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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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 Estrutura social -Mito e facto


       Creio que  o grande  sucesso das relações entre os Portugueses
          e as populações de outros continentes é a consequência
            duma forma  sui generis de etnocentrísmo.
         De facto, os  "Portugueses não necessitam de se afirmar
                pela negação... afirmam-se pelo amor.
 Está nisto o segredo da harmonia  que prevalece em  todos os
territórios ocupados por Portugal


                JORGE  DIAS  (etnógrafo português)

 O  nosso povo sofreu muito. Meus pais, eu própria, fomos explorados.
                         Meu   tio foi assassinado


          TERESINHA  MBLALE   (camponesa moçambicana)
A  maior  parte dos regimes  imperialistas tentaram pintar as
suas actividades em termos morais favoráveis para consumo
da opinião pública. Atribuem  várias virtudes ao seu sistema
particular de  colonialismo, para  o diferenciar dos  nefastos
processos praticados pelos seus rivais. A principal proclamação
de Portugal é que os seus métodos não contêm elementos de
racismo.  Em   apoio desta  afirmação  são citadas directivas
régias dos séculos XVI e XVII. Por exemplo, esta ordem régia
de 1763 declarava: "Foi meu beneplácito, por meio de uma
ordem  datada de 2 de Abril de mil setecentos e sessenta e um,
fazer reviver as piedosas leis e louváveis costumes que foram
estabelecidos naquele Estado pela qual todos os meus vassalos
ali nascidos, tendo sido baptizados cristãos e não tendo outro
impedimento legal, devem gozar das mesmas honras, preemi-
nências, prerrogativas  e privilégios que  os  nacionais deste
reino."
    Recentemente,  o interesse crescente pelos assuntos afri-
canos tem levado muitos  africanistas, jornalistas e humanistas
a apontar a falsidade destas afirmações. Também, com a acei-
tação geral dos princípios de autodeterminação, Portugal tem
estado  sujeito a consideráveis críticas internacionais pela sua
política colonial. A resposta portuguesa  foi principalmente
reafirmar esta imagem dos Portugueses não racistas e "cegos
à cor", com o fim de argumentar que, como cidadãos de um
Portugal maior,  os habitantes das colónias portuguesas não
têm necessidade de independência. Há alguns anos, o Dr. An-
tónio de Oliveira Salazar, então primeiro-ministro de Portugal,
declarou: "Estes contactos [nos territórios ultramarinos] nunca
incluíram a mais leve ideia de superioridade ou discriminação
radal.[...] Creio que posso dizer que  a característica distintiva
da África Portuguesa -apesar  dos esforços concertados, feitos
em muitos sectores, para a atacarem por palavras e actos- é a
primazia que sempre demos e continuaremos a dar ao enalte-
timento do valor e dignidade do homem, sem distinção de cor
ou credo, à luz da civilização que levámos às populações que
estavam, em todos os sentidos, longe de nós."
    Gilberto Freire,  conhecido  historiador  brasileiro, tem
desenvolvido uma  complicada teoria de  luso-tropicalismo,
para explicar esta "característica distintiva". Segundo este histo-
riador, os povos de origem lusitana (portuguesa) estavam espe-
cialmente bem preparados, pela sua tradição católica romana
e pelo seu prolongado contacto com povos de várias culturas
e raças, para conviver pacificamente com povos de várias
origens étnicas e religiosas. Eles eram, por assim dizer, predes-
tinados para conduzir o Mundo para a harmonia racial e para
construir um vasto império composto de povos de várias
cores, religiões e grupos linguísticos. Desenvolveu também
este ponto até à teoria mística da essência do carácter português:
"O  sucesso português nos trópicos é grandemente devido ao
facto de que [...] a sua expansão nos trópicos tem sido menos
etnocêntrica, menos a dum  povo cujas actividades estejam
centradas na sua raça e num sistema de cultura abertamente
étnico, do que cristocêntrica, isto é, dum povo que se consi-
dera mais cristão do que europeu."
    Todavia, mesmo ao nível da teoria, os Portugueses nunca
foram tão firmes neste ponto como pretende a linha oficial.
Nos anos noventa, administradores como António Enes, Mou-
zinho de Albuquerque  e Eduardo da Costa fizeram poucos
esforços para esconder a base de desigualdade e racismo das
suas opiniões em matéria colonial. Enes admitiu abertamente:
"É verdade que a alma generosa de Wilberforce não entrou
no meu corpo, mas não creio ter em mim sangue de negreiro;
sinto mesmo  uma  ternura interior pelo negro, essa criança
grande, instintivamente mau como todas as crianças - que
me perdoem todas as mães -, embora dócil e sincero. Não o
considero coisa a exterminar a  favor da expansão   da  raça
branca, embora acredite na inferioridade natural*.)) Enes era também
 firme adepto do autoritarismo e do trabalho forçado: "O Estado,
 não só como soberano de populações semibárbaras, mas também
 como depositário da autoridade social, não deve ter o menor
 escrúpulo em  obrigar e se necessário fôr forçar esses rudes
 negros da  África, esses ignorantes párias,, esses semi-idiotas
 selvagens da Oceânia, a trabalhar..."
    Mesmo  as afirmações citadas pelos Portugueses como
provas do seu não racismo, quando examinadas com atenção,
mostram  sinais das atitudes abertamente expressas por Enes
e pelos seus contemporâneos. Na ordem régia atrás mencionada,
a frase "tendo sido baptizados cristãos" é crucial; a questão da
igualdade só  podia ser considerada no caso  dos "nativos"
que tivessem feito todos os esforços para adquirir os hábitos
portugueses. Todas  as referências aos Africanos no contexto
da sua própria sociedade estão cheias de  escárnio ou pelo
menos de piedade: "a natural simplicidade do povo deste con-
tinente". Acentua-se sempre que os Portugueses são natural-
mente superiores aos povos que  conquistaram, e estes só
podem  ter algum direito de igualdade se se tomarem "portu-

     * Os itálicos são meus.

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