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DOCUMENTOS DO IMPÉRIO


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EDUARDO MONDLANE

1968


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perto de Lourenço Marques, que terá capacidade de 170 000
toneladas e necessitará de um investimento de 250 milhões
de escudos.
    Todos estes desenvolvimentos da indústria extractiva e
transformadora trazem para Moçambique grandes quantidades
de capital estrangeiro e aumentarão certamente o rendimento
nacional total do país. A expansão económica atribuída a estes
investimentos é, contudo, extremamente superficial; não está
a realizar, nem mesmo é provável que realize a longo prazo,
muito efeito no baixíssimo nível de vida geral do país. Porque,
essencialmente, a natureza dos projectos tem sido ditada pelos
interesses dos investidores e do Governo Português, não pelas
necessidades de Moçambique.  Há três importantes factores
que impedem este tipo de desenvolvimento de dar à maioria
da população quaisquer benefícios substanciais.
   Primeiro, porque a maioria das novas unidades fabris
estão situadas nos dois maiores centros urbanos, Beira e Lou-
renço Marques, e qualquer melhoria de salários e condições
industriais que possa resultar da sua presença (nenhum melho-
ramento importante é ainda evidente) seria extremamente loca-
lizada nos seus efeitos. Menos de 4% dos africanos vivem
nestas duas cidades, e mesmo a actual taxa de industrialização
é apenas suficiente para absorver o actual e gradual aumento
na força de trabalho urbana. A crescente prosperidade nestas
cidades poderia afectar as regiões rurais do interior; mas num
grande país como Moçambique, com a sua fraca rede de comu-
nicações, não resultará em melhores condições para a grande
maioria da população rural. A indústria de extracção de petróleo,
embora situada nas regiões rurais e espalhada numa vasta área,
também não pode beneficiar muita da população, porque neces-
sita essencialmente de muito pouca mão-de-obra local.
   O segundo factor está relacionado com a utilização do
rendimento da nova indústria. Pode-se opor o argumento de
que a concentração do grande capital, a indústria que exige
pouca mão-de-obra, virão ainda assim a beneficiar todo o país
pelo aumento de rendimento para o Governo. Em Moçambique,
porém, a quota-parte do Governo no rendimento não é cana-
lizada pata os  serviços sociais tão necessários, mas para a
guerra: em  1967, a parte de contribuição de Moçambique
para a manutenção das forças armadas portuguesas foi fixada
em 838 milhões de escudos, obtidos do rendimento local. A fim
de fazer face a esta despesa, os outros investimentos do Governo
tinham de ser cortados. Assim, enquanto em 1967 o investi-
mento na despesa aumentou 20%, as verbas para a agricultura
e para o repovoamento florestal eram reduzidas em 30%, e as
verbas de obras públicas, em 50%*.
   Em terceiro lugar, o Governo está a conceder termos tão
favoráveis para atrair o investimento que está a sacrificar muito
do seu rendimento potencial, concedendo longos períodos de
trabalho isentos de impostos e a total exportação dos lucros.
Em 1963, por exemplo, quando se fundou a Câmara de Comércio
Luso-Sul-Africana, em Joanesburgo, para financiar o desenvol-
vimento em  Moçambique, o Governador-Geral acedeu, entre
outras coisas, a conceder às companhias estrangeiras um período
de dez anos de isenção de impostos. Em 1967, um relatório do
Handelsinstitut sul-africano salientou a necessidade de garantias
para que fossem repatriados o capital e os lucros, e recomendava
vantagens fiscais para as novas indústrias. Os termos de inves-
timento concedidos são muitas vezes tão favoráveis aos inves-
tidores, e oferecem à administração de Moçambique tão pouco
lucro financeiro, que parece evidente que as concessões  ao
capital estrangeiro se destinam  mais a assegurar vantagens
políticas do que a abrir o caminho a um progresso económico
real.

Cabora Bassa e o vale do Zambeze

   O  esquema do vale do Zambeze é a pedra angular dos
planos de Portugal para o desenvolvimento de Moçambique.
O próprio vale do Zambeze em si é já uma das mais ricas áreas

   * Assembleia Geral das Nações Unidas, 23.ª sessão, A/7200/Add3
agrícolas, e recentemente ali se descobriram quantidades de
minerais importantes. Em  1962 o Diário de Lisboa anunciou
que estavam prontos os planos de extracção de titânio, magne-
tite e flúor. O carvão e o ferro estavam já a ser extraídos em
modestas quantidades, mas previa-se que a exportação do ferro,
só por si, podia trazer um total anual de 25 milhões de libras.
A parte mais importante do plano, porém, é a construção
duma gigantesca barragem em Cabora Bassa. Esta é considerada
projecto em conjunto com a África do Sul, e haverá substancial
apoio da Europa Ocidental e dos Estados Unidos.
   Cinco grupos internacionais entraram no concurso para
construção da barragem, e em Julho de 1968 a obra foi adju-
dicada à Zamco, consórcio organizado pela Anglo American
Corporation of South Africa, com a participação de firmas
francesas, alemãs ocidentais e suecas. Vem apoio financeiro
do Banque de Paris et dês Pays-Bas, da Union Acceptances de
Johanesburg, do Deutsch Bank e da Banca Comercial Italiana. Al-
guns projectos associados serão também apoiados pelo Bank
of America e por bancos portugueses.
   A  barragem será a maior da África, inundará uma área
de 1000 milhas quadradas e produzirá 17 biliões de kilowatts-
-hora de  energia hidroeléctrica, para servir um raio de 900
milhas. Está planeado o seu acabamento para 1974, e está
orçamentada em  130 milhões de libras.
   Este grande esquema entra em linha com os outros pro-
jectos comerciais recentes em Moçambique; pouca da riqueza
que poderia criar, sob os acordos presentes, seria filtrada para
a população africana de Moçambique. O vale do Zambeze é
já uma área de colonos, onde grandes superfícies de terra estão
na mão de lavradores brancos ou donos de plantações e onde
os Portugueses anunciaram planos para a instalação de mais
l milhão de imigrantes portugueses ao longo do rio (conside-
rando que a população de Portugal é de cerca de 9 milhões,
este número só deve ser tomado a sério se grandes migrações
de brancos não portugueses foram igualmente previstas). Em
1967 o Instituto do Algodão de Moçambique anunciou planos

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