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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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    Os princípios subjacentes ao sistema económico de Por-
tugal metropolitano estão defendidos nas leis básicas da orga-
nização corporativa do Estado. Por exemplo, define-se na cons-
tituição do Estado que "a empresa privada é reconhecida como
o mais prolífico instrumento do progresso e da economia da
Nação"; o Estado fica apenas como coordenador e regulador
da vida económica e social, e árbitro dos objectivos económicos
e sociais. A Constituição, de facto, proíbe ao Estado intervir
no comércio ou estabelecer novas industrias, excepto onde os
interesses económicos privados não podem fazer face aos inves-
timentos iniciais. Residindo o verdadeiro poder político em Por-
tugal na Câmara Corporativa, corpo constituído por represen-
tantes das corporações (grémios), "os interesses económicos da
Nação" são de facto determinados por uma minoria de poderosos.
    Este mesmo sistema é extensivo aos territórios ultramarinos.
Na Constituição Portuguesa, as relações económicas com o
ultramar definem-se do seguinte modo: A organização econó-
mica dos territórios ultramarinos portugueses será parte inte-
grante da organização económica geral da Nação Portuguesa
e, consequentemente, da economia mundial.
    Dentro desta estrutura está também previsto que Portugal
metropolitano "assegurará, através de medidas tomadas pelas
autoridades competentes, um equilíbrio adequado entre os
vários interesses económicos". Como em Portugal metropo-
litano, fundaram-se em Moçambique corporações de produtores
de cereais, industrias de óleos vegetais, cultivadores de chá e
tabaco, cuja função é auxiliar o Governo no planeamento e
direcção da exploração dos recursos naturais c humanos do Pais.
    O próprio Primeíro-Ministro Salazar declarou que os terri-
tórios ultramarinos eram "solução lógica para o problema de
excesso de população em Portugal, fixando portugueses da
metrópole nas colónias e produzindo estas as matérias-primas
para venda à metrópole em troca de produtos manufacturados".
    Embora  em Portugal os interesses estrangeiros estejam
sob legislação especial restritiva, esta não se aplica aos terri-
tórios ultramarinos. Habitualmente, o Governo Português
requer a participação de capital português nas companhias
estrangeiras, o registo das companhias, e a nomeação de portu-
gueses para os conselhos de administração, embora o capital
português possa não exceder 50%. O único sector da economia
em que o capital português deve ser de 51% é o que está rela-
relacionado com o uso e exploração de concessões de terra.
Este requisito, porém, só foi aplicado aos territórios do ultramar
em 1947. Em Moçambique, quase todas as companhias estran-
geiras possuidoras de vastas extensões de terra foram fundadas
muito tempo antes disto, e nelas é insignificante a participação
portuguesa.
   Mesmo o decreto de 1947 que introduziu nos territórios
ultramarinos a obrigação dos 51% de participação não foi
totalmente vinculativo, visto que a mesma lei deu ao ministro
do Ultramar poderes para, em casos especiais, dispensar o
cumprimento daquela obrigação. Além  disso, foram supri-
midas as restrições aos investimentos estrangeiros, em Abril
de 1951, e adoptadas novas regras pelas quais as empresas
total ou parcialmente pertencentes a estrangeiros podiam ser
estabelecidas nos vários sectores económicos do ultramar, com
os mesmos privilégios de direitos e isenções que as empresas
nacionais, desde que os seus proprietários residissem num terri-
tório português ou estivessem domiciliados no ultramar.
   Confrontado com as guerras coloniais desde a deflagração
de 1961 em Angola, o Governo decidiu eliminar todas as res-
trições à entrada de capital estrangeiro nas colónias, na espe-
rança de conquistar apoio financeiro e político doutros países,
para a manutenção do Império Português.
   Dentro da política de exploração dos recursos dos terri-
tórios coloniais, o regime de Salazar insiste num processo de
integração económica, estabelecendo, em 1961, normas pelas
quais a mãe-pátria e os territórios ultramarinos devem, dentro
de dez anos, tornar-se uma única comunidade económica-
-comercial e monetária. Isto significa que, pelos fins de 1971,
as restrições alfandegárias existentes entre as colónias e a mãe-
-pátria terão sido progressivamente eliminadas. Segundo os
termos desta lei, todas as divisas estrangeiras ganhas pelos terri-
tórios ultramarinos em pagamento de exportações devem ser
directamente depositadas no Banco de Portugal em Lisboa,
que, por sua vez, creditará à respectiva colónia a quantia equi-
valente em moeda portuguesa. A fim de facultar a cada colónia
o pagamento das suas dividas interterritoriais, Portugal criou
o Fundo Monetário da Zona do Escudo:

   Na prossecução dos seus fins económicos, era pois neces-
sário: 1) integrar toda a economia da nação em conjunto com
a das colónias; 2) centralizar em Lisboa a maquinaria política
do império colonial; 3) cortar cerce todas as tendências
das possessões africanas para a independência, a ponto de
formar um exército que ultrapassava em muito as necessidades
de Portugal metropolitano.

   A fim de facilitar o controle da vida económica das colónias,
assim como por razões políticas, o Governo Português decidiu
unilateralmente alterar a Constituição em  1951, declarando
que Portugal era uma nação composta não só pela metrópole,
mas também pelos territórios ultramarinos. Anteriormente, já
o  regime salazarista tinha gradualmente reduzido, e final-
mente  eliminado, quaisquer contributos financeiros de Por-
tugal para desenvolvimento das colónias, insistindo em que
cada uma deveria pagar as suas próprias despesas com os seus
próprios recursos, de modo que: 1) os orçamentos dos terri-
tórios ultramarinos sejam equilibrados; 2) as receitas prove-
nham  dos recursos locais; 3) as despesas sejam completamente
liquidadas pelo orçamento do território.

   Além  disso, os territórios coloniais são obrigados a pagar
as despesas de manutenção  de várias instituições políticas,
económicas e educacionais em Portugal metropolitano, tais
como o Conselho Superior do Ultramar, a Agência-Geral do
Ultramar, o Instituto de Medicina Tropical e o Centro de
Estudos Ultramarinos. Em 1961, essas despesas extraterritoriais
custaram às três colónias africanas mais de 35 milhões de escudos.

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