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a cabo vastas expropriações, transformando a terra principal- mente em plantações e grandes quintas
para culturas lucrativas, como o açúcar, o sisal e o algodão. O colonato era uma outra forma
da alienação da terra. Os funcionários públicos eram incitados a ficar na província, e faziam-se esforços
no sentido de importar colonos directamente de Portugal. Para realização destes esquemas tirou-se
mais terra aos proprietários africanos. Iniciou-se em 1901 uma política de solos, em que toda a pro-
priedade não privada passava a ser propriedade do Estado. Assim, visto que as várias formas de domínio
da terra pelos Africanos não eram consideradas como propriedade privada, isto significou virtualmente
que toda a terra possuída e culti- vada pelos Africanos passou a ser controlada pelo Governo.
Teoricamente, o Governo tinha separado grandes extensões de terreno para uso exclusivo dos Africanos,
aparentemente para salvaguardar a propriedade tradicional. Na prática, todavia, esta norma era
esquecida cada vez que uma companhia ou indi- vidualidade necessitavam de terra. No princípio do século
XX, o Governo não conseguiu atrair muitos colonos portugueses, tendo os pedidos de terra partido
sobretudo das companhias e dos proprietários de plantações. Portanto, nesse tempo, poucas terras
foram de facto alienadas em favor de colonos; mas a política de colonato ficou estabelecida, de modo
que desde então, quando surgiam pedidos de concessão, podiam ser tomadas grandes extensões de terra
para este fim. Durante esta primeira fase de desenvolvimento da colónia, a agricultura e a
procura de minério deram relativamente poucos lucros. Mas havia um recurso que podia ser explorado
com lucro: a mão-de-obra. Foi na mão-de-obra que todos os outros empreendimentos se fundamentaram;
a exploração da mão-de- -obra era essencial para o desenvolvimento geral da colónia. No período
pré-colonial, o tráfico de escravos tinha sido a grande fonte de riqueza de Moçambique, e os prazos
tinham-se baseado no negócio de escravos. Assim, não é para admirar que o sistema de escravatura
tenha sido a base do desenvol- vimento colonial inicial.
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Embora nos preocupemos principalmente com a utili- zação de mão-de-obra escrava no território
de Moçambique, há alguns aspectos do tráfico de escravos que são importantes. O primeiro é o facto
de ser relativamente recente. Em Moçam- bique o negócio atingiu o seu máximo, e a sua fase final,
mais tarde do que na maior parte dos territórios africanos. A grande distância a que ficavam os
mercados americanos explica a len- tidão de desenvolvimento inicial, enquanto que a procura por parte
das ilhas francesas produtoras de açúcar conduziu a uma subida vertical nos meados do século XIX.
O segundo é a história da abolição da escravatura, que assenta as suas bases no próprio desenvolvimento
interno da colónia. Os primeiros movimentos antiesclavagistas vieram, não dos Portugueses, mas
dos Ingleses, que estavam então a tentar estender os seus interesses, e possivelmente o seu território,
dentro das áreas de domínio português. O resultado foi uma tendência das autorida- des de Moçambique
para não tomarem a sério a abolição e para ignorarem ou colaborarem com os esforços dos colonos e
trafi- cantes de escravos na continuação do mesmo tráfico, em desafio à legislação emitida pelo
longínquo governo metropolitano. Além disso, foram deixados "buracos" legislativos que permi- tiram
as mesmas práticas com nomes diferentes. Em 1836 saiu um decreto a proibir o tráfico de escravos;
todavia o negócio continuou florescente como dantes, apenas com a diferença de que os escravos
eram designados por "mão-de-obra emigrada livre", quando fosse necessário. Em 1854 o estatuto de
liberto, ou homem livre, foi criado, supõe-se que para definir o estádio de transição entre
escravo e homem livre; mas de facto isto apenas servia para sancionar oficialmente a prática de
não chamar escravo ao escravo. Pois o liberto continuava vinculado por um período de sete anos
e estava sujeito a numerosas res- trições não muito diferentes das da escravatura. E em 1866, por
exemplo, os comissários britânicos da Cidade do Cabo relatavam: "Em Ibo, Ponta Pagane, Materno, Lumbo,
Quis- sanga e Quirima foram vistos entre 5000 e 6000 escravos prontos para o embarque [...] no
colonato da Baía de Pemba,
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a Comissão do Cabo tem informação de que não há ali comér- cio algum, excepto o de escravos*."
Surgiram situações similares quando o Governo começou a abolir a escravatura em Moçambique. Seguiram-se
ataques ao sistema, logo após as primeiras acções antiesdavagistas. Em 1869, um decreto proclamou
libertos todos os escravos em todo o império, ressalvando contudo que tinham de con- tinuar
ligados aos seus senhores até 1878. Em 1875 foi abolido o estatuto de liberto, mas o ex-liberto era
ainda obrigado por contrato de dois anos. Este método semi-sincero de abolição tendeu a incitar
os colonos a pensar que escravos libertos podiam ser ainda utilizados como escravos. Uma cláusula
que permitia obrigar ao trabalho os libertos desocupados constituiu também um "buraco" que foi
muito aproveitado e explorado. De facto, em 1899 saiu um decreto que sancionava oficialmente esta
suave transição entre escravatura e trabalho forçado. Declarava que "todos os nativos das províncias
ultramarinas portuguesas estão sujeitos à obrigação, moral e legal, de tentar obter através do
trabalho os meios que lhes faltam para subsistir e melhorar as suas condições sociais". Se o trabalhador
não o fizesse por sua iniciativa, o Governo podia intervir, forçando-o, mediante contrato, a entrar
ao serviço governamental ou particular. Naturalmente, perante uma tão fácil obtenção de mão-de-obra
barata em regime de trabalho forçado, poucos eram os empregos em que o salário atraísse o Africano
de livre vontade; este decreto abrangia a grande maioria da popu- lação adulta, visto que só podiam
estar isentos os africanos que possuíssem grandes e produtivas extensões de terra. Assim, o Africano
viu-se desapossado não só do seu poder político e da sua terra, mas também dos seus rudimentares
direitos de dispor da sua própria vida. Podia ser tratado virtualmente como escravo: forçado a
deixar a sua casa e família para trabalhar em qualquer local, durante horas excessivas, e por um
salário meramente nominal.
* R. J. Hammond, Portugal and África, Oxford, 1967.
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