|
***************************************************************************************
|
***************************************************************************************
|
|
funcionários dos quadros do ensino: o director da Educação de Moçambique e o reitor do Liceu Salazar.
Fiz-lhes perguntas sobre os fortes obstáculos criados aos africanos e sobre os planos do Governo
no sentido de expandir a educação africana para corrigir essa situação. O director da Educação disse-me
que nada se podia fazer até que houvesse mais verbas para desenvolver todo o sistema. O reitor
do Liceu Salazar fugiu à minha primeira pergunta sobre o número de estudantes africanos nas escolas
secundárias em Lourenço Marques, dizendo simplesmente que eram mais numerosos do que quando ele tinha
tomado conta do lugar. Em resposta a mais perguntas sobre o seu aprovei- tamento, disse-me que
os estudantes negros se aproximavam dos brancos em ciências físicas e matemáticas, mas que nas artes,
especialmente em língua e literatura portuguesas, eram mais fracos. Também sugeriu que a pobreza da
língua fosse a razão dos seus insucessos noutras matérias de letras, porque, embora os examinadores
não soubessem de que raça era o estudante, podiam sempre dizer, pela insuficiência da gramática portuguesa,
quais eram os alunos africanos. Mais tarde, con- versando com um padre católico, perguntei de novo
qual era o número de estudantes negros que frequentavam o Liceu de Lourenço Marques. Ele começou
por apontar com orgulho que na África Portuguesa os estudantes não são identificados pela raça,
e daí passou a calcular que seriam uns vinte. Quando viu o meu desapontamento, acrescentou rapidamente
que havia mais estudantes africanos na outra escola do Governo no alto da cidade. Contudo, quando
eu próprio visitei a escola, descobri que a proporção era ainda grandemente a favor dos brancos: falando
com alguns estudantes africanos, compreendi que não haveria mais do que quarenta estudantes africanos,
num total de 800 alunos.
O papel da Igreja em Moçambique
Estando a educação do
Africano quase inteiramente nas mãos da Igreja, vale a pena olhar mais de perto para a posição geral
da Igreja, suas actividades e atitudes.
|
|
Enquanto o Acto Colonial proclama liberdade de cons- ciência e liberdade de várias religiões,
ao mesmo tempo e de maneira contraditória providencia uma protecção especial e assis- tência à
Igreja Católica e ao seu programa missionário. Rene- gando uma atitude anterior, mantida durante
as duas primeiras décadas que se seguiram à implantação da República, o Governo Português reconheceu
os direitos e as funções especiais da Igreja, que são "cristianizar e educar para nacionalizar e
civilizar as populações nativas". Em Moçambique esta política é regida por adequadas disposições
constitucionais, começando pelo Acordo Missionário de 1940 - que reproduziu em pormenor os prin- cípios
contidos na Concordata de 7 de Maio de 1940 entre Portugal e a Santa Sé - e o Estatuto Missionário
de 1941. Por estes acordos, o Governo Português compromete-se a subsidiar os programas missionários
da Igreja, limitando as actividades dos missionários estrangeiros não católicos, e desa- nimando
o influxo de missionários católicos estrangeiros. Numa população moçambicana avaliada em 7 milhões,
o número dos que se dizem católicos é de cerca de 800 000. Estes são servidos por cerca de 100
missões e igrejas paroquiais, guiados por padres seculares e religiosos de várias ordens, incluindo
franciscanos, dominicanos, beneditinos, lazaristas e padres da Congregação do Espírito Santo. Em 1959
havia em Moçambique 240 padres e religiosos. E, destes, só três eram africanos. Algumas das mais
importantes actividades da Igreja Católica eram a "fundação e direcção de escolas para crianças europeias
e africanas, escolas elementares, secundárias e pro- fissionais e seminários... assim como enfermarias
e hospitais". Toda a responsabilidade de educar o povo africano foi entregue à Igreja Católica,
apesar do facto de a esmagadora maioria dos africanos não serem cristãos. E a isto acresce o encargo
de preparar aqueles africanos que pudessem tornar-se assimilados à cultura portuguesa. Os Portugueses
acreditam que há mais probabilidade de um africano se tornar um português completo se ele for católico.
Esta convicção, tantas vezes expressa por funcionários do Governo, é comprovada por uma declaração
|
|
feita em 1960 pelo Dr. Adriano Moreira, então subsecretário da Administração Ultramarina. Embora afirmando
que a leal- dade política não dependia de qualificações cristãs, o Dr. Mo- reira declarou que a
actividade missionária católica estava inse- paravelmente ligada ao patriotismo, e que a formação
de quali- dades cristãs levava à formação de qualidades portuguesas. Foi esta posição que levou
à separação da educação das crianças africanas da das europeias, separação tanto mais es- tranha
quanto é certo que em quaisquer outras partes do Mundo a Igreja Católica insiste em educar os filhos
dos seus membros. Todavia, em Moçambique os filhos dos Europeus, 95% dos quais são católicos,
são entregues a escolas seculares dirigidas pelo Estado. A intenção desta política é obviamente doutrinar
os filhos dos nativos moçambicanos negros, assegurando assim ao Governo uma população dócil e leal
a Portugal. Esta atitude do Governo Português está tão enraizada que domina toda a política,
mesmo em decisões como a entrada de missionários cristãos estrangeiros, católicos ou protestantes,
no país. Desde o século XVII, os missionários estrangeiros eram suspeitos de "desnacionalizarem os
nativos" e de agirem como guardas avançadas de governos estrangeiros. Quando estes mis- sionários
são protestantes, aumentam os medos e ressentimentos. Consequentemente, durante muitos anos as missões
protes- tantes em Moçambique foram manietadas e muitas vezes obs- truídas por uma poderosa combinação
do clero católico por- tuguês com a administração colonial. De vez em quando são feitas declarações
públicas, por altos funcionários do governo colonial, atacando as missões protestantes, acusando-as
de fo- mentarem sentimentos antiportugueses entre a população afri- cana. De facto, recentemente,
os missionários protestantes foram atacados como responsáveis pelo crescimento do nacionalismo tanto
em Angola como em Moçambique. Na realidade, a liderança dos movimentos nacionalistas nos dois
países é de religiões várias. Na nossa Frente de Liber- tação de Moçambique, muitos dos membros do
Comité Central, que dirige todo o programa de luta, ou são católicos, ou per-
|
|
|
***************************************************************************************
|
|
|
|