JOÂO ANTÓNIO DE CARVALHO
João António de Carvalho figura pela primeira vez na Direcção da Câmara do Comércio em 1909, como vogal suplente. A partir desse ano, vemos com frequência o seu nome nos corpos directivos desta associação que, na verdade, serviu com entusiasmo até 1953, ano em que faleceu.
Não é fácil falar da sua pessoa, é que a sua memória mantém-se ainda fresca em todos nós e, por isso, dificilmente se poderiam fixar em alguns simples traços a sua forte e complexa personalidade de maneira a fazer-lhe justiça, dando o devido relevo à sua actividade e à sua admirável obra. Chamavam-lhe afectuosamente o Carvalhinho. Nascido em Eixo veio para Lourenço Marques como colono em 22 de Agosto de 1896. Tinha dezasseis anos. Foi recebido por seu parente Clemente Nunes de Carvalho e Silva, comerciante, que além de uma afectuosa hospitalidade lhe deu trabalho na sua casa. Em 1908 constituiu família e estabeleceu-se com uma pequena loja de papelaria, livraria e oficina de tipografia. Deu ao estabelecimento o nome que para sempre lhe ficou, de Minerva Central. Foi na loja do seu parente que se afeiçoou ao ramo de livraria que ele introduziu na casa. Clemente Nunes era um homem curioso que se dispersou por várias actividades entre as quais o jornalismo; criou uma empresa para a publicação do jornal O Português que, por motivo de contínuas suspensões, mudou várias vezes o nome ; com o nome de O Progresso de Lourenço Marques publicou-se até 1910. João António de Carvalho também foi jornalista ; o seu nome figura em 1905-1906 como um dos directores do Jornal O Progresso de Lourenço Marques. Fundou em 1911 o jornal Província de Moçambique de que foi director o tabelião Dr. António Grave. Durou pouco tempo mas voltou a ser publicado em 1925, tendo por director o Dr. Nuno de Oliveira. Mas, os livros foram a sua grande paixão ; ninguém fez mais do que ele pela difusão da literatura portuguesa nesta Província. Ajudou muitos estudantes pobres dando-lhes os livros de ensino gratuitamente. Figura simpática e acessível; a sua popularidade vinha da sua excelente disposição de espírito e do desejo de ser útil. Republicano entusiasta, desempenhou cargos de responsabilidade c exerceu influência junto de instituições de beneficência.
Fez de Lourenço Marques a sua terra. Aqui se fez homem ; aqui trabalhou até ao fim. A sua numerosa descendência vai já na terceira geração.
Inclinamo-nos a crer que Clemente Nunes exerceu grande influência no seu jovem parente que deve ter recebido dele o gosto pela letra de forma. Já atrás havíamos citado o seu nome como vogal suplente do Conselho do Governo em 1908. Viera para Lourenço Marques no último quartel do século XIX. Era homem de grande estatura, moreno e de feições regulares. Cremos que natural de Eixo. Nos seus olhos perscrutadores havia a curiosidade serena dos homens da sua região que nunca se cansam com a contemplação do cenário composto pelo mar, céu e dunas do litoral, numa mutação constante que jamais se repete e que se reflecte no nosso espírito fazendo-nos partilhar da disposição dos elementos.
João António de Carvalho escrevia muito ; cultivava o género epistolar. Escrevia laboriosamente à mão as suas cartas e ele mesmo as passava com cuidado e paciência ao copiador. Além das cartas comerciais havia as que escrevia a altas individualidades da nossa administração, versando assuntos de interesse público, e que hoje poderiam constituir documentos preciosos para o estudo de Lourenço Marques da sua época. Não deixaria de ser interessante a compilação de tais cartas.
Velho colono, tinha permanentemente ante seus olhos
o quadro da evolução económica
e social da cidade, o seu crescimento, a sua beleza e conforto. Fora um dos seus bons obreiros. Mas
reconhecia com alegria que as novas gerações se estavam a mostrar mais ousadas, traçando-lhe um
futuro sem limites à expansão da sua área e à altura dos seus prédios. A sua
observação estava sempre atenta e
nada deixava sem comentário que reduzia a escrito, usando uma caneta grossa e
barata com aparo de aço nacional,
de ponta rombada e traço vigoroso.