A ARTE RUPESTRE - OS AMURALHADOS em MOÇAMBIQUE
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Que documentos existem das primeiras pegadas humanas em terras de Moçambique? De que data são?...
As respostas elucidar-nos-ão do início da arte na Província, visto parecer certo que o homem, desde que
existe, se revelou artista, na determinação de criar com o seu engenho as condições de subsistir com
a maior parcimónia de esforço. Todos os factores que satisfazem esse princípio geral, que é comum a toda
a Natureza e se chama lei do menor esforço, envolvem conhecimento, técnica e arte. Infelizmente, aquelas
respostas não podem ainda basear-se em certezas. Há dados, porém, que levam a concluí-las, como as mais
verosímeis e naturais. Supõe-se que o Saara foi o centro de onde partiram as migrações dos povos que,
em linhas radiais, se dirigiram para o Sul de África e para o Mediterrâneo, Peninsula Ibérica, França,
Itália e quiçá mais longe. Esta afirmação baseia-se nos documentos que comprovam a existência da mesma
arte, folclore religioso, indústria cerâmica, tradições, etc., nos povos situados nos términos dessas
radiais. No que se refere à arte, os vários e longínquos espécimes rupestres, espalhados na Europa
e na África, atestam semelhança e analogias bem suspeitas de uma mesma e única origem. Ora, são esses
documentos de arte, que se conhecem, os que assinalam aquelas pegadas em terras de Moçambique. A data
mais provável confere com a Idade Paleolítica. A história das pinturas e gravuras rupestres não começou
com as descobertas da Gruta de Altamira em 1879. Foi isso em Espanha, por um acaso fortuito. Ante os
olhos extasiados de uma rapariguinha surgiram as célebres pinturas murais, que, inicialmente, não mereceram
crédito, pois supuseram tratar-se de uma mistificação. Essa caverna, contendo tão alta expressão artística
dos povos da Pré-História, revelaria ao mundo científico aquilo que em paisagens africanas, caçadores,
viajantes e exploradores já haviam descoberto algumas centenas de anos antes. A descoberta das pinturas
de Altamira não era um embuste, mas só a opinião esclarecida do arqueólogo provaria a sua autenticidade.
Dezasseis anos depois a descoberta ao Sul da França, na Dordogne, na Gruta de La Mouthe, de outros primitivos
rupestres, faria concentrar a atenção do Mundo para o achado, relacionando-o com o ocorrido em Espanha
e dando a ambos a proveniência e legitimidade devidas. Os especialistas pretenderam atribuir os achados
picturais a raças evoluídas, nomeadamente à Cro-Magnon, de origem norte-africana, mas tiveram de confessar
o seu erro, perante outras descobertas em vários pontos do Mundo, em que tal identidade não se ajustava.
Uma plêiada de cientistas, tais como Henri Breuil, Cabré, Neville Jones, Jalhay, Amorim Girão, Santos
Júnior, Mendes Corrêa, António de Almeida, etc., vem trazendo esclarecidas informações sobre a arte rupestre,
espalhada pelo Globo. Esta constitui grande e valioso elemento de estudo para a arqueologia, flora, fauna,
etc., nomeadamente, subsidiária para o conhecimento dos períodos das várias culturas de comunidades pré-históricas.
A sobreposição de pinturas e gravuras, verificada em alguns achados de arte rupestre, correspondendo
cada uma a sua época, consente ao arqueólogo e ao etnógrafo o estudo evolutivo da cultura dos povos,
a que as mesmas respeitam. A idade das pinturas permite, outrossim, avaliar das modificações operadas
pelo tempo nas rochas, onde foram sucessivamente realizadas e que serviram de painel. Os acidentes
rochosos servem a alguns artistas para uma conveniente adaptação dos traços dos seus desenhos e pinturas
aos caprichos da Natureza, ao estalado da pedra, gretados e desgastes provocados pela erosão. O facto
fornece aos cientistas elementos relacionados com a estruturação das rochas e o seu comportamento com
o decorrer dos séculos. Muitos arqueólogos aceitam a hipótese da origem comum da arte rupestre, considerando
duas técnicas distintas: uma manufacturada segundo o gosto polícromo e a fidelidade anatómica dos animais
visados, a outra apresentando figuras humanas, ocupadas nas suas actividades preferidas. Nesta simples
classificação parece não caber os conjuntos pictográflcos, que se encontram, por exemplo, na arte rupestre
de Chicolone, a que nos referiremos. Cerca de cem anos antes da descoberta de Altamira, já se conheciam
pinturas e gravuras rupestres sul-africanas. G. W. Stow assim o afirma. Enquanto a arte rupestre europeia
parece reportar-se a 25000 anos-avaliação feita segundo a época conhecida do desaparecimento de animais
ali representados contemporâneos dos artistas-a arte africana é considerada mais recente, datando-a alguns
cientistas de 5000 anos e outros de alguns séculos, sem referir certos espécimes quase contemporâneos.
A carta pré-histórica, apresentada por Mendes Corrêa em "Raças do Império", indica-nos a existência
em Moçambique de pinturas rupestres em Chicolone, Chifumbazi, Cachombo, locais todos situados na zona
compreendida ao Norte da linha que une Tete a Zumbo. Conhecem-se, igualmente, em Moçambique, a meia encosta
do Monte Chimbanda da Serra do Zembe, ao Sul de Vila Pery e próximo de Vila de Manica, no Contraforte
do Vumba, do Monte Chinhamapere, outras pinturas rupestres de grande interesse e valor artístico. Entre
Ligonha e Rovuma localizam-se nove importantes estações de arte rupestre: Riane, Monapo, Nacavala, Campote,
Murrupula, Mogovolas, Ribáuè, Marrupa e Montes Oizulos. A sua existência corresponde a épocas afastadas
e a povos de tribos diferentes, bem como a concepções técnicas variadas. As estações de Riane e Monapo
mostram painéis do tipo animalista, com grande superioridade para a primeira no desenho, que é colorido,
elegante e dinâmico. Ambas são da Idade Paleolítica. As estações de Nacavala, Murrupula e Mogovolas
mostram painéis que são do Período Neolítico, contendo traços geométricos. A de Campote apresenta uma
escrita hieroglífica. As restantes estações são constituídas por cavernas e revelam a existência humana
pêlos testemunhos de arte cerâmica que aí se encontraram. Nas quatro estações referidas há aspectos
de mentalidades distintas, que não podem só ser justificadas pela cronologia. Nos painéis de Riane
o desenho é rico em movimento, cor e arte; nos de Monapo não sucede o mesmo, embora em ambas as estações
se verifiquem que os temas são servidos pelas figuras de animais. Os traços picturais de Nacavala,
Murrupula e Mogovolas, são menos cuidados; nas de Campote lembram sinais hieroglíficos.
Os povos
de Meconta, Murrupula, Mogovolas, etc. consideram os lugares das pinturas e desenhos como santificados.
Ali imploram o que mais necessitam. Os povos de Campote e de Riane receiam tais lugares, a que ligam
lendas um tanto aterradoras e de fundamentos altamente supersticiosos. Os frescos de Riane constituem
grandiosas mensagens de arte. O vigor dos traços anatómicos das figuras de animais, bem com a sua cor,
dão beleza e harmonia extraordinárias a todo o conjunto e revelam uma perfeita técnica e conhecimento
de hábitos e costumes dos animais selvagens. O mistério ou o enigma andam a par nestas exteriorizações
de grande poder interpretativo. As figuras humanas concertam-se com as dos animais, sendo estes a desempenhar,
no entanto, papel principal. Na apreciação dos espécimes de Nacavala há toscas figuras geométricas
circulares, rectangulares,.quadradas, etc., sem representação de animais, nem de homens. Uns parecem
constituir símbolos de valor astronómico, outros de técnicas de agricultura.
Como refere Soares
de Castro no seu opúsculo intitulado A Pré-História De Entre Ligonha E Rovuma: O homem de Riane observava
os animais, estudava-os em pormenor e pintava-os supersticiosamente para os poder caçar com mais rendimento
de trabalho, que a caça era a actividade que lhe garantia os meios de subsistência; o de Nacavala, na
posse de novas conquistas técnicas, que lhe permitiam abraçar outra economia, mostra-se desinteressado
da caça, portador de sentimentos da vida cósmica, debruçado para a agricultura. Um dos problemas que
mais o devia ter apoquentado foi a falta de água para as suas culturas e a consequente descoberta das
cerimónias que revelassem a presença das forças misteriosas, os sinais pré-monitórios, a maneira de lidar
com essas forças, desviando-se dos seus efeitos maléficos e pondo-as ao seu serviço para fins benéficos.
Por certo que os instrumentos de produção de um e outro são diferentes, mas as fórmulas mágico-religiosas
perduram. Tal como o caçador, privado de armas aperfeiçoadas, desenhava o animal que queria matar no
intuito de o predispor para o sacrifício, o agricultor, apenas na posse de um tosco pau de escavar ou
enxada de cabo curto, desconhecendo os adubos e a irrigação artificial, reproduzia, temerosamente, nos
anos de seca prolongada, as constelações que anunciam a chuva, na esperança de ver chover. E daí à divisão
e previsão do tempo (ciclo anual, estações e lunações); à crença na periodicidade e na repetição dos
fenómenos; aos presságios astrológicos, à adivinhação, não foi preciso percorrer longo caminho...
Não obstante os aspectos mencionados que serviam de inspiração e tema, a guerra, a dança e a caça são
muitas vezes os principais motivos escolhidos pela arte rupestre. O culto do fogo, o uso do ferro,
o fabrico de armas, a caça, a cerâmica, etc., são também manifestações de cultura que a arte nativa assinala.
Gazelas, antílopes, rinocerontes, bovídios, etc., são alguns dos animais admiravelmente nela representada.
Os actos espírito-sagrados ou rituais religiosos têm também condigna representação. As pinturas rupestres
do Vumba são atribuídos aos bosquimanos, povo cuja origem, segundo Impey, data de há cem mil anos. A
data é contraditada por alguns arqueólogos que afirmam que a arte pictográfica africana começou só há
seis mil anos antes de Cristo.
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Em Chicoloane existe uma estação rupestre, de que mostramos dois dos mais interessantes aspectos. Esta
estação está situada proximamente à fronteira Sul do Malawi, na latitude do paralelo que passa pela zona
meridional do Lago Niassa. Os conjuntos pictográficos têm merecido a atenção de arqueólogos nacionais
e estrangeiros, sem, no entanto a sua interpretação ser concordante. Neles não figuram animais, pelo
que estão classificados, por esse facto, entre as mais curiosas representações geométricas que se conhecem.
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Adelino Joaquim Soares de Castro Pereira, autor de numerosos trabalhos sobre etnografia moçambicana.
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