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No primeiro ano tivemos uma boa colheita, tínhamos dinheiro no banco, em quantidade suficiente para
pagar férias, e também comprámos um tractor. [...] Em 1962, depois da fundação da FRELIMO, o povo
começou a dar apoio activo. Tínhamos muitos contactos com Dar es-Salam através de mensageiros secretos
e começámos a emitir cartões para identificação de membros. Começámos a organizar as pessoas. Algumas
foram presas e ficámos assim debaixo da vigilância desconfiada do Governo. Desta vez era
diferente. Agora, os Portugueses queriam que os nossos grupos trabalhassem para a destruição da FRELIMO.
Diziam que devíamos mandar homens para Dar, para criar a confusão. Mandámos o nosso vice-presidente
e os Portu- gueses deram-lhe dinheiro para a viagem. Mas nós demos-lhe uma tarefa diferente. Demos-lhe
uma carta para os chefes em Dar para explicar por que é que ele tinha o dinheiro e a ele dissemos-lhe
que desse o dinheiro à FRELIMO, e cá por nós arranjámos o dinheiro necessário. Assim, este homem foi
na verdade a Dar como delegado ao Primeiro Congresso da FRELIMO, enquanto fazia o papel de agente
dos Portugueses. Voltou depois do Congresso e disse aos Portugueses que havia conflitos em Dar
entre os vários agrupamentos da FRELIMO... Depois foi novamente em Setembro, como nosso delegado.
Mas desta vez correu tudo mal. Os Portugueses não eram tão ingénuos que pudessem acreditar em tudo
o que ele dizia. Mandaram-no, sim, com outro agente para o vigiar. [...] Quando o nosso camarada
voltou, informou-os de que continuavam a não se entenderem, e que estava tudo na mesma; mas o verda-
deiro espião fez um relato bastante diferente e real. E depois do segundo regresso do nosso camarada
os Portugueses começaram a prender e a interrogar os nossos camaradas. Estávamos em Janeiro de
1963. Em Fevereiro prenderam Lázaro, o presidente da FRELIMO na nossa região, e no dia seguinte prenderam
o nosso camarada que tinha sido delegado. Depois disso houve muitas prisões e havia agentes
da PIDE por todo o lado. Muitos dos nossos morriam na prisão;
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outros regressavam com a saúde abalada. Tínhamos um cama- rada que trabalhava no escritório do administrador
em Mueda. Ele avisou-nos por carta de que ia haver prisões, quem e onde. [...] No dia 13 de Fevereiro
de manhã cedo, o administrador de Mueda veio com a policia armada à missão católica onde eu era
professor. [...] Mas nós - Lourenço Raimundo, também se- cretário da nossa cooperativa, e eu tínhamos
resolvido não dormir lá. Partimos quando ouvimos o barulho dos camiões que chegavam. Passámos o
dia na mata e ao cair da noite pusemo-nos a caminho da Tanzânia. Andámos desde o dia 13 ao dia
18 e nessa noite passámos o Rovuma e entrámos na Tanzânia. Chegámos a Lindi, onde um representante
da FRELIMO veio ao nosso encontro. Contámos-lhe o que se tínha passado. Outros refugiados chegavam
também, fugidos à repressão portuguesa. Tivemos uma reunião onde ficou decidido que alguns membros
da nossa cooperativa deviam voltar para Moçambique, porque sabíamos que era nosso dever mobilizar
gente e que sem nós o povo não teria chefes. Decidiu-se que os mais novos iriam para Dar completar
a sua preparação, enquanto os homens mais velhos deviam voltar para Moçambique e esconder-se, para
continuar a mobilização... Em Dar, os chefes perguntaram-nos o que queríamos fazer. Dissemos:
entrar para o exército. Eles perguntaram-nos se não queríamos bolsas de estudo. Não, dissemos, queremos
combater. Então os nossos chefes entraram em contacto com países dispostos a ajudar, e o primeiro
foi a Argélia. Em Junho de 1963 fomos para a Argélia e lá recebemos treinos até à Prima- vera de
1964. A 4 de Junho tivemos ordens - 24 de nós - para um encontro com o presidente da FRELIMO, que
nos disse havermos sido escolhidos para uma missão. No dia seguinte fomos para Mtwara. Em 15 de
Agosto recebemos do represen- tante da FRELIMO instruções para partir naquela noite. Atravessámos
a fronteira e em C. Delgado encontrámos armas è equipamento para o meu grupo, 6 metralhadoras francesas,
5 Thompsons, 7 espingardas inglesas, 6 espingardas francesas,
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12 pistolas, 5 caixas de granadas de mão com 12 cada uma.[...] Pegamos nisto tudo e partimos para
o Sul, através da floresta, mas com ordem de não começarmos até receber palavra dos nossos chefes.
[...] Não devíamos atacar civis portugueses, não maltratar prisioneiros, não roubar, pagar o que comêssemos...
Havia ao todo três grupos. O meu tinha ordem de ir para Porto Amélia. O segundo, chefiado por
António Saido, foi para Montepuez, e o terceiro, o do Raimundo, foi na direcção de Mueda.
Foi duro, porque o inimigo patrulhava dia e noite, ao longo das estradas e mesmo nos atalhos da
mata. Num certo ponto, o meu grupo teve que esperar dois dias primeiro que pudesse avançar. Tínhamos
bons contactos, mas, por causa das patrulhas dos Portugueses, estava combinado que em pontos perigosos
um só homem estaria para nos receber. Sofremos a falta de comida. E tínhamos que tirar as botas, com
receio de deixar rastos para os Portugueses seguirem; andávamos descalços. Foi difícil. Num
certo lugar tinha actuado um grupo de ban- didos - homens que tinham estado na MANU ou UDENAMO e
se tinham recusado a entrar para a Frelimo; tinham simplesmente degenerado em bandidos. Tinham morto
um missionário holandês. Nós tínhamos chegado a um lugar a cerca de cinco quilómetros desse local.
Os soldados portugueses, apoiados por aviação, andavam atarefados por ali, por causa do missionário.
Corremos um risco. Entrámos em contacto com a missão a que pertencia o missionário e explicámos-lhes
o que tinha sucedido e que a FRELIMO era uma organização honesta e contra tudo o que se parecesse
com matar missio- nários. Isto foi uma ajuda, porque os missionários convenceram os Portugueses
de que era assim e de que não deviam matar gente por vingança. Avançámos para Macomia. Daí
em diante não podíamos continuar para Porto Amélia, porque os Portugueses tinham eri- gido uma
barragem e mobilizado o povo contra os bandidos. [...] Os bandidos costumavam saquear lojas de indianos,
e os Por-
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