V. OS PASSOS PARA A OCUPAÇÃO COLONIAL
Nomeado Governador do distrito de Cabo Delgado, o Iº Tenente d'Armada
Portuguesa, Jerónimo Romero, comandando a escuna de guerra "Angra"
larga do Tejo com 60 colonos (homens e mulheres) a 21 de Junho de 1857 com
destino a Pemba para ali edificar uma colónia com gente branca. De origem
minhota, os colonos voluntariaram-se e uma subscrição popular conseguiu uma
colecta de cerca de 2 milhões de reis para tal empresa.
No "Suplemento à Memória Discriptiva dos Territórios de Cabo Delgado" Jerónimo Romero ao referir-se à sua tomada de posse a 22 de Outubro como Governador de Cabo Delgado salienta que deu a conhecer a todos os presentes:
"os bons desejos do Governo de Sua Magestade que pacificamente se ocupasse a bahia de Pemba e ali se fundasse uma colónia europeia, sem que para isso fosse necessário empregar a força armada e muito menos incomodar ou prejudicar os moradores do Distrito com especialidade os régulos".
Foram então encarregues os capitães-mor das terras firmes e o de Querimba para conferenciarem com Said Ali, enquanto que o de Quissanga e o respectivo cheique para tratar com o sultão Mugabo.
Em ambos os casos foram enviados presentes levados da corte como se pode ler, por exemplo, na carta enviada por Romero ao régulo Said Ali, datada de 26 de outubro de 1857:
"Amigo nesta ocasião tenho grande prazer em mandar uma comissão para vos cumprimentar da parte do Governo de Sua Magestade El-rei de Portugal e de vos remeter um barril de aguardente que o Governo vos manda em signal de amisade. Elle deseja estabelecer no território desaproveitado das margens dessa bahia uma colónia com gente do reino e juntamente tem em vista tratar amisade com todos, por cujo motivo está disposto a conceder-vos uma graduação militar e um ordenado que será pago em cada mês ... também vos será requisitada alguma gente para o serviço da colonia, a qual será paga todas as semanas em fazendas ou conforme se combinar..." (4)
Os enviados regressaram ao Ibo poucos dias depois trazendo respostas satisfatórias, apesar de certas reservas:
"Ilmo. Sr. Muito estimarei a saúde de V.S., o desejo que sempre gose a mesma saúde e boas aventuras. Também recebi um officio de V.S., e um barril de aguardente, de tudo fiquei entregue pelo capitão - mor, igualmente de outro papel que me entregou o sr. Figueira: enquanto a minha resposta nada mais tenho a dizer do que quando vier junto com o capitão-mor, trataremos porque o seu officio não me deixou desagradável, e por isso não há duvida nenhuma entre mim e V.S.- Deus guarde a V.S. - Mussage -5 de Novembro de 1857. Ilmo. Sr. Governador Civil, Jerónimo Romero.- Regulo Said Ali. (5)
Se apesar do cepticismo de Said Ali a carta deixa transparecer alguma
confiança não menos verdade é a prudência e até mesmo honestidade da parte do
régulo Mugabo:
“Ilmo. Sr. - Governador estimarei que ao receber desta esteja no goso
d'uma perfeita saúde acompanhado de imensas felicidades.
Quando mandei fazer esta achava-me bom, graças a Deus e fiquei certo do
conteúdo dela, a qual estimei muito por ter V.S. como meu amigo, e vizinho na
povoação de gente branca que pretende fazer nas minhas terras. Mas se V.S.
intenta isso para me apanhar e depois, fazer-me mal, isso não é bom, tanto
porque os Mezungo sempre foram meus amigos e tratei com elles amisade, como
também não ser justo que me tirem as minhas honras, mas certo da amisade de
V.S., conte commigo nestas terras, pois sendo eu o régulo mais poderoso que
tudo me está subordinado, estou no caso de tratar com V.S. Lá está o meu genro
Andique, e os régulos Mugona, Nahea e o Mutica a fim de se encontrarem com
V.S., para o que já tenho as minhas recomedaçóes; mas com tudo isto é preciso
que V.S. tenha a bondade de se encontrar commigo quando puder ser e quando
combinemos, pois tudo espero que se fará na melhor amisade e união. - Sou de
V.S. muito obediente - Regulo Mugabo - Maiava 9 de Novembro de 1857". (6)
Com o fim de ocupar a baía, Jerónimo Romero manda seguir para Pemba 2 batéis com 3 oficiais e parte da força militar estacionada no Ibo.
Os militares tentaram desembarcar na ponta Miranembo mas não
conseguiram devido ao mau tempo e por a costa ser cortada a pique o que os
obrigou a entrar na baía, escolhendo a área de Nuno - hoje Paquiteque - então
desabitada.
Aí construíram logo um barracão para lhes servir de albergue e
arrecadação do material.
A "Angra" que havia chegado à Ilha do Ibo a 20 de outubro
parte 11de Novembro para Pemba, onde arribou 12 horas depois, trazendo consigo
Jerónimo Romero, o vigário da Ilha do Ibo e alguma tropa. A eles se juntaram
alguns militares enviados da Ilha de Moçambique no “19 de Maio" - outro
navio de guerra - que transportava os materiais necessários à instalação da
colónia. Jerónimo Romero sentira seu sonho realizado:
"... pelas 5 horas da tarde entrava a mesma escuna embandeirada
com arco por entre as duas pontas que formam a magestosa baía de Pemba.” (7)
A 12 de Novembro o Governador de Cabo Delgado desembarca ao largo da
baía acompanhado de alguns oficiais e força militar, tendo sido recebido pelo régulo de
Mussange - Said Ali - e sua gente.
Depois de conferenciar com Said Ali, Jerónimo Romero e comitiva
regressam ao navio para aguardar a delegação enviada pelo régulo Mugabo o que
veio a verificar-se decorridos 5 dias, podendo assim lavrar-se o respectivo
termo de "vassalagem":
"Aos dezessete dias do mês de Novembro do anno de nascimento de Nosso Senhor Jesu Christo de 1857, achando-se perante o Governador do distrito de Cabo Delgado, o capitão-mor das terras firmes e mais pessoas a bordo da escuna guerra "Angra", em Pemba, foram recebidos os enviados do régulo Mugabo, o secretario Andique, e outros, os quais vindos com officios do régulo, e aucturização do mesmo, se lavrou o presente termo, e se concordou amigavelmente - que estas terras pertencentes ao régulo Mugabo ficam pertencentes à coroa portugueza, e todos os indivíduos, indigenas ou não indigenas, são de hoje por diante súbditos obedientes e cidadãos portugueses - que ao regulo Mugabo lhe será concedido pelo Governo de Sua Magestade El-rei o posto de capitão-mor das terras de Mugabo, com o vencimento mensal de 4$000 reis e também se concederá a graduação honorifica de sarjento-mor ao regulo Mutica e de ajudante ao secretario Andique - que o regulo Mugabo fica responsável pela boa união e amisade, porque se devem tratar os colonos como se fossem verdadeiros indigenas - que o regulo Mugabo por via dos seus enviados, declara, que está altamente satisfeito, e todos os indigenas da mesma forma satisfatória porque tem sido tratado pelo actual Governador, e por ter dirigido estes negócios, procurando o bem estar e dignidade de todos - que, qualquer questão, ou milando que houver para o futuro entre os colonos e indigenas será decidido pelo Governador do Distrito e o regulo Mugabo, sendo os portadores da correspondência o sargento-mor, e mesmo o ajudante; mas sendo milando grande e de consideração ou não concordando a 1a auctoridade acima mencionada, em tal caso ficará dependente a sua resolução do Governador Geral desta provincia como chefe superior, e delegado de Sua Magestade-que para a nova colónia se escolherá o terreno onde não haja maxambas, afim não se fazer mal a pessoa alguma..." (8)
Este documento foi ainda assinado por mais dez individualidades,
assentando-se assim os princípios gerais de organização política e jurídica da
"Colónia de Pemba”, tendo sido escolhida a região de Muguete (hoje
Muaguide) nas terras do cheique Macesse (ou Mazese) para a sua instalação a
Oeste da baía e a uma distância aproximada de uma légua do ponto de desembarque
o que os levaria cerca de 50 minutos de percurso a pé.
Três razões fundamentais os levaram a preferir a região de Muguete: a
primeira deveu-se ao facto de somente ali terem então conseguido encontrar
nascentes com água doce em abundância; segundo porque aparentava prestar-se
perfeitamente para o estabelecimento de uma colónia agrícola que era seu
objectivo e terceiro porque estando mais próximo a povoados locais os produtos
eram mais baratos.
A política de conceder graduações militares aos chefes tribais na ocupação
de Pemba foi seguida pelo rei D. Pedro V.
Assim, o Governador de Cabo Delgado empossa alguns deles a 16 de
Fevereiro seguinte, numa cerimónia realizada em Mussange na presença do
capitão-mor das terras firmes, oficiais do estado maior, parte da companhia de
infantaria do Ibo, o destacamento da ilha de Moçambique, a guarnição da Angra,
o Comandante e mais praças do iate 19 de Maio, o régulo Said Ali e outras
individualidades de sua regedoria:
"... nestas circunstancias o Governador de Cabo Delgado declarou,
que vinha mandado pelo Governador Geral da provincia para entregar as patentes
de capitão-mor de Mussange ao Regulo Said-Ali de sargento-mor ao Lingoa
Said-Ali, e d'ajudante a Bacar Bun Adudalla, ... na mesma ocasião se entregou a
bandeira portuguesa ao Regulo Said-Ali, a qual foi içada diante de todo o
auditório... declarando (o régulo) (9) na mesma ocasião, que de futuro elle e
toda a sua gente se consideravam como súbditos fieis de Sua Magestade
Fidelissima ..." (10)
A 26 de Fevereiro do mesmo ano num acto idêntico realizado na povoação do régulo Macesse foram entregues pelo Governador Romero diplomas e bandeiras aos enviados do sultão Mugabo.