A ARTE RUPESTRE - OS AMURALHADOS
em MOÇAMBIQUE




A ARTE RUPESTRE



Pinturas rupestres, situadas no sopé do Monte Malembué na área do posto de Muembe, do Distrito do Niassa



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Como convinha à solenidade do acto, o guia esclarece a assistência do significado da cerimónia que vai realizar em honra do Chefe Macuane, perto do túmulo do qual se encontra. A  assistência escuta-o, atentamente. Assim, foi esta uma das mais interessantes cenas que precederam a última fase do percurso feito pela caravana para as pinturas rupestres de Malembué.




Dia de Sol.
A caravana inicia a sua viagem às seis horas da manhã.
Somos treze pessoas: o Chefe de Posto de Muembe, minha filha, eu, e mais dez nativos.
Connosco vão dois Land-rovers, três máquinas fotográficas, uma velha Enfield com algumas balas.
O guia faz-nos percorrer os primeiros sete quilómetros pela estrada que liga Vila Cabral, ponto de partida, a Valadim, que é sede do Posto do mesmo nome, situada a Nordeste de Muembe, mediando entre as duas povoações cerca de cento e setenta quilómetros.
Deixada a estrada, tomámos a Picada de Chicuicui.
Tanto a estrada como a picada oferecem condições regulares para o andamento das viaturas, através da floresta, mas aqui e ali aberta ao Sol.
Há troços da picada acabados de reparar, bem como novos pontões sobre ribeiros, agora secos neste Agosto tropical africano.
Breve, porém, a picada se reduz a simples "caminho de cabras". O capim, demasiado grande, apenas nos deixa visível uma nesga de terreno, por onde dificilmente passam as viaturas. Estamos agora na Picada de Machemba, que percorremos numa extensão de mais de treze quilómetros, em andamento inferior a dez por hora, e, mesmo assim, sempre com emprego dos redutores dos carros.
Deixamos estes, e, seguindo a pé, em percurso de corta-mato, fazemos mais três quilómetros para, finalmente, atingirmos o local das pinturas, não sem que antes, devido à natureza do terreno, o guia tivesse de saltar da viatura para se colocar à frente da caravana e assim melhor poder orientá-la, na direcção conveniente.
Percorremos portanto: 7+20+13+3 = 43 quilómetros, desde Vila Cabral, necessitando para o fazer de três horas e meia, sem contar com uma curta paragem de cerca de um quarto de hora, que serviu a uma infortuíta caçada aos javalis, que, curiosamente, nos
vieram espreitar ao caminho.
Para uma melhor identificação do trajecto, julgamos vantajoso assinalar as aldeias encontradas pelo caminho. A primeira foi a de Chimange, no início da Picada de Chicuicui. Depois, a de Liungo, a três quilómetros daquela; a de Cuitelele ou Cuidelele e a de Chicuicui, respectivamente a quinze e dezoito quilómetros da referida picada, sendo entre elas, esta última, a maior e mais importante.
Durante o percurso, através da Picada de Machemba, a Leste e próximo dela, vimos o Monte de Chicongué, e, mais adiante, a Oeste, o de Malembué, términos da nossa pequena expedição.
Assinalámos também o Monte Chiunga Macala, verdadeira "ilha" em rocha, que se destaca do terreno, debruçada sobre um extenso e belo vale e já situada próximo do Monte Malembué, à esquerda deste.
Neste percurso final, feito a corta-mato, e a cerca de um quilómetro de Malembué, assistimos a uma cerimón
ia ritual, promovida e dirigida pelo nosso guia, que nos parece de interesse relatar.
Numa clareira da floresta deparámos com uma pequena, quase desapercebida elevação de terreno, que soubemos corresponder ao túmulo de um tal chefe, de nome Macuane, ali enterrado. Junto de tão modesto sarcófago, existe um morro de muchém.
O guia informou-nos ser parente do morto e ter de lhe fazer uma reza para solicitar a sua protecção para o final de viagem, que íamos empreender, até às pinturas, bem como do regresso destas às viaturas, deixadas sobre uma plataforma de rocha, a fim de evitar o perigo de alguma queimada que pudesse entretanto surgir.
Nos termos da referida reza ficaria expresso que nenhum leão ou cobra nos perseguiria ou nos molestaria.
O terreno à roda do túmulo foi cuidadosamente varrido.
O guia explicou aos componentes da caravana o significado da cerimónia que ia celebrar. A cerimónia constou da tal reza, seguida de gestos de dança. O nosso cicerone, após a danç
a, deitou-se no solo, rebolando-se para um e outro lado.
No fim do cerimonial todos tivemos que contribuir com um óbulo, pois de outro modo não alcançaríamos a protecção do Chefe Macuane. Não conseguimos apurar qual o destino do dinheiro. Certamente redundou em exclusivo benefício do guia.

A "Ilha" Malembué é um enorme bloco de rocha, dirigido segundo a direcção Leste--Oeste, com cerca de quinhentos metros de comprimento e cem de altura. A base é elíptica e o corpo em forma de tronco de cone.
Na parte voltada para o Norte, abre-se um cavado de algumas dezenas de metros de comprimento e outros tantos de altura, na superfície do qual se situam as pinturas rupestres.
Do lado Sul, todo o maciço rochoso olha para um extenso e profundo vale.
O acesso superior à "Ilha" pode fazer-se pelo lado
Leste. Muito acima do vasto painel das pinturas, existem grutas, que, vistas do solo, se assemelham a grandes janelas, nas quais, segundo afirmam, os Ajauas se recolheram para, dali, fazerem rolar calhaus enormes com que feriam e matavam os seus inimigos, os Angonis.

A palavra Malembué, etimològicamente deriva do prefixo MA que significa muitos, e de LEMBUÉ que quer dizer escritos.
O painel em referência tem cerca de vinte metros de comprimento por três de altura. Situa-se na cavidade natural da "Ilha" e é naturalmente protegido dos raios de Sol e da chuva. A cavidade oferece uma inclinação para dentro, em direcção à base, que torna mais eficaz a protecção.
Num primeiro exame resulta a verificação da existência de
figuras de homens e de animais, pintados a branco, entre traços verticais e oblíquos da cor de ocre, a par de numerosas manchas, mais ou menos extensas, desta mesma cor. A observação meticulosa feita ao painel, começando do Oeste para Leste, revela (Fig. 4) uma série de traços verticais da cor de ocre e uma imagem branca, que se mencionará frequentemente nesta descrição, e que parece ser o tema de inspiração dominante. Trata-se, certamente, de uma imagem simbólica. Mostra-se formada, superiormente, por duas espécies de asas, e, inferiormente, por uma cauda bi-partida. Deixamos a sua interpretação a quem de direito. No canto esquerdo da Fig. 4 distingue-se, entre o traçado geométrico de linhas verticais e oblíquas, um círculo dividido em quatro partes, por quatro traços paralelos e perpendiculares dois a dois.


O exame das imagens, que a seguir apresentamos, permite verificar uma conveniente repetição, não só nas ampliações, mas também das suas posições relativas.
Consideramos neste exame quatro imagens fundamentais, identificadas pelas Figs. 7, 9, 11 e 13.
Da observação da Fig. 7 localizamos, no seu canto superior direito, uma espécie de sáurio, que vemos ampliado e completo no canto esquerdo da Fig. 6, com a língua ramificada, em movimentos, que bem podem dizer-se contorcionistas. Igualmente o mesmo sáurio se vê ao centro da Fig. 5.
Da observação da Fig. 9, podemos identificar também o conteúdo das Figs. 8 e 10. Assim, a ave de grande bico e a raposa, situadas no canto superior direito da Fig. 9, bem como o arco com flecha que se vê à esquerda da ave, estão ampliados nas Figs. 8 e 10.
Da observação da Fig. 11, vemos a ampliação de duas raposas na Fig. 12.
Do exame da Fig.  13, verificamos que a Fig.  15 representa a sua ampliação.
Examinemos, ainda, o conteúdo de algumas imagens.
Na Fig. 5 vemos, entre três "símbolos alados" e inferiormente, entre uma profusão de traços geométricos, um homem de braços abertos e também vários animais, que parecem ser leões. Na mesma Fig. 5 há o referido sáurio e ainda mais leões, juntamente com outros animais, que podem muito bem ser girafas, as quais se distinguem melhor na Fig. 6. Da Fig. 7, considerada uma das principais, ressalta um precioso conteúdo, cujo pormenor é notável. As suas principais imagens são uma ave de grande pescoço e bico e um arco de flecha já mencionados, que se repetem nas Figs. 8, 9 e 10.
Na Fig. 11 há um conteúdo de numerosas imagens, entre as quais ao centro se julga reconhecer um elefante, várias raposas, dois homens, "alguns símbolos alados" e numerosos traços geométricos.
As Figs. 13, 14 e 15 mostram imagens de significação já suficientemente interpretada no exame das anteriores.

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Fig. 1


Aspecto geral do Painel de  Malembuê. Verificar a boa escolha do local como tela grandiosa das pinturas, muitas das quais se podem distinguir e avaliar nas suas dimensões, confrontando-as com a da figura humana, situada a  meio da fotografia. O local é protegido da acção directa dos raios solares, mas iluminado naturalmente.

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A presença espiritual do Homem nunca amesquinhou o cenário da Natureza.



Os acidentes orográficos são numerosos nas proximidades dos macissos  rochosos, onde se encontram as pinturas rupestres. Perspectivas grandiosas servem de cenário: são condigna moldura dos painéis de arte primitiva dos nativos.

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Fig. 2
Fig. 3
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O  terreno à  volta do túmulo do Chefe Macuane foi varrido, antes da cerimónia levada a efeito pelo guia e assistida por todos os componentes da caravana. O guia, depois de alguns gestos de dança, acabou por se deitar no solo, para dar sucessivas voltas com o corpo para um e outro lado.

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Fig. 4
Fig. 5
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Fig. 6
Fig. 7
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Fig. 8
Fig. 9
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O exame directo das pinturas rupestres moçambicanas, aqui representadas por numerosas fotografias, permitiu a recolha de elementos respeitantes à sua situação, estado actual de conservação, dimensões, cor e natureza. A sua descrição feita no próprio lugar, se bem que incompleta, traz informações que podem constituir contribuição útil para o seu estudo etnográfico.

As fotografias das pinturas de Malembué, colhidas localmente e representadas nas figuras de 1 a 15, poderão servir ao cientista, que não possa fazer uma observação directamente do painel de Malembué, de documentos fidedignos da sua representação e estado actual.

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Fig. 10
Fig. 11
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Fig. 12
Fig. 13
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Raposas e símbolos alados do Painel Rupestre de Malembué.

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Fig. 14
Fig. 15
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NOTA:
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