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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE


1968


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a cabo  vastas expropriações, transformando a terra principal-
mente  em plantações e grandes quintas para culturas lucrativas,
como  o açúcar, o sisal e o algodão. O colonato era uma outra
forma   da alienação da terra. Os funcionários públicos eram
incitados a ficar na província, e faziam-se esforços no sentido
de importar colonos directamente de Portugal. Para realização
destes esquemas tirou-se mais terra aos proprietários africanos.
Iniciou-se em 1901 uma política de solos, em que toda a pro-
priedade não  privada passava a ser propriedade do Estado.
Assim, visto que as várias formas de domínio da terra pelos
Africanos não eram consideradas como propriedade privada,
isto significou virtualmente que toda a terra possuída e culti-
vada pelos Africanos passou a ser controlada pelo Governo.
   Teoricamente, o Governo tinha separado grandes extensões
de terreno para uso exclusivo dos Africanos, aparentemente
para salvaguardar a propriedade tradicional. Na prática, todavia,
esta norma era esquecida cada vez que uma companhia ou indi-
vidualidade necessitavam de terra. No princípio do século XX,
o Governo  não conseguiu atrair muitos colonos portugueses,
tendo os pedidos de terra partido sobretudo das companhias
e dos  proprietários de plantações. Portanto, nesse tempo,
poucas terras foram de facto alienadas em favor de colonos;
mas  a política de colonato ficou estabelecida, de modo que
desde então, quando surgiam pedidos de concessão, podiam
ser tomadas grandes extensões de terra para este fim.
   Durante esta primeira fase de desenvolvimento da colónia,
a agricultura e a procura de minério deram relativamente poucos
lucros. Mas havia um recurso que podia ser explorado com
lucro: a mão-de-obra. Foi na mão-de-obra que todos os outros
empreendimentos se fundamentaram; a exploração da mão-de-
-obra era essencial para o desenvolvimento geral da colónia.
   No  período pré-colonial, o tráfico de escravos tinha sido
a grande fonte de riqueza de Moçambique, e os prazos tinham-se
baseado no negócio de escravos. Assim, não é para admirar
que o sistema de escravatura tenha sido a base do desenvol-
vimento colonial inicial.
    Embora  nos  preocupemos  principalmente com a utili-
zação de mão-de-obra  escrava no território de Moçambique,
há alguns aspectos do tráfico de escravos que são importantes.
O  primeiro é o facto de ser relativamente recente. Em Moçam-
bique o negócio atingiu o seu máximo, e a sua fase final, mais
tarde do que na maior parte dos territórios africanos. A grande
distância a que ficavam os mercados americanos explica a len-
tidão de desenvolvimento inicial, enquanto que a procura por
parte das ilhas francesas produtoras de açúcar conduziu a uma
subida vertical nos meados  do século XIX. O  segundo  é a
história da abolição da escravatura, que  assenta as suas bases
no próprio desenvolvimento interno da colónia. Os primeiros
movimentos   antiesclavagistas vieram, não dos Portugueses,
mas  dos Ingleses, que estavam então a tentar estender os seus
interesses, e possivelmente o seu território, dentro das áreas de
domínio português. O resultado foi uma tendência das autorida-
des de Moçambique para não tomarem a sério a abolição e para
ignorarem ou colaborarem com os esforços dos colonos e trafi-
cantes de escravos na continuação do mesmo tráfico, em desafio
à legislação emitida pelo longínquo governo metropolitano.
Além  disso, foram deixados "buracos" legislativos que permi-
tiram as mesmas práticas com nomes diferentes. Em 1836 saiu
um  decreto a proibir o tráfico de escravos; todavia o negócio
continuou florescente como dantes, apenas com a diferença
de que os escravos eram designados por "mão-de-obra emigrada
livre", quando fosse necessário. Em 1854  o estatuto de liberto,
ou homem   livre, foi criado, supõe-se que para definir o estádio
de transição entre escravo e homem  livre; mas de facto isto
apenas  servia para sancionar oficialmente a prática de não
chamar escravo ao escravo. Pois o liberto continuava vinculado
por um  período de sete anos e estava sujeito a numerosas res-
trições não muito diferentes das da escravatura. E em 1866,
por exemplo, os comissários britânicos da Cidade do Cabo
relatavam: "Em Ibo, Ponta Pagane, Materno, Lumbo, Quis-
sanga e  Quirima foram  vistos entre 5000 e 6000 escravos
prontos para o embarque [...] no colonato da Baía de Pemba,
a Comissão do Cabo tem informação de que não há ali comér-
cio algum, excepto o de escravos*."
   Surgiram situações similares quando o Governo começou
a abolir a escravatura em Moçambique.  Seguiram-se ataques
ao  sistema, logo após as primeiras acções antiesdavagistas.
Em   1869, um  decreto proclamou libertos todos os escravos
em  todo o império, ressalvando contudo que tinham de con-
tinuar ligados aos seus senhores até 1878. Em 1875 foi abolido
o estatuto de liberto, mas o ex-liberto era ainda obrigado por
contrato de dois anos. Este método  semi-sincero de abolição
tendeu  a incitar os colonos a pensar  que escravos libertos
podiam  ser ainda utilizados como escravos. Uma cláusula que
permitia obrigar ao trabalho os libertos desocupados constituiu
também  um "buraco" que foi muito aproveitado e explorado.
De  facto, em 1899 saiu um decreto que sancionava oficialmente
esta suave  transição entre  escravatura e  trabalho  forçado.
Declarava que  "todos os nativos das províncias ultramarinas
portuguesas estão sujeitos à obrigação, moral e legal, de tentar
obter através do trabalho os meios que lhes faltam para subsistir
e melhorar as suas condições sociais". Se o trabalhador não o
fizesse por sua iniciativa, o Governo podia intervir, forçando-o,
mediante  contrato, a entrar ao  serviço governamental  ou
particular. Naturalmente, perante uma tão fácil obtenção de
mão-de-obra barata em  regime de trabalho forçado, poucos
eram  os empregos  em  que o salário atraísse o Africano de
livre vontade; este decreto abrangia a grande maioria da popu-
lação adulta, visto que só podiam  estar isentos os africanos
que possuíssem grandes e produtivas extensões de terra. Assim,
o Africano viu-se desapossado não só do  seu poder político
e da sua terra, mas também  dos  seus rudimentares direitos
de dispor da sua própria vida. Podia ser tratado virtualmente
como  escravo: forçado a deixar a sua casa e família para trabalhar
em  qualquer local, durante horas excessivas, e por um salário
meramente nominal.

   * R. J. Hammond, Portugal and África, Oxford, 1967.
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