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Educação e submissão
As escolas são necessárias,
sim, mas escolas onde ensinemos ao nativo o caminho
da dignidade humana e a grandeza da nação que o protege*
Carta pastoral do Cardeal Cerejeira, Patriarca de Lisboa, 1960.
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Tem sido costume entre os Europeus e os Americanos conceber todo o pensamento humano como
proveniente do espirito ocidental. Em particular à África nunca foi atribuída qualquer contribuição
para o desenvolvimento humano; sempre foi olhada como um mundo fechado e completamente atrasado, trazido
para a corrente do desenvolvimento em resultado da inva- são europeia. Estudos mais recentes têm provado
que estas afir- mações resultam da introversão e etnocentrismo do pensamento ocidental. A obra
de Leakey apontou para a África central e oriental como possível berço da sociedade humana na sua
forma mais primitiva**. Em tempos muito mais recentes, há cinco ou seis mil anos, foi no vale do
Nilo que se desenvolveu pela primeira vez aquilo que se convencionou chamar sociedade "civilizada".
Eaquanto os Europeus ainda viviam em sociedades tribais primitivas, isolados na cintura das florestas
nórdicas, os Africanos do Norte estavam aprendendo a dominar o meio ambiente, desenvolvendo a tecnologia
e constituindo uma socie- dade estável e complexa. Já utilizavam a matemática para medir
* O sublinhado é meu. ** Adam's Ancestors, Methuen, 1934.
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a terra, calcular o movimento dos astros e desenhar grandes e complicados edifícios; inventaram algumas
das primeiras técnicas de extracção de minério, fundição e forja do ferro; deram alguns dos primeiros
passos na ciência médica. Foi esta sociedade que absorveu os primitivos invasores muçulmanos, e
por meio duma fusão cultural criou a aperfeiçoada cultura islâmica na África, a partir da qual a
Europa ganhou muitas das ideias científicas que tornaram possível a Renascença. E não só as regiões
de influência islâmica se podiam gabar duma cultura material avançada. Sabe-se hoje que algumas cidades
da África ocidental e do Congo foram construídas antes da adopção do Islão. E se nos últimos cinco
ou seis séculos a África deixou de estar na vanguarda do desenvolvimento, nem por isso foi um
"continente fechado". Há vestígios de consideráveis trocas culturais entre as várias zonas de África,
e entre a África e o Médio Oriente e a índia. Enquanto os arqueólogos e historiadores mostraram
a falsidade histórica da tese do "Continente Negro", os soció- logos atacaram outros aspectos da
mesma. Os Europeus su- punham que, porque a África estava atrasada no tempo em que a invadiram,
os Africanos não tinham cultura alguma, nem moralidade, nem instrução. Hoje, já se compreendeu que
havia várias culturas em África, algumas mais complexas do que outras, mas apresentando todas elas
aspectos morais e métodos educacionais, mediante os quais as crianças podiam absorver a cultura
e tornar-se membros bem adaptados à socie- dade onde tinham nascido. Tudo isto está já suficientemente
reconhecido na maioria dos países da Europa e da América, e não há necessidade de insistir mais
neste ponto e aqui. Mas, fora dum reduzido círculo de peritos, o reconhecimento destes factos é
em grande parte o resultado do período pós-colonial. Convém evidente- mente a um governo colonial
a noção de que a cultura do colonizado ou não existe ou não tem qualquer valor - demasiado
conveniente para permitir a simples cientistas corrigirem-na.
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Os colonialistas em geral desprezaram e ignoraram a cultura e educação africanas tradicionais.
Assaltaram-nas, ins- tituindo uma versão do seu próprio sistema de educação, totalmente fora
do contexto, que viria a desenraizar o Africano do seu passado e a forçá-lo a adaptar-se à sociedade
colonial. Era necessário que o próprio Africano adquirisse desprezo pêlos seus próprios antecedentes.
Nos territórios portugueses a educação do africano teve duas finalidades: formar um ele- mento
da população que agiria como intermediário entre o estado colonial e as massas; e inculcar uma atitude
de servi- lismo no africano educado. Estes dois fins estão claramente expostos numa carta pastoral
do Cardeal Cerejeira, em 1960:
"Tentamos atingir a população nativa em extensão e profun-
didade para os ensinar a ler, escrever e contar, não para os fazer 'doutores*. [...] Educá-los e instruí-los
de modo a fazer deles prisioneiros da terra e protegê-los da atracção das cidades, o caminho que
os missionários católicos escolheram com devoção e coragem, o caminho do bom senso e da segurança
política e social para a província. [...] As escolas são necessárias, sim, mas escolas onde ensinemos
ao nativo o caminho da dignidade humana e a grandeza da nação que o protege."
Em todos
os níveis, as escolas para africanos são primeiro que tudo agências de expansão da língua e da cultura
portu- guesas. Em geral, o ideal português tem sido procurar que uma instrução controlada vá criando
um povo africano que fale só português, que abrace só a Cristandade e seja tão inten- samente nacionalista
português como os próprios portugueses da metrópole." Se todos os africanos de Angola, Moçambique
e Guiné-Bissau se tornassem naturais portugueses, sonharam os Portugueses, não haveria ameaça de nacionalismo
africano. Mas em 1950 só 30089 africanos* em Angola e 4554 em Mo- çambique tinham atingido o estado
de assimilação à cultura portuguesa legalmente reconhecido.
* Este número inclui familiares
de africanos e mulatos.
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