DO
CU
ME
NT
OS

DO


IM

RIO

DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


***************************************************************************************

EDUARDO MONDLANE

1968


***************************************************************************************
No primeiro ano tivemos uma boa colheita, tínhamos dinheiro
no banco, em quantidade suficiente para pagar férias, e também
comprámos um tractor. [...] Em 1962, depois da fundação da
FRELIMO, o povo começou a dar apoio activo. Tínhamos
muitos contactos com Dar es-Salam através de mensageiros
secretos e começámos a emitir cartões para identificação de
membros. Começámos a organizar as pessoas. Algumas foram
presas e ficámos assim debaixo da vigilância desconfiada do
Governo.
   Desta vez era diferente. Agora, os Portugueses queriam que
os nossos grupos trabalhassem para a destruição da FRELIMO.
Diziam que devíamos mandar homens para Dar, para criar
a confusão. Mandámos o nosso vice-presidente e os Portu-
gueses deram-lhe dinheiro para a viagem. Mas nós demos-lhe
uma tarefa diferente. Demos-lhe uma carta para os chefes em
Dar para explicar por que é que ele tinha o dinheiro e a ele
dissemos-lhe que desse o dinheiro à FRELIMO, e cá por nós
arranjámos o dinheiro necessário. Assim, este homem foi na
verdade a Dar como delegado ao Primeiro Congresso da
FRELIMO, enquanto fazia o papel de agente dos Portugueses.
Voltou depois do Congresso e disse aos Portugueses que havia
conflitos em Dar entre os vários agrupamentos da FRELIMO...
   Depois foi novamente em Setembro, como nosso delegado.
Mas desta vez correu tudo mal. Os Portugueses não eram tão
ingénuos  que pudessem acreditar em tudo o que ele dizia.
Mandaram-no, sim, com outro agente para o vigiar. [...] Quando
o nosso camarada voltou, informou-os de que continuavam
a não se entenderem, e que estava tudo na mesma; mas o verda-
deiro espião fez um relato bastante diferente e real. E depois do
segundo regresso do nosso camarada os Portugueses começaram
a prender e a interrogar os nossos camaradas. Estávamos em
Janeiro de 1963. Em Fevereiro prenderam Lázaro, o presidente
da FRELIMO na nossa região, e no dia seguinte prenderam o
nosso camarada que tinha sido delegado.
   Depois disso houve muitas prisões e havia agentes da
PIDE por todo o lado. Muitos dos nossos morriam na prisão;
outros regressavam com a saúde abalada. Tínhamos um cama-
rada que trabalhava no escritório do administrador em Mueda.
Ele avisou-nos por carta de que ia haver prisões, quem e onde. [...]
No dia 13 de Fevereiro de manhã cedo, o administrador de
Mueda veio com a policia armada à missão católica onde eu
era professor. [...] Mas nós - Lourenço Raimundo, também se-
cretário da nossa cooperativa, e eu tínhamos resolvido não
dormir lá. Partimos quando ouvimos o barulho dos camiões
que chegavam. Passámos o dia na mata e ao cair da noite
pusemo-nos a caminho da Tanzânia. Andámos desde o dia
13 ao dia 18 e nessa noite passámos o Rovuma e entrámos na
Tanzânia.
   Chegámos a Lindi, onde um representante da FRELIMO
veio ao nosso encontro. Contámos-lhe o que se tínha passado.
Outros refugiados chegavam também, fugidos à repressão
portuguesa. Tivemos uma reunião onde ficou decidido que
alguns membros da nossa cooperativa deviam voltar para
Moçambique, porque sabíamos que era nosso dever mobilizar
gente e que sem nós o povo não teria chefes. Decidiu-se que os
mais novos iriam para Dar completar a sua preparação, enquanto
os homens mais velhos deviam voltar para Moçambique e
esconder-se, para continuar a mobilização...
   Em Dar, os chefes perguntaram-nos o que queríamos
fazer. Dissemos: entrar para o exército. Eles perguntaram-nos
se não queríamos bolsas de estudo. Não, dissemos, queremos
combater. Então os nossos chefes entraram em contacto com
países dispostos a ajudar, e o primeiro foi a Argélia. Em Junho
de 1963 fomos para a Argélia e lá recebemos treinos até à Prima-
vera de 1964. A 4 de Junho tivemos ordens - 24 de nós -
para um encontro com o presidente da FRELIMO, que nos
disse havermos sido escolhidos para uma missão. No dia seguinte
fomos para Mtwara. Em 15 de Agosto recebemos do represen-
tante da FRELIMO instruções para partir naquela noite.
Atravessámos a fronteira e em C. Delgado encontrámos armas
è equipamento para o meu grupo, 6 metralhadoras francesas,
5  Thompsons, 7 espingardas inglesas, 6 espingardas francesas,
12 pistolas, 5 caixas de granadas de mão com 12 cada uma.[...]
Pegamos nisto tudo e partimos para o Sul, através da floresta,
mas com ordem de não começarmos até receber palavra dos
nossos chefes. [...] Não devíamos atacar civis portugueses, não
maltratar prisioneiros, não roubar, pagar o que comêssemos...
   Havia ao todo três grupos. O meu tinha ordem de ir
para Porto Amélia. O segundo, chefiado por António Saido,
foi para Montepuez, e o terceiro, o do Raimundo, foi na direcção
de Mueda.
   Foi duro, porque o inimigo patrulhava dia e noite, ao
longo das estradas e mesmo nos atalhos da mata. Num certo
ponto, o meu grupo teve que esperar dois dias primeiro que
pudesse avançar. Tínhamos bons contactos, mas, por causa
das patrulhas dos Portugueses, estava combinado  que em
pontos perigosos um só homem estaria para nos receber.
Sofremos a falta de comida. E tínhamos que tirar as botas,
com receio de deixar rastos para os Portugueses seguirem;
andávamos descalços.
   Foi difícil. Num certo lugar tinha actuado um grupo de ban-
didos - homens que tinham estado na MANU ou UDENAMO
e se tinham recusado a  entrar para a Frelimo;  tinham
simplesmente degenerado em bandidos. Tinham morto um
missionário holandês. Nós tínhamos chegado a um lugar a
cerca de cinco quilómetros desse local. Os soldados portugueses,
apoiados por aviação, andavam atarefados por ali, por causa
do missionário. Corremos um risco. Entrámos em contacto
com a missão a que pertencia o missionário e explicámos-lhes
o que tinha sucedido e que a FRELIMO era uma organização
honesta e contra tudo o que se parecesse com matar missio-
nários. Isto foi uma ajuda, porque os missionários convenceram
os Portugueses de que era assim e de que não deviam matar
gente por vingança.
   Avançámos para Macomia. Daí em diante não podíamos
continuar para Porto Amélia, porque os Portugueses tinham eri-
gido uma barragem e mobilizado o povo contra os bandidos. [...]
Os bandidos costumavam  saquear lojas de indianos, e os Por-

***************************************************************************************

Image of back.gif Image of eth-hm.gif Image of forward.gif