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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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8
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O novo Moçambique


A  finalidade da nossa luta não é só destruir.
É primeiro, e principalmente, construir um novo Moçambique,
onde não haverá fome e todos os homens
serão livres e iguais.
Estamos a combater de armas na mão porque para construir
o Moçambique que queremos temos primeiro que destruir
o sistema colonial português...
e só depois disto seremos capares de dispor
da nossa força de trabalho e da riqueza da nossa terra...


Mensagem do Comité Central ao povo de Moçambique
em  25 de  Setembro de  1967, aniversário do início da luta.



Uma das principais lições a tirar de quase quatro anos  de
guerra em Moçambique é que a libertação não consiste sim-
plesmente em expulsar a autoridade portuguesa, mas também
em construir um país novo; e que esta construção deve ser em-
preendida  enquanto o estado colonial está a ser destruído.
Compreendemos isto, em princípio, antes de começarmos a luta,
mas foi só no desenvolvimento desta que aprendemos como
tem de ser rápida e total a reconstrução. Não se trata de fazer
quaisquer reformas provisórias, enquanto não controlamos
todo o país, até decidir como vamos governá-lo. Temos neste
momento que fazer evoluir as estruturas e tomar decisões que
terão que estabelecer o modelo para o futuro governo nacional.
   Um dos primeiros resultados da guerra é a eliminação da
situação colonial nas regiões onde já desapareceram as forças
da repressão. A lei, a administração e o sistema de exploração
económica portugueses desaparecem no rasto das armas portu-
guesas.
   Das ruínas do estado colonial, um novo tipo de poder está
emergindo, que corresponde às forças que provocaram a revo-
lução. Antes da guerra, coexistiam duas autoridades: a autori-
dade colonial e a dos regulados tradicionais, subordinados e
integrados no sistema colonial, mas mantendo todavia uma
certa autonomia. Quando, numa área, o poder colonial é des-
truído por uma vitória dos guerrilheiros, fica uma vaga na
administração. O poder dos chefes tribais, porém, tem a sua
origem na vida tradicional do país e, no passado, baseava-se
numa concepção popular de legitimidade, não na força. Este
facto põe problemas potenciais de tribalismo e regionalismo.
Na sua forma pré-colonial, um governo tradicional em tais
moldes serviu muitas vezes bem a sua finalidade, dentro duma
área limitada, constituindo uma forma de organização adequada
aos interesses da maioria; mas, mesmo em casos semelhantes,
limitada aos seus meios e com base numa unidade local pequena,
não pode formar uma base satisfatória para as necessidades
dum estado moderno. Noutras regiões, esse poder tinha já
um elemento de feudalismo, permitindo explorar os campo-
neses; mascarado por invocações metafísicas e religiosas, este
poder era aceite. A sobrevivência de semelhantes sistemas é
evidentemente um travão ao progresso duma revolução que
tem por fim a igualdade social e política. Além disso, tinha como
efeito o colonialismo perverter todas as estruturas do poder
tradicional, incitando ou criando elementos autoritários ou
elitistas.
   Na  sua sessão de Outubro de 1966, o Comité Central da
FRELIMO examinou de novo os problemas do tribalismo e do
regionalismo e condenou vigorosamente as "tendências triba-
listas ou regionalistas de certos camaradas na execução do seu
trabalho", reafirmando solenemente "que tais atitudes são con-
trárias aos interesses do povo de Moçambique e impedem o
desenvolvimento frutuoso da luta de libertação do povo".
Salienta que "a batalha contra o regionalismo e o tribalismo
é tão importante como a batalha contra o colonialismo, porque
é a salvaguarda da nossa unidade nacional e da nossa liberdade".
   É claro que onde os chefes se aliam com o poderio por-
tuguês tudo se resolve. A Voz da Revolução relata um caso:

   "Certos chefes, receosos de perderem os seus privilégios
feudais com a vitória da revolução e a instalação do governo
popular, tornam-se aliados dos colonialistas...
   O chefe Nhapale da região de Muturara (província de Tete)
era um desses...
   A população reagiu contra ele e, para marcar o seu protesto
contra o comportamento do chefe, reuniu-se e dirigiu-se-lhe.
E foi dito ao régulo que seria castigado e que a FRELIMO
o entregaria à justiça...
   O chefe da FRELIMO falou então ao povo e ao régulo,
dizendo: 'Régulo Nhapale, nós somos membros da FRELIMO.
Viemos porque ouvimos dizer que tratas mal o povo.' E vol-
tando-se para a assembleia: 'Este régulo mandou queimar vivas
duas pessoas, dois patriotas. Vocês querem continuar com
este chefe?'
   O  povo respondeu NÃO, e, animado pela presença dos
guerrilheiros, fez um julgamento sumário do chefe e conde-
nou-o à morte...
   Nhapale foi executado."

   Noutros  casos, onde os chefes permaneceram neutros ou
mesmo alinharam positivamente ao lado da luta, o progresso
do processo revolucionário tem como efeito provocar
o desaparecimento gradual do poder tradicional. É evidente
que, onde o poder tradicional não apoia a estrutura colonialista
nem se opõe à revolução, a evolução tem que se fazer por meios
positivos, novas formas de poder, novas ideias políticas. A prin-
cipal arma nesta luta é a educação geral e política, levada a
efeito pela experiência prática, assim como em comícios, discus-
sões e lições.
   O  exército, como já dissemos, é um poderoso veículo da
evolução. Todos no exército trabalham e vivem com gente de
todo o território de Moçambique numa estrutura completa-
mente nova. O exército pode espalhar ideias e dar o exemplo.

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