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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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tencem a famílias católicas. O homem que primeiro comandou
o nosso  programa  de acção militar, o falecido Filipe Magaia,
tinha sido baptizado na Igreja Católica Romana, como o foi
Samora Machel, actual chefe do Exército de Libertação.
A  maioria dos nossos estudantes ausentes, que fugiram das
escolas portuguesas de Moçambique ou de Portugal, é católica.
Quando, em Maio de 1961, mais de cem estudantes universitários
das colónias portuguesas de África fugiram das universidades
portuguesas para Franca, Suíça e Alemanha Ocidental, mais de
oitenta de entre eles se declararam católicos ou vindos de  fa-
mílias católicas. Não há, portanto, provas que apoiem as
acusações portuguesas, que devem antes basear-se nas finali-
dades da Igreja, seus métodos e atitudes que pretende inculcar.
   A educação elementar que a Igreja dá aos africanos é de
conteúdo altamente religioso, com grande parte dos horários
preenchida por aprendizagem de conhecimentos religiosos.
Além  disto, o nível das matérias ensinadas -português, leitura,
escrita e aritmética- é muito baixo. Os cursos são orientados
para Portugal. A História e Geografia ensinadas são história
e geografia de Portugal. A África é somente aflorada em ligação
com o Império Português. Além disso, grande parte do tempo
é passada em trabalho manual, em prejuízo de matérias acadé-
micas. Embora os resultados deste trabalho beneficiem a missão,
não são aceites como compensação das propinas. Tudo isto é
ilustrado por este testemunho dum ex-aluno da missão de Im-
buho, Gabriel Maurício Nantimbo (província de Cabo Delgado):

   "Eu  estudei na missão, mas o ensino era mau. Primeiro,
só nos ensinavam o que queriam que nós aprendêssemos - o
catecismo; não queriam que ficássemos a saber outras coisas.
Todas as manhãs tínhamos que trabalhar nos campos da missão.
Diziam que os nossos pais não pagavam a nossa comida ou
o nosso material escolar. A missão também recebia dinheiro
do Governo, e as nossas famílias pagavam propinas. Depois
de 1958 os nossos pais até tinham que pagar as enxadas com
as quais cavávamos a terra da missão."

   No decorrer da educação, a Igreja naturalmente tenta
instilar nos alunos atitudes políticas e morais, e em relação
com isto é importante examinar o papel da Igreja para com o
Estado  Português. Em geral, a hierarquia católica portuguesa
apoia o programa do regime de Lisboa na metrópole e ultramar.
E o Vaticano pouco faz para alterar esta relação. Na realidade,
na sua visita a Portugal em 1967, o Papa fez uma dádiva, de
4 410 000$00 ao Governo Português, para "uso ultramarino",
e nomeou   o Cardeal de Lisboa Bispo das Forcas Armadas
Portuguesas, com o posto de brigadeiro. A atitude do Governo
para com a Igreja está claramente expressa numa declaração
feita em 28 de Agosto de 1967 pelo subsecretário da Administra-
ção Ultramarina: "Quando o Estado confia às missões católicas
parte do trabalho de educação, o Estado tem a certeza de que as
missões trabalharão para o bem comum na tarefa que lhes é
confiada. E quando a Igreja aceita esta tarefa, a Igreja também
fica certa de que o Estado escolheu o melhor caminho para
defender os interesses que é seu dever defender. Disto podemos
concluir que, no auspicioso trabalho que durante séculos têm
levado a efeito em África, as actividades da Igreja e do Estado
continuarão em perfeita harmonia, conduzidas pelos mesmos
ideais."
    Para muitos católicos portugueses, ser católico e ser por-
tuguês são uma e a mesma coisa. E não conhecemos caso algum,
durante os últimos quarenta anos, em  que a Igreja Católica
de Portugal se sentisse obrigada a protestar oficialmente contra
os muitos actos de selvajaria do Governo Português contra o
povo africano. Pelo contrário, os mais altos dignitários da
Igreja tenderam sempre a dar apoio à política e conduta do
Governo.  A única excepção a esta regra foi a posição dum
chefe da Igreja em Moçambique, o Bispo da Beira, D. Sebastião
Soares de Resende. Durante vários anos ele atreveu-se mesmo
a questionar o Governo pelo tratamento dado aos cultivadores
de algodão negros. Nas suas cartas pastorais mensais, publicadas
num periódico da Igreja, criticou frequentemente a forma como
o Governo punha em prática parte da sua política africana.
O Bispo Resende é um dos liberais portugueses que acreditam
na possibilidade de criar na África um novo Brasil, onde a
cultura portuguesa possa florescer mesmo depois da indepen-
dência. A impressão que se tem da sua posição, através dalgumas
das suas pastorais e dum jornal diário cuja direcção lhe é atribuí-
da, é de que ele só pode conceber um Moçambique indepen-
dente dentro duma comunidade de interesses portugueses, cul-
turais, religiosos e económicos. A sua intenção era liberalizar
a política, em lugar de a mudar radicalmente. Mas quando,
finalmente, algumas das suas opiniões começaram a aborrecer
o regime de Salazar, recebeu do Vaticano ordem para se abster
de as publicar. Subsequentemente, o Governo cortou alguns
dos privilégios de que anteriormente gozava, particularmente
tirando-lhe as responsabilidades de director da única escola
secundaria existente na Beira.
    A declaração mais clara, jamais feita por um dirigente da
Igreja Portuguesa, sobre a questão da autodeterminação e da
independência veio do Mons. Custódio Alvim Pereira, Bispo
Auxiliar de Lourcnço Marques. Se a sua posição é considerada
representativa da Igreja Católica Romana, então a Igreja é ine-
quivocamente contra a independência. Numa recente circular,
lida em todas as igrejas católicas e seminários de Moçambique,
o Bispo  definiu dez pontos cuja finalidade era convencer o
clero de que a independência  do povo africano era não só
um  erro, mas também contraria à vontade de Deus. A decla-
ração diz:

"1. A  independência não conta para o bem-estar do homem.
    Pode ser boa se existirem as condições adequadas (as
    condições culturais ainda não existem em Moçambique).

2.  Enquanto estas condições não forem criadas, tomar parte
   em  movimentos pró-independência é agir contra a natureza.

3. Mesmo se existissem estas condições, a Metrópole tem o
    direito de se opor à independência se as liberdades e os
    direitos do homem forem respeitados e se (a Metrópole)

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