IV. A GENTE E A SOCIEDADE
A população de Pemba é bastante heterogénea, tendo para lá emigrado do
interior os macuas, os ngonis ou mafites e os macondes. Do litoral, os nguja do
Tanganica, os sacalaves do Madagáscar e os mujojos das Comores. A civilização europeia,
particularmente a trazida pelos portugueses é também notória, já que ali a
colonização assimilou grande parte da população, mesmo a não mista.
Nas regiões circunvizinhas à cidade de Pemba existiam já antes da
ocupação pelos portugueses algumas povoações chefiadas por régulos, sendo o
principal o sultão Mugabo, seguido de outros como o Said Ali, Mutica, Macesse e
o Mugona.
O Governador de Cabo Delgado que, em em 1857 foi incumbido de ocupar a região e aí formar uma colónia, faz especial referência ao "velho" Mutica que, à excepção dos outros, falava ainda a língua portuguesa e muito contribuirá para o sucesso das negociações.
Fortemente swahilizados estes régulos que se expressavam e escreviam geralmente em árabe, edificaram sociedades semi-feudais cuja autonomia se manteve ao longo dos tempos, até mesmo hoje, continuando a exercer grande influência e poder no seio da população, cujo principal credo é o maometanismo mesclado de antigas tradições fetichistas como em quase todas as regiões da província.
A estas autoridades de relações amigáveis e até mesmo honestas com outros povos em certas alturas, também não lhes faltaram momentos de agitação e saque.
Já em 1843 o cheique Macesse, que chefiava a região
actualmente conhecida por Pemba-Metuge, revolta-se contra a submissão aos
portugueses, expulsando a companhia militar portuguesa estacionada num navio à
entrada da baía de Pemba. Como corolário do desenrolar destes acontecimentos o
cheique Macesse devolve a bandeira portuguesa às autoridades coloniais nas
mãos do ajudante de Arimba, José F. Carrilho e recusando-se a pagar qualquer
espécie de tributo.
Salientam-se também as investidas feitas pelos régulos Mugabo, Said Ali e outros contra caravanas europeias no circuito de Quissanga, obrigando-as a uma rota que levaria a mercadoria antes para Porto Amélia.
Se por um lado isto viria a abrir um caminho para o desenvolvimento de Porto Amélia a finais do século XIX, não menos verdade é que o facto veio a onerar bastante o processo de embarque e desembarque da carga já que Quissanga comunicando mais directamente com o "medo" era o principal porto exportador de então para o comércio e tráfico “ajaua-meto”.
A maior parte dos
régulos antes da segunda década do nosso século se submetiam, na cintura de
Pemba, ao régulo Mugabo, cujas terras confinavam com as da "coroa do
medo", estas chefiadas pelo poderoso maravi Mualia, ora submetido ora
sublevado aos portugueses.
O quadro etnológico da população de Pemba remonta-se principalmente à
fusão do grupo macua com castas muani, penetrados respectivamente a partir de
Murrébue e Quissanga.
Embora de diferentes origens as populações de Pemba se subordinavam ao
régulo Muária também de origem maravi.
O regulado Muária nasce cerca de inícios dos anos de 1880 quando famílias
como Heri e Bachir pertencentes ao mesmo clã atingindo a região do medo avançam
em direcção ao litoral pela rota Chiúre/ Mecufi/Murrébue.
De acordo com a "rainha" Muamba Omar Ussofo mais conhecida por
Nhanicuto e descendente dos Muária, a dinastia se inicia com um tal Heri l na
região de Changa (Murrébue) nas terras do régulo Nampuipui.
À morte de Heri l sucede ao trono Heri II que, para não defrontar o
régulo Nampuipui que lhe fizera guerra acusando-o de ocupação ilícita das suas
terras e compromisso com os portugueses, foge e refugia-se em Pemba na área da
Maringanha. Parte do clã seguiu para Quissanga.
O successor de Heri II foi Remane Bachir que viajando para a África do
Sul, como era seu hábito levando consigo voluntários (de acordo com a fonte )
que para lá queriam ir viver, foi chamado para assumir o cargo e é nessa altura
adoptado o cognome de "Muária" para o regulado que agora começava.
Muitas vezes se fala de Muária como tendo alguma relação de parentesco,
de clã ou mesmo qualquer outra com o regulo Muália, o que é negado por Muamba
Ussofo, mas pode sobreviver a ideia de auto-identificação com o poderoso e
conterrâneo maravi das terras do medo.
Amad Ali, avô do régulo Remane Bachir, descobre a zona de Marindima em
Pemba e mobiliza a sua família e a gente de Changa para a habitar, o que veio a
acontecer.
No entanto, fugitivos aos ataques dos ngonis, que lançavam as suas investidas com armas de fogo e azagaias a partir do ponto da colina que cai a pique na região de Marindima, bem como pelo facto de ali não haver água potável, a população deixa a zona e vai fixar-se junto às lagoas de Natite.
É então que Remane Bachir manda limpar as áreas de Nuno e Ingonane para
ser habitada colocando lá como chefes dois familiares seus, nomeadamente as
rainhas Nhanicuto e Nhacoto.
Enquanto isto o régulo Remane Bachir Muária entrega o Wimbi ao chefe
Namacoma e a região compreendida entre o Nanhimbe e Maringanha ao seu
irmão capitão-mor Tagir Bachir.
Anra Bachir sucede a Remane no regulado Muária e tendo este morrido fica
como sucessor o seu sobrinho Fadili Adi, seguindo-se - lhe o seu irmão Anli
Mugola.
Durante o reinado de Anli Mugola, este entregou a zona do Cariacó ao
chefe Amada Muária, já na década de 60 do nosso século, que ao ser preso pela
Pide é substituído por Abdul Latifo Ncuo.
Para além das já citadas rainhas o Paquitequete teve ao longo dos
tempos ate à independência de Moçambique outros chefes, nomeadamente Mussa
Amad, Pira Anlaue, Said N’Ttondo, entre outros.
Das relações com as autoridades coloniais que, mesmo antes de ocupar a
região mandavam anualmente um encarregado de cobrança do imposto, a velha Omar
Ossofo relata que quando chegava tal enviado eram içadas três bandeiras
portuguesas: uma na praia junto à ponta Romero, a outra à frente da residência
do régulo Remane e a terceira no quintal deste.
A população para não pagar o imposto abandonava as suas casas e
internava-se mais para o interior e o funcionário da administração colonial em
acto de vingança queimava todas as residências, obrigando a população a
construir alpendres provisórios após a sua retirada.
Em língua macua “marapata” significa alpendre ou algo provisório, alcunha que a população deu ao dito funcionário.
Nessa altura a designação de Pemba limitava-se somente a uma pequena área, próximo à ponta Miranembo, onde o governador colonial Jerónimo Romero havia instalado o "Estabelecimento da Baia" e construído um fortim que a população de Muária usou como refúgio nas razias que os sacalaves levaram a cabo.
Embora fora dos parâmetros deste estudo mas para dar uma ideia mais ampla da distribuição territorial do regulado Muária podemos acrescentar que dados de 1970 indicam que o régulo Ntondo, ocupava em Porto Amélia uma área de 1.042 km2 (Paquitequete), seguido do propriamente chamado Muária em Natite com 264 km2, Namacoma no Wimbi com 504 km2, o Piripiri no Gingone chefiando uma área de 8 km2 e o Nansure do Cariacó a Changa com 230 km2. (3)
Considerando por outro lado que os portugueses recrutavam na região do medo os carregadores para as suas caravanas é óbvio que muitos deles em Pemba se foram fixando, o mesmo sucedendo à gente migrada das regiões costeiras.
Os conflitos tribais que sempre existiram entre ambas as etnias (e para um período mais curto também com os macondes) eram compensados pelas trocas comerciais, sobretudo o contrabando e tráfico de toda a espécie.
Apesar de
Pemba ser zona costeira, provida de uma enorme baía, muito pouca gente se
dedica hoje à pesca, absorvendo o sector pesqueiro apenas cerca de 200
pescadores (dados de 1987) que em suas casquinhas, lanchas e algumas pequenas
embarcações fazem não mais que uma produção anual de 150 toneladas de
pescado. É também verdade que a intensiva exploração ao longo dos tempos dentro
e ao largo da baía, tornaram os recursos marinhos mais escassos.
De marinho típico é, por aquelas bandas, verem-se, nas vazantes das
águas com bastante afluxo no período das marés vivas, mulheres, homens e até
mesmo crianças de tenra idade ora cercando peixe muidinho com finas malhas ora apanhando conchas ou moluscos
comestíveis.
Tão típico é isto quanto o prazer de encontros amigáveis na praia ao
nascer e ao pôr do sol, nem que seja sob o pretexto da necessidade de defecar
na praia (por tradição), ali se juntam grupos de pessoas em animadas conversas
(e quem sabe não mais?) por várias horas.
Grande parte da população dedica-se no entanto à pequena indústria
artesanal e a outras ocupações liberais e informais bem como ao comércio, não
deixando de praticar um pouco de agricultura para subsistência, com especial
incidência no milho, mapira, mandioca e mexoeira.
O comércio ambulante vem ganhando dimensões cada vez maiores e os
mercados provêm essencialmente do tráfico swahili com quem qualquer negociante
mantém fortes laços.
Pemba, este pequeno satélite e entreposto swahili de tempos remotos,
conserva ainda suas antigas tradições e hábitos assimilados das gentes do
Tanganica. A preferência em artigos do mercado oriental e a quase generalização
da língua swahili, embora misturado com o idioma macua e a língua portuguesa, é
também realidade.
O “Sungura”, dança importada da Tanzânia, diverte todos os dias e
durante toda a noite a população dos bairros periféricos.
Dessa gente não há quem falte, pois aliado ao divertimento algum
namorisco poderá, eventualmente, acontecer.
Os três ou quatro conjuntos musicais que actuam em simultâneo nos
principais bairros de caniço expressam-se em língua swahili. Os dançarinos os
acompanham.
O "mini na kissikia swahili" (eu compreendo swahili) liga uns
e outros numa libertação e fruição de mais um dia passado.
As comunidades de maior influência árabe-swahili, muito dedicadas ao comércio com a Tanzânia, localizam-se em ambas as extremidades: Maringanha ao Sul e o Paquitequete ao Norte.
Contava há poucos anos um velho auxiliar de faroleiro uma interessante
e peculiar história sobre a origem do nome Maringanha já que a explicação nos
conduz a um facto de que a gente de Maunhane jamais viria a esquecer: trata-se
da construção de poços de água, um dos mitos de mau agouro ameaçador de morte a
quem o construísse.
O facto deu-se após o ciclone de 1914 quando, já reconstruída a
povoação de Maunhane, o faroleiro Heliodoro José Carrilho inaugura os poços
(por ele próprio mandados construir) gritando o lema: “Muringana?”, que em
língua local significa "estão completos?" ao que a população
respondia em uníssono "Ti ringana”, que nada mais é do que a confirmação.
Será que por popularização como indicava a fonte e deturpação da
expressão "mu ringana" viria a resultar Maringanha?
As cartas no entanto designam de ponta "Maunhane" à região e
não é de admirar já que localmente a expressão significa "no sítio dos
macacos" dado que em tempos parece ter sido ali o local por eles
preferido.
Ainda hoje muitas vezes se vêem macaquitos a vaguear pela Maringanha
saltitando por entre o sombreiro das casuarinas e coqueiros junto ao farol como
que apreciando as centenas de mulheres que na vazante avançam pelo mar em busca
de marisco, o "caril" diário.
Trata-se principalmente da apanha de certas conchas com carne comestível
mas pouco ou nada comercializável por se tratar quase de um dever tradicional
de toda a mulher e suas crianças procurar moluscos e pequenos crustáceos tanto
para seu sustento como até por simples ocupação do tempo e desporto.
Para além da pesca artesanal a população da Maringanha dedica-se também
à pequena agricultura bem como à fermentação alcoólica do caju. Aqui a amêndoa
deste fruto é no geral consumida quer verde quer torrada depois de seca ou
mesmo, em ambos os casos, também utilizados na culinária.
Na outra extremidade de Pemba encontramos o
Paquitequete que apesar de desenvolver um forte comércio swahili alberga por
outro lado famosos
artesãos e gastrónomos ensinados no Ibo e trazidos para ali aquando da
transferência da sede da administração da Companhia do Niassa.
Ourives trabalhando a prata das moedas portugesas antigas e o ouro das
libras estrelinas que ainda vão aparecendo, arrancado às relíquias de algumas
poucas “sinharas” (senhoras) ainda vivas apesar de velhinhas, que em seus
quintais confeccionam para venda famosos doces, compotas, diversos bolos doces
e salgados bem ainda como achares de variado tipo.
O Paquitequete está quase separado da cidade por uma lângua que seca
quando a maré vaza mas repleta de água na enchente e, nessas ocasiões, não
falta “negociozinho” aos miúdos das casquinhas ganhando algumas coroas aos que
desejem encurtar o caminho caso estejam em ambas as extremidades já que a ponte
se situa quase no extremo sul deste enorme bairro.
O nome de Paquitequete provém da expressão "pá hitequete” que
significa por um lado "no sítio do hitequete" ou melhor uma planta
que cresce toda emaranhada muito comum ali, por outro é aplicada à
característica do próprio bairro com casitas todas muito juntinhas umas das outras
formando um autêntico emaranhado.
Engloba ele junto ao mar as áreas de Cofungo na ponta Mepira,
seguindo-se em direcção à ponta Romero as zonas conhecidas por Nazimogi,
Paquitequete propriamente dito, Cumissete e Cuparata. Há a acrescentar ainda
uma casta de mestiços do Ibo que se isolou um pouco mais para a costa a seguir
a lângua, dando origem ao bairro da Cumilamba que galga um pouco a parte da
escarpa Leste da cidade de Pemba.
Enquanto que na Maringanha a ponta é alcantilada e orlada por um recife
de coral que cobre e descobre em Mepira ela è baixa e arenosa caindo a costa a
pique sobre o mar.
Nas regiões centrais da península localizam-se os bairros
semi-urbanizados de Ingonane, próximo à ponta Romero assim como o de Natite e
Cariacó mais a sul onde vivem principalmente os novos artesãos, o pequeno
operariado local e os potenciais produtores e negociantes de aguardente e outras bebidas tradicionais, tais como os
fermentados de cereais ou farelos.
Estes bairros
desenvolvem-se a partir da ponta Romero que é baixa e também orlada por recife
de coral que cobre e descobre. Tem praias arenosas mas as ondas são no geral
bastante violentas. A ponta Romero antes da ocupação pêlos portugueses era
conhecida pelo nome Miranembo.
A tradição reza
que ainda no tempo em que a região era floresta cerrada, albergando grandes
manadas de elefantes certo dia enfurecidos avançam em direcção ao mar e o mais
velho (o chefe) que seguia à frente não foi capaz de estancar na ponta o que o
levou a precipitar-se por sobre as águas e dai engolido pelas ondas. De súbito
os outros elefantes param e aterrorizados tomam rumo oposto fazendo uma
retirada para o interior sem nunca mais por ali aparecerem.
Ora, localmente a
expressão “umuiria” significa engolido e “nembo” o vocábulo elefante, ou seja o
lugar onde foi engolido o elefante. Naturalmente, segundo a lenda, as duas
expressões ter-se-iam fundido dando origem à palavra “umuirianembo”,
posteriormente, “miranembo”.
Entre o Cariacó e
a Maringanha encontram-se o Wimbe e o Nanhimbe (actual bairro Eduardo Mondlane)
dedicando-se à agricultura de subsistência e à fermentação alcoólica do caju.
Já no cimo da
colina podem-se ver, do levante ao poente, os bairros de Chuiba ou
"Planalto dos Cajueiros", Gingone e Muxara, praticamente cobertos de
cajueiros, e são os que mais comercializam a amêndoa do caju e se dedicam à
fermentação alcoólica da respectiva maçã bem como à pequena agricultura.
O rochoso baixo de
Nacole a 1,5 milhas para Sueste da Ponta Mepira, projecta ao longo das suas
praias de Chibabuara onde, do ponto mais alto da cidade, a colina se faz cair
abruptamente.
Outrora um esconderijo de larápios por possuir densa floresta, hoje a
sua população é essencialmente constituída por pescadores que, apesar dos
rumores de existência de um polvo gigante ali mesmo na baía, essa gente
continua fazendo alguma pescaria sem qualquer receio.
No centro da península onde está instalada a cidade de Pemba, ergue-se a zona de cimento desde a Baixa ou "Cidade Velha" junto à qual foram construídas as primeiras casas de alvenaria por facilidades de acesso ao porto, estancando numa planície provida do melhor parque habitacional.
É também nesta zona onde se encontram o Governo e serviços públicos
diversos, combinados com uma cadeia de estabelecimentos comerciais bem como um parque
infantil onde funciona também uma creche.
O actual porto e ponte cais de Pemba na baixa estão localizados na
região meridional da baía a 5 amarras para Sueste da ponta Mepira, com fundo de
lodo. O fundeadouro pode alcançar-se a pouco mais de 80 metros, onde se
encontra o molhe cais, dado que os fundos se aproximam bastante da terra.
Existem no porto diversas instalações para armazenamento de cargas e para serviços marítimos e aduaneiros. Está também apetrechado com um sistema para a contenção de combustíveis que, através de uma conduta de cerca de um quilómetro, são despejados para os depósitos da Petromoc próximos à povoação de Chibabuara.