A ARTE RUPESTRE - OS AMURALHADOS
em MOÇAMBIQUE




AMURALHADOS-RELIQUIAS E MONUMENTOS HISTÓRICOS DE MOÇAMBIQUE



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Ruínas do Zimbáuè de Mavita, na Circunscrição de Manica.
Foto de Quirino da Fonseca

O engenho e a arte de construir em pedra manifestam-se em Moçambique através de numerosos testemunhos. Os estudos dos seus amuralhados estão ainda no princípio. Há nesses estudos falta de correspondência entre os significados etnográfico, arqueológico e histórico desses monumentos, o que justifica a impossibilidade de se exprimir uma opinião definitiva sobre o assunto. Servindo de fortins de defesa, de protecção para fundição de ferro, de câmaras tumulares, de simples muros, de bases de assentamento de habitações, com chão por vezes revestido de barro e paredes com "daga" - espécie de cimento - etc., tais construções fazem parte dos amuralhados da cultura Zimbáuè-Monomotapa, que, segundo as hipóteses mais verosímeis, datam do século XV e seguintes, e são atribuídos aos povos bantos. Com a chegada dos europeus, as construções extinguiram-se ou, pelo menos, reduziram-se a valores insignificantes. Todas são constituídas por um amontoado sistemático, ordenado e perfeito, de pedras, sem qualquer espécie de cimento ou argamassa a uni-las.
Estas construções encontram-se em Nhacangara, Macossa, Montes Munene, Metáli, Inhamajo, Inhatôa e Mulanda do Distrito de Manica e Sofala, e no Guru na Circunscrição do Bárué; em Mavita, Messambúzi e junto do Rio Inhamanguene na Circunscrição de Manica; e na Serra de Zembe na Circunscrição do Chimoio, a Sul de Vila Pery.
Freire de Andrade no seu Relatório de 1900 refere-se, com copiosas informações, às construções amuralhadas de Manica e Sofala. Mas já no século XVI Damião de Gois na Crónica de El-Rei D. Manuel, no que respeita aos costumes dos povos do Reino de Monomotapa, dá informes sobre os recintos amuralhados. João de Barros, Frei João dos Santos, António Fernandes, que viveram nos séculos xvi e xvn, citam-nos igualmente.
Oliveira Martins interessa-se pelo assunto e dá-nos novas ideias sobre a questão.
Alexandre Lobato, Caetano Montez, etc. juntam os seus aos estudos de Mendes Corrêa, António de Almeida, Santos Júnior, Roza de Oliveira, Lereno Antunes Barradas, Cari Wiese, Schlicter, Staudinger, Seibold, etc.
Trata-se, sem dúvida, de manifestações de arte nativa com fins de defesa ou habitacional.

Por nos parecer deveras elucidativo, transcrevemos algumas afirmações de Roza de Oliveira e as conclusões que respondem a cinco perguntas, relacionadas com os Amuralhados de Moçambique:
"Aquilo a que os arqueólogos rodesianos e sul-africanos chamam
ruined stone structures ou hill top fortifications e a que os nossos pioneiros chamaram, recintos muralhados ou murados, designamos nós somente como amuralhados, por se nos afigurar ser este o termo mais correcto e aquele que justamente nos dá melhor terminologia científica para englobar todas as ruínas de empedrado constituídas por complexos, recintos, fortins, simples desmoronados, torres cónicas, sepulcros, bases onde assentaram palhotas habitacionais, etc., todos representados no distrito de Manica e Sofala, da Província de Moçambique."
"...Cremos poder continuar a usar a expressão zimbauè, que se nos afigura a mais correcta para designar estas construções de empedrado afinal tão conhecidas pêlos povos ditos Bantos."
"...A influência principal de todos os amuralhados estava localizada na Rodésia do Sul, espalhando-se, depois, na direcção dos litorais de Moçambique e de Angola, não até ao mar, mas até aos rios com saída para os oceanos ĺndico e Atlântico, permanecendo sempre em locais de certa altitude, no planalto e nos topos de várias montanhas."
Primeira -
Quando teriam sido construídos os amuralhados?
"Pela estratigrafia e pelos restos arqueológicos recolhidos as construções pertencem a períodos de tempo posteriores ao século XIV, provavelmente, pelo menos as portuguesas, não mencionando o Zimbauè grande, que pode ser mais antigo. Algumas destas ruínas poderiam mesmo ter começado a ser construídas entre os séculos XV e XVII, apresentando vestígios de ocupação até ao século XIX."
Segunda - Quem construiu os amuralhados?
"Cremos poder afirmar, sem mais reservas, que foram povos bantos os edificadores dos amuralhados da cultura Zimbauè Monomotapa. Tudo indica que assim seja, pois existe a possibilidade de o grupo Hamítico que ocupou tantos locais da África Central e Oriental ter sido o responsável não só por estas construções como pela cultura Zimbáuè-Monomotapa, tendo também em atenção, embora depois das correcções arqueológicas, a Etnografia e a História que colocam o reino do Monomotapa
no âmbito tipicamente afro-negróide."
"Etta é também a opinião da maioria dos autores que fizeram escavações nos amuralhados e recolheram espólio arqueológico, pois que os outros que não publicam trabalhos sérios nem nunca investigaram as ruínas "in-situ", com a excepção de Teodore Bent, trabalharam por livros e pelo que encontraram escrito. Têm até aparecido autores a investigar as ruínas por comparações fotográficas com as ruínas de Mohenjo-Daro, castros da Península Ibérica, etc., sem nunca terem visitado estas construções."
Terceira -
Donde vieram os construtores?
"Para respondermos a esta pergunta teremos de completar a antecedente. Embora não seja possível responder em definitivo, supõe-se que a corrente migratória dos povos Hamíticos se processou de Norte para Sul; contudo, é também certo que tanto os povos Bantos como os Hamíticos vieram do Norte: o primeiro, provavelmente, no ano 500
da nossa era e o segundo cerca de 500 anos depois."
"Embora as afirmativas atrás referidas fossem formuladas por autores conhecedores do assunto, não acreditamos completamente na migração Hamítica, mas apenas num grupo de conquistadores que se estabeleceu como governante na região, do mesmo modo como os Ba-rotses conquistaram e governaram a região do Lago, ou como os Makalolos se estabeleceram nas terras da Baròtselândia e de Mambunda."
Quarta -
Porque utilizavam a pedra nas construções?
"Embora só exista conhecimento de que os Machonas começassem a cercar as suas aldeias com pedras no século XVIII, para se protegerem dos ataques de surpresa, torna-se muito difícil relacioná-los com os primeiros construtores."
"De facto, a Etnografia, devido ao seu atraso em relação à Arqueologia, não nos pode dar esta relação. A Arqueologia só poderia ajudar a encontrar esta incógnita se as ruínas tivessem uma antiguidade pelo menos pré-histórica;
mas, como são recentes - proto-história - é problema de difícil solução."
"Uma vez que a pedra é abundante e de fácil colheita nos locais onde existem ruínas, a sua utilidade foi logo reconhecida e explorada para vários fins, tais como defesa, suportes para assentar palhotas habitacionais, etc. Temos mesmo a impressão de que a maioria destas construções eram meras vilas cercadas por muros de pedras soltas, idênticas às que actualmente usam os Bantos, vedadas com paliçadas de madeiramento e caniço. Algumas das ruínas também podiam ter servido como fortins de defesa, protecções de fundições de ferro, câmaras tumulares, etc."
Quinta -
Porque pararam as construções de pedra?
"Foi admitido que a cultura do Zimbáuè tinha sido extinta antes dos nossos ancestrais terem chegado a estas paragens; contudo, assim não sucedeu, pelas transcrições atrás referidas, dos nossos cronistas, e pelas provas concludentes a que se chegou não só
com os Machonas, que ainda constróem com pedras, como com os Matakam, do Camarão Setentrional, povo descoberto há pouco tempo pelo etnólogo suíço René Gardi, que presentemente vive em amuralhados idênticos aos do presente estudo; amuralhados por eles próprios construídos no presente."
"Cremos que só depois da desintegração da cultura Machona, resultante de diversas invasões, como a dos Barotses, Suawis, Changanas, Matabeles e finalmente os Europeus, e depois das velhas instituições dos reinos terem sido destruídas e naturalmente substituídas por outras é que as construções começam a extinguir-se, devido às mudanças constantes, provenientes das fugas perante o inimigo."
"Mais de uma vez se tem tentado ligar as ruínas com os Barotses, mas talvez estes tivessem aprendido a construir em pedra
com os Machonas, tal como em Machonas se tornaram."
"Entretanto, é certo poder afirmar-se que a arte de construir em pedra foi mais prolongada na Rodésia do Norte, particularmente na região dos Makonis, entre os Waungwe, onde muitos dos traços da cultura típica das instituições do Monomotapa sobreviveram. A razão desta sobrevivência é devida ao facto dos Waungwe estarem menos expostos às guerras devastadoras do que outros povos da Rodésia do Sul, onde a chegada dos europeus deu o golpe misericordioso na cultura monomotápica.
"Podemos também apontar o facto de que entre os Bavendas do Transval do Norte - uma tribo cuja cultura é essencialmente Machona - a arte de construir em pedra sobreviveu até aos nossos dias. É nossa opinião de que a cultura Zimbáuè-Monomotapa desapareceu só depois da cultura Machona ter perdido a sua integridade política."
"Enfim, que foram povos negróides que construíram os amuralhados, não devem restar dúvidas, pois que os métodos arqueológicos neste campo não podiam falhar; que as
construções são mais recentes do que muitos supunham, também não devem restar já dúvidas; mas, colocar os vários povos nas várias ruínas, embora todas elas tenham cultura semelhante, isso é que é muito difícil."
"É, pois, necessário aprofundar bem os movimentos Norte-Sul dos Hamitas, para se poder chegar ao pormenor da apaixonante questão."



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