão em vastas áreas de
Moçambique. Os indígenas, dentro das áreas da concessão de cada companhia, recebem lotes de terra
de algodão, por intermédio das autoridades administrativas. Não podem escolher e têm que plantar,
cultivar e colher algodão, onde quer que lhes seja definido. Depois têm que vender o algodão à
companhia concessionária da sua área a preços mar- cados pelo Governo, muito inferiores aos que se
podiam obter no mercado internacional. [...] Em 1956, havia 519 000 cultiva-
* Nova York,
1958.
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dores africanos que participavam na campanha do algodão [...] o número actual de homens, mulheres
e crianças forçados a plantar algodão (em superfícies roubadas à cultura de produtos alimentares)
excede provavelmente um milhão. Em 1956, os 519 000 vendedores recebiam uma média de 328$40 por pessoa
como recompensa familiar por um ano inteiro de trabalho."
Era obrigação da administração portuguesa
assegurar que todo o algodão produzido fosse apresentado anualmente nos mercados, para que a companhia
concessionária o comprasse, de modo que o produtor africano não pudesse vender o seu algodão noutros
lados. Deste modo, tanto a companhia privada no gozo de direitos monopolistas como o Governo Portu-
guês podiam marcar os preços conforme queriam, garan- tindo assim o lucro anual almejado. Este
sistema enriqueceu as companhias europeias interes- sadas e teve diferente e, por vezes, desastroso
resultado para a grande parte dos africanos. Despedaçou as suas actividades económicas normais,
reduzindo a produção de géneros ali- mentares de consumo e provocando períodos recorrentes de fome,
enquanto que, durante a plantação, cultura e colheita, o africano médio era constantemente perseguido
pela polícia, cada casa era passada a pente fino, donde cada homem, mulher e criança eram obrigados
a ir para os campos do algodão, a fim de haver a certeza de que não trabalhavam em coisa alguma que
não fosse o algodão. Além disso, a ânsia de lucros das com- panhias concessionárias levou o Governo
a forçar os africanos a cultivarem o algodão em terras marginais, daí resultando si- tuações económicas
de extrema dureza para os próprios culti- vadores, muitos dos quais ganham menos do que £ 2.10 por
ano pela venda do algodão. As "reformas" de 1961 trouxeram algumas modificações no sistema,
a principal das quais foi remover a base legal para a cultura obrigatória. Como em outros campos,
contudo, a mudança da lei teve poucos resultados na prática. Os depoi- mentos que vêm a seguir
ilustram tudo isto, e são provenientes
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de moçambicanos que trabalhavam nas áreas de produção de algodão até pelo menos 1964, quando as
lutas de libertação forçaram algumas das companhias a fechar. As condições por eles descritas
ainda prevalecem nas regiões até agora não muito atingidas pela guerra.
Rita Mulumbua
(província do Niassa):
"Meus pais são camponeses. Na nossa terra cultivávamos cassava,
feijão e milho. Também cultivávamos algodão, que vendíamos a uma companhia. Vendíamos um saco de
algodão por 25 a 50 escudos, conforme a qualidade e o ano. Num ano bom o meu pai deve ter vendido
10 sacos. Pagou 195 escudos de imposto. Eu trabalhava nos campos do algodão. Nós não queríamos
algodão, mas éramos obrigados a cultivá-lo; queríamos cultivar cassava, feijão e milho. Se nos recusássemos
a cultivar algodão, eles prendiam-nos, punham-nos correntes, batiam-nos e man- davam-nos para
sítios donde muitos não voltavam mais. Quando eu era pequena, conhecia o chefe Navativa; eles prenderam-no
e nunca mais foi visto."
Gabriel Maurício Nantimbo (província, de Cabo Delgado):
"Toda a minha família produzia algodão para a Companhia Agrícola Algodoeira. Quando a companhia
se instalou na nossa região para a explorar, todos foram obrigados a cultivar um campo de algodão.
Cada pessoa recebia semente. Depois, era preciso limpar o terreno, desbastar o plantio, porque, se
a plantação está muito basta, a produção baixa, e mondar. Final- mente, depois da colheita, a
companhia avisava-nos do local aonde devíamos levar os fardos, e comprava-nos o algodão pagando
muito mal. Era-nos muito difícil ganhar o nosso sustento, porque nos pagavam muito pouco, e não
tínhamos tempo de tratar das outras culturas: o algodão precisa de atenção permanente, tem de
se desbastar e mondar constantemente. O tempo de crescimento do algodão era sempre um tempo
de grande pobreza, porque só podíamos produzir algodão; por ele obtínhamos preço baixo e não restava
tempo para outras
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