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2 __________________ Estrutura social -Mito e facto
Creio que o grande
sucesso das relações entre os Portugueses e as populações de outros continentes é a consequência
duma forma sui generis de etnocentrísmo. De facto, os "Portugueses não necessitam
de se afirmar pela negação... afirmam-se pelo amor. Está nisto o segredo da
harmonia que prevalece em todos os territórios ocupados por Portugal
JORGE DIAS (etnógrafo português)
O nosso povo sofreu muito. Meus pais, eu própria,
fomos explorados. Meu tio foi assassinado
TERESINHA
MBLALE (camponesa moçambicana)
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A maior parte dos regimes imperialistas tentaram pintar as suas actividades em termos morais favoráveis
para consumo da opinião pública. Atribuem várias virtudes ao seu sistema particular de colonialismo,
para o diferenciar dos nefastos processos praticados pelos seus rivais. A principal proclamação
de Portugal é que os seus métodos não contêm elementos de racismo. Em apoio desta afirmação são
citadas directivas régias dos séculos XVI e XVII. Por exemplo, esta ordem régia de 1763 declarava:
"Foi meu beneplácito, por meio de uma ordem datada de 2 de Abril de mil setecentos e sessenta e um,
fazer reviver as piedosas leis e louváveis costumes que foram estabelecidos naquele Estado pela qual
todos os meus vassalos ali nascidos, tendo sido baptizados cristãos e não tendo outro impedimento
legal, devem gozar das mesmas honras, preemi- nências, prerrogativas e privilégios que os nacionais
deste reino."
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Recentemente, o interesse crescente pelos assuntos afri- canos tem levado muitos africanistas,
jornalistas e humanistas a apontar a falsidade destas afirmações. Também, com a acei- tação geral
dos princípios de autodeterminação, Portugal tem estado sujeito a consideráveis críticas internacionais
pela sua política colonial. A resposta portuguesa foi principalmente reafirmar esta imagem dos
Portugueses não racistas e "cegos à cor", com o fim de argumentar que, como cidadãos de um Portugal
maior, os habitantes das colónias portuguesas não têm necessidade de independência. Há alguns anos,
o Dr. An- tónio de Oliveira Salazar, então primeiro-ministro de Portugal, declarou: "Estes contactos
[nos territórios ultramarinos] nunca incluíram a mais leve ideia de superioridade ou discriminação
radal.[...] Creio que posso dizer que a característica distintiva da África Portuguesa -apesar dos
esforços concertados, feitos em muitos sectores, para a atacarem por palavras e actos- é a primazia
que sempre demos e continuaremos a dar ao enalte- timento do valor e dignidade do homem, sem distinção
de cor ou credo, à luz da civilização que levámos às populações que estavam, em todos os sentidos,
longe de nós." Gilberto Freire, conhecido historiador brasileiro, tem desenvolvido uma
complicada teoria de luso-tropicalismo, para explicar esta "característica distintiva". Segundo
este histo- riador, os povos de origem lusitana (portuguesa) estavam espe- cialmente bem preparados,
pela sua tradição católica romana e pelo seu prolongado contacto com povos de várias culturas e
raças, para conviver pacificamente com povos de várias origens étnicas e religiosas. Eles eram, por
assim dizer, predes- tinados para conduzir o Mundo para a harmonia racial e para construir um vasto
império composto de povos de várias cores, religiões e grupos linguísticos. Desenvolveu também este
ponto até à teoria mística da essência do carácter português: "O sucesso português nos trópicos é
grandemente devido ao facto de que [...] a sua expansão nos trópicos tem sido menos etnocêntrica,
menos a dum povo cujas actividades estejam centradas na sua raça e num sistema de cultura abertamente
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étnico, do que cristocêntrica, isto é, dum povo que se consi- dera mais cristão do que europeu."
Todavia, mesmo ao nível da teoria, os Portugueses nunca foram tão firmes neste ponto como pretende
a linha oficial. Nos anos noventa, administradores como António Enes, Mou- zinho de Albuquerque
e Eduardo da Costa fizeram poucos esforços para esconder a base de desigualdade e racismo das suas
opiniões em matéria colonial. Enes admitiu abertamente: "É verdade que a alma generosa de Wilberforce
não entrou no meu corpo, mas não creio ter em mim sangue de negreiro; sinto mesmo uma ternura
interior pelo negro, essa criança grande, instintivamente mau como todas as crianças - que me perdoem
todas as mães -, embora dócil e sincero. Não o considero coisa a exterminar a favor da expansão
da raça branca, embora acredite na inferioridade natural*.)) Enes era também firme adepto
do autoritarismo e do trabalho forçado: "O Estado, não só como soberano de populações semibárbaras,
mas também como depositário da autoridade social, não deve ter o menor escrúpulo em obrigar
e se necessário fôr forçar esses rudes negros da África, esses ignorantes párias,, esses semi-idiotas
selvagens da Oceânia, a trabalhar..." Mesmo as afirmações citadas pelos Portugueses como provas
do seu não racismo, quando examinadas com atenção, mostram sinais das atitudes abertamente expressas
por Enes e pelos seus contemporâneos. Na ordem régia atrás mencionada, a frase "tendo sido baptizados
cristãos" é crucial; a questão da igualdade só podia ser considerada no caso dos "nativos" que
tivessem feito todos os esforços para adquirir os hábitos portugueses. Todas as referências aos Africanos
no contexto da sua própria sociedade estão cheias de escárnio ou pelo menos de piedade: "a natural
simplicidade do povo deste con- tinente". Acentua-se sempre que os Portugueses são natural- mente
superiores aos povos que conquistaram, e estes só podem ter algum direito de igualdade se se tomarem
"portu-
* Os itálicos são meus.
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