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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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E o Governo Português insiste em que dois terços do orça-
mento para organizações não governamentais, tais como os
serviços de coordenação de exportação de algodão, cereais,
e café, estejam a cargo dos territórios ultramarinos.
   Apesar destas medidas, porém, poderia parecer que Por-
tugal obtém benefício económico liquido somente de Angola,
e que no caso de Moçambique tem prejuízo financeiro real.
Isto não significa, todavia, que Portugal fique a perder, em
termos de ganho económico real. O paradoxo está nos porme-
nores do intercâmbío económico entre Moçambique e Portugal
metropolitano. Moçambique é principalmente exportador de
matérias-primas e importador de bens manufacturados. Excep-
tuando óleos vegetais, carne e conservas de peixe, não há pre-
sentemente indústrias locais de importância. Muito do açúcar
é exportado em rama para ser refinado em Portugal metropo-
litano. O mesmo acontece com o algodão: é enviado para Por-
tugal, onde as indústrias têxteis o transformam em fio e tecido.
Desde 1961 estes processos começaram a mudar, e, com auxilio
de capital estrangeiro, foram montadas na colónia certo número
de pequenas fábricas e unidades de montagem. Recentemente
foram mesmo concedidas algumas licenças de produção de
têxteis em Moçambique, visto que se obtém algodão de melhor
qualidade e preço doutras partes do Mundo (como os Estados
Unidos). Apesar  disto, as indústrias têxteis portuguesas ainda
preferem importar a maior parte das suas quotas de algodão
de Angola e Moçambique, por três razões: poder ser pago em
moeda nacional; os preços serem fixados pelo Governo, sufi-
cientemente inferiores aos do mercado mundial para repre-
sentar considerável poupança; e disporem em exclusivo de um
mercado de 12 milhões de pessoas que consomem os seus pro-
dutos acabados. Há  pouco tempo foi dito, pelo Professor
Quintanilha, chefe do Centro de Pesquisa do Algodão de Mo-
çambique, que se Portugal tivesse tido que importar todo o
algodão para a sua indústria têxtil, nos últimos cinco anos,
isso teria significado um investimento anual da ordem dos
12 milhões de libras. Em  vez disso, a indústria têxtil traz à
economia portuguesa um rendimento anual de 18 milhões de
libras.
   Um estudo da lista anual de bens manufacturados impor-
tados por Moçambique mostra a preponderância de dois artigos
importantes, testeis de algodão e vinhos e aguardentes, ambas
as coisas produzidas em  Portugal, em grandes quantidades.
De facto, Moçambique importa mais tecidos e vinhos (em
quantidade e valor) do que equipamento industrial e agrícola.
Dos produtos que têm que ser importados de fora da zona do
escudo, é de notar o grande número de veículos particulares
em Moçambique, que não são evidentemente para uso da popu-
lação africana pobre, mas para os poucos privilegiados não
africanos.
   Assim, a estrutura das trocas entre Portugal e os territórios
ultramarinos é típica do sistema colonial português, na medida
em que a vida económica dos territórios coloniais é conduzida
para  a satisfação dos interesses de Portugal metropolitano,
mais do que para os seus próprios interesses; as colónias
abastecem  Portugal metropolitano com  produtos tropicais,
matérias-primas básicas, servindo em contrapartida de mercado
cativo e de despejo de produtos industriais inferiores, e para
os vinhos e aguardentes, que têm dado fama a Portugal. Também
recentemente adquiriram nova importância como meio de
ganhar divisas. Os métodos de produção em  Moçambique
reflectem esta escala de prioridades: os interesses de Portugal
estão acima dos de Moçambique, como dentro de Moçambique
os interesses da minoria branca estão acima dos dos moçam-
bicanos africanos.
   Para promover semelhante política, o regime de Salazar,
desde o início, empenhou-se em aumentar a produção de bens
agrícolas comercializáveis introduzindo novos métodos de dis-
tribuição e controle de terras; e em reduzir pela força a produção
de bens agrícolas de consumo tradicionalmente usados pela
população africana. Também contrariou o desenvolvimento
de cooperativas africanas agrícolas e de consumo, receando
que competissem com os interesses dos colonos europeus.

Produção de culturas para venda

   Moçambique é principalmente um país agrícola, sendo os
seus produtos mais importantes o algodão, o sisal, a cana-de-
-açúcar, o arroz, o chá, o tabaco, o coco, o caju e vários tipos
de oleaginosas. Esta produção segue um certo padrão racial
que ilustra a política económica colonial e a prática portuguesa.
Em  geral, o algodão e o arroz são cultivados pelos africanos
em campos individuais ou familiares. O coco, a cana-de-açúcar,
o  chá e o sisal são produzidos por cultivadores europeus,
quase sempre em grandes propriedades individuais, ou em
grandes plantações, o que exige muito capital inicial.
   A produção de arroz e algodão pelos cultivadores africanos
não é espontânea; em virtude do controle dos preços, não
há estímulo de lucro que os leve a fazê-lo por iniciativa própria.
O Governo obriga-os a trabalhar nestas culturas, algumas vezes
em lotes de terra especialmente atribuídos para esse fim, outras
vezes nas suas próprias terras tradicionais.
   Tomemos por exemplo a cultura do algodão. Quando,
em 1928, Salazar subiu ao Poder, as colónias portuguesas de
África produziam cerca de 800 t. de algodão, enquanto as indús-
trias têxteis portuguesas necessitavam de 17 000 t. Uma das
primeiras medidas tomadas pelo regime de Salazar foi a insti-
tuição dum sistema de cultura forçada do algodão nas duas
principais colónias africanas. Em Angola, decretos-leis especiais
obrigaram todos os africanos válidos residentes em determi-
nadas áreas a cultivar algodão. Em Moçambique, não foi neces-
sário promulgar novas leis, visto que a obrigação de cultivar
o algodão podia ser deduzida de anteriores disposições legais
sobre mão-de-obra e agricultura. Em meados dos anos cin-
quenta, o número de africanos que trabalhavam na cultura do
algodão tinha subido a meio milhão, e a produção, só em
Moçambique, tinha atingido 140 000 t. A indústria têxtil por-
tuguesa, que em Portugal emprega um terço da força industrial
de trabalho e produz um quinto do valor total das exportações,
recebia das colónias 82% das suas matérias-primas.

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