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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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funcionários dos quadros do ensino: o director da Educação
de Moçambique  e o reitor do Liceu Salazar. Fiz-lhes perguntas
sobre os fortes obstáculos criados aos africanos e sobre os planos
do Governo  no sentido de expandir a educação africana para
corrigir essa situação. O director da Educação disse-me que nada
se podia fazer até que houvesse mais verbas para desenvolver
todo o sistema. O reitor do Liceu Salazar fugiu à minha primeira
pergunta sobre o número  de estudantes africanos nas escolas
secundárias em Lourenço Marques, dizendo simplesmente que
eram mais numerosos do que quando ele tinha tomado conta
do lugar. Em resposta a mais perguntas sobre o seu aprovei-
tamento, disse-me que os estudantes negros se aproximavam
dos brancos  em ciências físicas e matemáticas, mas que nas
artes, especialmente em língua e literatura portuguesas, eram
mais fracos. Também sugeriu que a pobreza da língua fosse
a razão dos seus insucessos noutras matérias de letras, porque,
embora  os examinadores não soubessem de que raça era o
estudante, podiam sempre dizer, pela insuficiência da gramática
portuguesa, quais eram os alunos africanos. Mais tarde, con-
versando com  um padre católico, perguntei de novo qual era
o número  de estudantes negros que frequentavam o Liceu de
Lourenço Marques. Ele começou por apontar com orgulho
que na África Portuguesa os estudantes não são identificados
pela raça, e daí passou a calcular que seriam uns vinte. Quando
viu o meu desapontamento, acrescentou rapidamente que havia
mais estudantes africanos na outra escola do Governo no alto da
cidade. Contudo, quando eu próprio visitei a escola, descobri que
a proporção era ainda grandemente a favor dos brancos: falando
com alguns estudantes africanos, compreendi que não haveria mais
do que quarenta estudantes africanos, num total de 800 alunos.

O  papel da Igreja em Moçambique

   Estando a educação do   Africano quase inteiramente nas
mãos da Igreja, vale a pena olhar mais de perto para a posição
geral da Igreja, suas actividades e atitudes.
   Enquanto  o Acto  Colonial proclama liberdade de cons-
ciência e liberdade de várias religiões, ao mesmo tempo e de
maneira contraditória providencia uma protecção especial e assis-
tência à Igreja Católica e ao seu programa missionário. Rene-
gando uma  atitude anterior, mantida durante as duas primeiras
décadas que se seguiram à implantação da República, o Governo
Português reconheceu  os direitos e as funções especiais da Igreja,
que  são "cristianizar e educar para nacionalizar e  civilizar as
populações nativas". Em Moçambique esta política é regida por
adequadas disposições constitucionais, começando pelo Acordo
Missionário de 1940 - que reproduziu em pormenor os prin-
cípios contidos na Concordata de 7 de Maio de 1940 entre
Portugal e a  Santa Sé - e o Estatuto Missionário  de 1941.
Por estes acordos, o Governo Português compromete-se a
subsidiar os programas  missionários da Igreja, limitando as
actividades dos missionários estrangeiros não católicos, e desa-
nimando o influxo de missionários católicos estrangeiros.
   Numa população moçambicana avaliada em 7 milhões, o
número  dos que se dizem católicos é de cerca de 800 000. Estes
são servidos por cerca de 100 missões e igrejas paroquiais,
guiados  por padres seculares e religiosos de várias ordens,
incluindo franciscanos, dominicanos, beneditinos, lazaristas e
padres da Congregação do Espírito Santo. Em 1959 havia em
Moçambique 240 padres e religiosos. E, destes, só três eram
africanos. Algumas das mais importantes actividades da Igreja
Católica eram a "fundação e direcção de escolas para crianças
europeias e africanas, escolas elementares, secundárias e pro-
fissionais e seminários... assim como enfermarias e hospitais".
Toda  a responsabilidade de educar o povo africano foi entregue
à Igreja Católica, apesar do facto de a esmagadora maioria dos
africanos não serem  cristãos. E a isto acresce o encargo  de
preparar aqueles africanos que pudessem tornar-se assimilados
à cultura portuguesa. Os Portugueses acreditam que há mais
probabilidade de um africano se tornar um português completo
se ele for católico. Esta convicção, tantas vezes expressa por
funcionários do Governo, é comprovada por uma declaração
feita em 1960 pelo Dr. Adriano Moreira, então subsecretário
da Administração Ultramarina. Embora afirmando que a leal-
dade política não dependia de qualificações cristãs, o Dr. Mo-
reira declarou que a actividade missionária católica estava inse-
paravelmente ligada ao patriotismo, e que a formação de quali-
dades cristãs levava à formação de qualidades portuguesas.
   Foi esta posição que levou à separação da educação das
crianças africanas da das europeias, separação tanto mais es-
tranha quanto é certo que em quaisquer outras partes do Mundo
a Igreja Católica insiste em educar os filhos dos seus membros.
Todavia, em Moçambique  os filhos dos Europeus, 95% dos
quais são católicos, são entregues a escolas seculares dirigidas
pelo Estado. A intenção desta política é obviamente doutrinar
os filhos dos nativos moçambicanos negros, assegurando assim
ao Governo uma população dócil e leal a Portugal.
   Esta atitude do  Governo Português está tão enraizada
que domina toda a política, mesmo em decisões como a entrada
de missionários cristãos estrangeiros, católicos ou protestantes,
no país. Desde o século XVII, os missionários estrangeiros eram
suspeitos de "desnacionalizarem os nativos" e de agirem como
guardas avançadas de governos estrangeiros. Quando estes mis-
sionários são protestantes, aumentam os medos e ressentimentos.
Consequentemente, durante muitos anos as missões protes-
tantes em Moçambique foram manietadas e muitas vezes obs-
truídas por uma poderosa combinação do clero católico por-
tuguês com a administração colonial. De vez em quando são
feitas declarações públicas, por altos funcionários do governo
colonial, atacando as missões protestantes, acusando-as de fo-
mentarem  sentimentos antiportugueses entre a população afri-
cana. De facto, recentemente, os missionários protestantes foram
atacados como responsáveis pelo crescimento do nacionalismo
tanto em Angola como em Moçambique.
   Na  realidade, a liderança dos movimentos nacionalistas
nos dois países é de religiões várias. Na nossa Frente de Liber-
tação de Moçambique, muitos dos membros do Comité Central,
que dirige todo o programa de luta, ou são católicos, ou per-

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